sábado, 30 de junho de 2018

A Dama e o Forasteiro


“Você é o destino, você é o trovão dos cascos
Sendo a paixão do meu amor, você me perseguiu através do céu gelado e do solo nevado
Uma polegada de luz, uma polegada do meu amor
Uma flor de cereus, uma flor de nuvem
Uma flor de floco de neve, uma flor de sonhos
Realizada com cuidado no coração da minha palma
Uma única semente de poeira, uma árvore Bodhi
Uma única estrela cadente e apenas você
Realizada com cuidado no coração da minha palma”     

(Heart of Palm - Shou Zhang Xin – Dorama: Prince of Lan Ling)

China Antiga, 776 a.c

Na vila de Xiangzuishan, as jovens moças em idade para casar tem que confeccionar um robe para o futuro marido, que a escolhe na cerimônia realizada na praça central da vila, onde todas as jovens se apresentam aos pretendentes.
Algumas passam meses e anos fazendo seus robes. As mais pobres fazem de algodão, enquanto as mais ricas fazem com as sedas mais finas e com auxílio das melhores escravas.
Hyuang Yi é filha do ferreiro da vila e nunca foi muito bem aceita por ninguém. Ela sempre ajudou seu pai na loja em que produz armaduras e espadas e outras peças com metal. Ela levava as encomendas, atendia aos clientes e algumas vezes, quando a demanda era grande, ela também fazia o trabalho diante da brasa.
A mãe da jovem falecera quando ela tinha sete anos e desde então eram apenas ela, o irmão mais velho e o pai. Ela se lembrava de sua mãe como uma mulher delicada e sempre disposta. De um dia para outro adoecera e após poucos dias não resistira. O irmão entrara para o exército do imperador havia uns anos e só aparecia em casa algumas vezes por ano.
Aproximava-se a época de Yi procurar um esposo e precisava fazer seu robe. Porém, ela sabe que ninguém nunca a vai escolher. Só que seu pai – Hyuang Ping – queria ajudar a filha.
- Filha, isto aqui é para você. – lhe estendeu uma sacola lotada de moedas
- Mas, são suas economias, pai.
- Para você comprar o melhor tecido para tecer seu robe. Precisa achar um bom marido, filha.
- Sabe que ninguém me escolherá.
- Não custa se esforça e tentar.
- Custa sim. As economias! – devolveu a sacola – Não preciso disso.
- É uma ordem que use este dinheiro para comprar o precisa para o robe.
- Pai... Por favor...
- Só faça o que lhe mando.
- Não precisava mesmo, mas... Che Che! – sorriu
A jovem Hyuang foi imediatamente ao mercado e comprou o que de melhor podia com aquele dinheiro para seu novo projeto. Ela também nunca fora muito jeitosa com bordados. Só lembrava o pouco que a mãe ensinou. Contudo, o trabalho no fogo tirou toda a delicadeza e maciez das suas mãos, ela rezava para não ter perdido a mão do bordado. Pelo menos a agulha doeria menos se lhe espetasse os dedos. Afinal, lidava com ferro e calor. Uma agulha e uma linha devia ser algo mais simples.
Outras jovens da mesma idade de Yi estavam fazendo compras e não resistiram quando a viram:
- Olha lá, é a filha do ferreiro, ou devo dizer: a nova ferreira. Alguém tem que seguir com o ofício daquele velho. – um coro de risos – E por que compra tecidos tão finos? Eles não combinam com você.
- Não são para mim. É para eu fazer meu robe.
- E você acha que um homem vai querer algo feito por alguém como você?
Mais uma risada uníssona, mas ela não respondeu. Há anos aquilo se repetia e ela aprendeu que o melhor era deixá-las falando sozinhas mesmo. Terminou o que tinha que fazer e voltou para casa. Com as medidas do pai, ela começou a costurar o robe. Ela dedicava sempre o tempo livre que tinha, após os afazeres da casa para continuar o belo bordado de dragões que fazia nas mangas.
***
Os dias se passaram e Hyuang Yi foi ao rio do lado de fora da vila para passear, relaxar e pensar. Aproveitou que podia demorar um pouco para voltar e continuou ajeitando os detalhes da roupa, pois já faltavam poucos dias para a grande cerimônia. Até que ela ouviu um cavalo relinchar. Pensou ser de algum viajante de passagem por ali apenas. Só que o som se repetiu, sem dar a impressão de ter se afastado. Ela se virou e viu que o cavalo carregava um homem ferido.
Apesar do medo, ela foi averiguar e viu o corte que vinha de seu ombro. Tentou chamá-lo e ele estava semi-acordado.
- Muito bem, Ta Yue. – olhou para a garota - Senhorita, pode me ajudar? Estou ferido.
- Claro! Tem como descer do cavalo?
- Sim. Mas me ajude!
Yi ajudou-o a descer e colocou-o sentado perto do rio, encostado numa pedra. Amarrou o cavalo numa árvore e foi cuidar do homem. Baixou a manga de sua roupa e viu que o corte fora comprido e bem feio.
- Onde arrumou isso?
- Uns ladrões me atacaram na estrada, perto daqui. Tentei me defender, mas eles eram muitos. Eles levaram minhas coisas e me deixaram para morrer. Sorte que tive forças para subir no meu fiel companheiro e ele lhe achou.
- Talvez mais um pouco e você não estivesse mais entre os vivos. – pegou a única coisa próxima para limpar o ferimento, seu robe em construção – Isso vai doer!
- Não precisa limpar o ferimento de um forasteiro com um tecido tão bonito desses.
- Eu não tenho outra coisa.
Ele reclamou um pouco de dor. Rapidamente o ferimento estava limpo. A garota usou o tecido para também estancar o sangue, amarrando-o no ombro do homem.
- Tem forças para caminhar agora?
- Sim.
- Você vai precisar de um lugar para ficar até se recuperar. Pode ser na minha casa!
- Obrigado.
Assim, com o homem em um ombro e o cavalo sendo puxado por outra mão, Yi trouxe o forasteiro para sua casa.  Colocou-o sentado a mesa de refeição.
- Pode ficar no quarto do meu irmão. Ele é do exército e vem pouco em casa.
- Filha, quem é este homem? – o pai apareceu
- Ah, é um forasteiro que encontrei ferido na estrada. Ele pode ficar uns dias até se recuperar?
- Claro, sem problemas. Será bem tratado, senhor...
- Shen Wei. E você?
- Sou Hyuang Ping.
- E qual seu nome, senhorita?
- Hyuang Yi. – sorriu – Vou preparar a comida. Deve estar com fome.
- Um pouco.
Hyaung foi acendendo o fogo à lenha, mexendo as panelas, colocando os ingredientes. Enquanto isso o Wei só a observava em sua tarefa e não resistiu ao impulso de perguntar:
- Qual o ofício de seu pai?
- Ele é ferreiro. O único da vila.
- E você? O que faz além da parte doméstica?
- Eu o ajudo com a ferraria. Levo encomendas, atendo e também confecciono.
- Por isso são suas mãos são assim.
- Assim como? Não entendi. – virou-se para ele
- Calejadas. Não são as mãos de uma dama.
- Eu não sou uma dama, Senhor Shen.
- Para mim, você é. Pelo menos é tão bela como uma. – sorriu
- Ainda não viu as outras da vila. Elas são bem mais bonitas do que eu. Eu não tenho tempo para metade das coisas que elas fazem, como cuidar da aparência.
- Não as conheço, então não posso dizer nada.
- Preciso ver como está seu ferimento. – disse se aproximando – Nossa! Se não fizer nada vai ficar feio. – e colocou, depressa, uma espada para aquecer no fogo.
- E este robe aqui? – indagou Wei, olhando – Por que estava com ele?
- É para meu futuro marido, que ainda não sei quem é. Aqui na vila temos a tradição das moças fazerem um desses e o homem que quer desposá-la aceita como presente.
- Uma pena ter estragado algo tão lindo comigo. Você mesma quem está fazendo?
- Sim! Minha mãe me ensinou um pouco quando era menor. Estou usando o que me lembro. – ela limpou novamente o ferimento dele e finalmente olhou a enorme mancha de sangue na roupa e sentou desolada – Como eu vou limpar isso agora? Foi todo o dinheiro do pai nisso.
- Desculpe-me por isso.  – disse Wei – Tem algo que eu posso fazer para te ajudar?
- Não tem necessidade. Você está se recuperando. Eu darei um jeito, não se preocupe.
- Você disse que isso é para dar de presente não é?
- Sim! – respondeu pegando a espada do fogo – Um pouco de calor para seu machucado.
Normalmente, se colocava a espada na parte que era maior para se cauterizar. Porém, marcava a pele. Hyuang aprendeu a fazer isso usando a parte mais fina da lâmina. Por ser também um ferimento de espada, isso ajudava. Calmamente, ela posicionou a parte fina da espada no corte e o calor fez o forasteiro gritar de dor. Após esse grito que veio do lugar mais profundo de sua garganta, o ferimento estava fechado e não sangraria mais.
- Continue o que ia dizer... – sorriu Yi
- Bom... – colocou a não no machucado – Não é muito, mas é algo que pode complementar seu robe. – e lhe estendeu um belo pedaço de pano vermelho
- Obrigada! - pegou – Combina perfeitamente com este marfim. Usarei nas golas!
- Fará seu robe ser o mais bonito de todos!
- Não é uma competição! - riu
- Mas, talvez o melhor partido se interesse pelo robe mais belo de todos.
- Acredito que isso seja mentira. As jovens mais ricas atraem os mais ricos. – sentou-se desanimada – Eu não queria fazer isto, mas meu pai insistiu tanto que...
- Eu entendo! – sorriu Wei – Também já fiz coisas só para agradar meus pais.
- Sendo sincera, senhor Shen, casamento não é algo para mim. Como você mesmo disse: Não sou uma dama.
- Pode vir a ser uma. Basta a senhorita querer.
Hyuang terminou a comida logo e serviu o hóspede, que saciou a sua fome. Depois, a jovem o colocou para descansar no quarto do irmão e foi terminar os outros afazeres da casa. Especialmente em dar um jeito de limpar o robe.
E assim, os dias foram passando, Hyuang e seu pai cuidavam do enfermo. Seu ferimento não era tão grave, mas ele precisava se ficar com braço em repouso por conta de ter caído do cavalo e o corte ter sido próximo a um nervo.  Wei se tornou a companhia de Yi quando o pai estava ocupado demais trabalhando. Eles conversavam e riam, sobre qualquer coisa. Um dia, foram ao mercado da cidade juntos, pois precisava comprar coisas para repor o estoque da casa. Conversavam no caminho:
- Senhor Shen, você não me contou nada sobre você.
- Não tem muito o que saber sobre mim.
- Bem, eu prestei atenção nas roupas que você estava quando apareceu lá no rio. É de família nobre, não?
- Sim, eu sou. – respondeu sem jeito – Não quero que me trate diferente por conta disso.
- Claro que não. Só fiquei curiosa mesmo. Peço perdão por isso.
- Não precisa se desculpar. Só saiba que eu estou a serviço do Imperador assim como você.
- É soldado como meu irmão?
- Exatamente.
E chegaram ao mercado e logo as moças repararam naquele homem que vinha junto da jovem Yi. Ele era um rosto diferente e novo por ali. Apesar de trajar as roupas do irmão de Hyuang, Wei tinha uma aparência de nobre que não conseguia de desvencilhar e os outros perceberam isso.
- Esse rapaz não é daqui. – disse um
- E por que está andando com a filha do Hyuang Ping? – comentou outro
Eis que, uma das moças das classes altas abordou o forasteiro.
- Senhor, bom dia. És novo por aqui? Nunca vi seu rosto.
- Sim, senhorita. Estou apenas de passagem, logo voltarei a meu lar.
- Se quiser se hospedar em minha casa.
- Agradeço o convite, mas já estou instalado na casa de Hyuang Ping.
- Está com eles? Sabe que eles são a pior família daqui não é?
- Se são ou não, isso é opinião sua. A senhorita Hyuang me resgatou na estrada, ferido.
- Ferido? Como?
- Uns ladrões me pegaram na estrada e só fiquei com minhas roupas e meu cavalo. Estou me recuperando para poder terminar minha viagem.
A moça sorriu, desejando melhoras ao homem. E no mercado também havia uma senhora mais velha, acompanhada de uma outra jovem. Todos a cumprimentavam e se curvavam, pedindo bênçãos. Wei achou aqui estranho e perguntou a Yi:
- Quem é aquela senhora? Deve ser importante por aqui.
- Sim, é nossa sacerdotisa Yin Jingyi, ela que cuida do templo e também quem faz o ritual do robe todos os anos e aquela é a aprendiz dela: (nome aprendiz).
Shen se afastou de Yi e foi conversar com a sacerdotisa.
- Bom dia, sacerdotisa. É uma honra conhecê-la.
- Quem és tu, meu jovem? Nunca lhe vi por aqui.
- Sou um forasteiro, apenas de passagem.
- Ora, seja bem-vindo.
- Bom dia, sacerdotisa Jingyi. – falou Hyuang, que se aproximou
- Está acompanhada deste senhor, menina?
- Sim, senhora. Está hospedado em minha casa.
- E seu robe? Há quantas está?
- Estou terminando. Ficará pronto a tempo da cerimônia.
- Soube que gastou as economias de seu pai para comprar os tecidos. – disse a sacerdotisa
- Ele me deu esse dinheiro com este propósito.
- Ainda lembro de quando seu pai escolheu o robe de sua mãe, pois era o único que havia sobrado. Mesmo sua mãe sendo de uma família boa, arrumou um pretendente como seu pai. Uma pena, ela tinha tanto potencial. Espero que não lhe aconteça o mesmo, senhorita Hyuang.
- Não acontecerá, senhora. Até a cerimônia.
Despediram-se e os dois continuaram as compras. Yi ficava triste quando lembravam que sua mãe havia sido a última a ser escolhida e pelo pai dela. Não que ela odiasse o pai, mas as pessoas sempre faziam questão de lembrar do “destino trágico” de sua família. Porém, Hyuang Yi sempre sentira o amor em sua casa. Seus pais se amavam desde muito antes do ritual do robe. Assim como Yi, sua mãe também não era a jovem mais adorada da vila. Por esses motivos que a garota não queria fazer um robe. Ela tinha medo da história se repetir ou até de acontecer algo pior: ninguém a escolher. Shen só conseguiu comentar com este assunto sobre ela quando retornaram a casa.
- Agora eu entendo o porquê de tudo que sua família passa. Eu lamento, senhorita Hyuang.
- Tudo bem. Eu já estou acostumada a ser tratada assim por todos. Todos se lembram da minha mãe dessa forma: A jovem que largou tudo por amor. – deixou escorrer uma lágrima – Mas, sabe, senhor Shen, o amor que vejo nessa casa, como era meu pai com minha mãe, eu com meu irmão, acredito ser a coisa mais nobre e rica que existe. Eu não trocaria nada disso por um status em que as pessoas só querem se aproximar de mim pelo o que eu tenho, pela minha posição e não por quem sou.
A jovem se permitiu chorar, era como tirar algo engasgado de dentro de si. Wei ficou comovido e a abraçou. E nenhum dos dois se incomodou com isso. Nunca, um homem e uma mulher, não casados, se abraçariam daquela forma, ainda mais sozinhos em um ambiente.
- Senhorita Hyuang, - ele falou – saiba que é a pessoa mais nobre que já cruzou meu caminho. Ninguém teria a coragem de sair às ruas todos os dias e ser tratada dessa maneira, inclusive pela pessoa de maior importância neste local. E você tem a honra de levantar sua cabeça e seguir em frente. Isso é algo que ninguém lhe deu, você conquistou sozinha e ninguém também poderá tirar.
- Obrigada, senhor Shen.
- Pode me chamar de Wei, senhorita.
- Chama-me de Yi então.
Eles se olharam, sorrindo. Era algo diferente nascendo naquele momento e que nem eles mesmos entendiam o que era.
***
Na manhã seguinte, Hyuang e Ping tomaram um susto, pois o seu irmão Hyuang Bao apareceu de repente em casa.
- Irmão, o que houve? Veio antes do tempo.
- Sim, eu sei. Mas, é que a minha tropa foi dispensada, nosso general está desaparecido. Como são tempos de paz, nos deixaram voltar para casa.
- O que aconteceu com ele?
- Estávamos acampados um uma planície perto daqui, fazendo reconhecimento das terras do imperador. Ele saiu para uma ronda e não voltou. Acreditamos que tenha se ferido no caminho.
- Seu general está bem, Soldado Bao. Ele foi atacado por ladrões na estrada, mas foi ajudado por esta jovem. – disse Wei aparecendo na cozinha
- General Shen! – exclamou o soldado, se ajoelhando
- Pode se levantar. Afinal, é sua casa.
- Por isso o cavalo não me era estranho. É Ta Yue.
- Sim. Graças a ele que consegui fugir.
- Conte-me senhor, o que lhe aconteceu.
Shen e Bao sentaram-se, enquanto Yi terminava a refeição, e soube com detalhes do incidente que colocou seu general dentro de sua casa.
- Seu pai e irmã têm sido ótimos anfitriões, soldado. Logo estarei melhor e poderei voltar ao comando.
- É uma ótima notícia, general Shen. Aviso aos outros?
- Não. Aproveite e descanse!
Então, Bao viu o robe de Hyuang pendurado e a mostra.
- Que robe é aquele? Você quem está fazendo, irmã?
- Sim. Papai insistiu. – sorriu amarelo – A cerimônia é daqui dois dias.
- Gostei do detalhe vermelho na gola e na ponta das mangas e estes dragões belíssimos. – comentou olhando mais de perto
- Agradeça a seu general, foi ele quem me cedeu este belo tecido como recompensa por tê-lo salvo.
Todos os membros presentes na casa se sentaram a mesa, momentos depois para a refeição.
***
Shen Wei já estava muito melhor e partiria em um dia ou até dois. Hyuang Yi sabia disso e começou a sentir um vazio só de pensar em perder uma ótima companhia e voltar a ficar sozinha enquanto o pai trabalha. Ela decidiu, como uma singela lembrança, confeccionar uma pequena adaga para o homem.
Era uma final de tarde e Yi estava nos fundos da casa, na ferraria, em frente a fornalha. Com uma marreta, ela batia no ferro quente para dar o formato. Ela era até habilidosa, mas não se comparava em nada com o que o pai fazia. O irmão, ao procura-la, a encontrou ali.
- O que está fazendo, Yi?
- Uma adaga. É um presente ao seu general.
- Você sabe que ele partirá logo não é?
- Sim. O corte dele, mesmo que superficial, já se curou e seu braço está quase perfeitamente bom.
- Sentirá falta dele?
- Acho que sim. Ele é uma boa companhia.
- O general Shen é um ótimo partido. Várias mulheres no reino o cobiçam.
- Eu sei. Isso aconteceu até aqui. Tinha que ver quando foi ao mercado comigo, mesmo usando suas roupas, ele atraio as jovens.
- A presença dele faz isso! Não é algo proposital. – uma pausa constrangedora – Enfim, não vou lhe incomodar. Pode deixar que eu faço o jantar hoje.
- Che Che. Assim posso terminar mais rápido aqui.
Mais tarde, Yi retornou a casa, já na hora da comida ser servida e Wei estranhou o sumiço dela e indagou:
- Onde estava, Yi? Não lhe vi a tarde toda.
- Estava ocupada na frente da fornalha, confeccionando uma encomenda.
- Vá se limpar para comermos, espero que a comida do soldado Bao seja tão boa quanto a sua.
Não era uma época muito cheia para o ferreiro, mas a desculpa foi boa para enganar o outro. E o pai sabia que a filha, às vezes, gostava de ficar em frente ao fogo apenas para praticar.
Os quatro comeram num clima agradável. Bao e Shen estavam contando histórias do exército e estavam divertindo os outros dois. Histórias sobre treinamentos, concubinas, noites de banquete após batalhas. Histórias, apenas histórias. E Wei resolveu falar algo importante em seguida:
- Senhor Hyuang, obrigado por sua hospitalidade, mas acho que estou em plenas condições de seguir o meu caminho.
- Claro, Senhor Shen. Eu compreendo e imaginei que assim que melhorasse você partiria. O que é uma pena, pois adoramos a sua presença aqui conosco.
- Quem sabe não retorne outras vezes?
- Quando partirá?
- Depois de amanhã.
- No dia da cerimônia do robe. – falou Hyuang
- Eu sei. Uma pena que não poderei ver quem será seu futuro esposo.
- Talvez ninguém. – ela respondeu, desanimada
- Não pense assim, filha. – falou o pai – Deve ter alguém por ai.
- Assim espero.
***
Dois dias depois, a família se preparava tanto para a filha que participaria da cerimônia do robe, quanto para se despedir do viajante que se hospedara em sua casa. Shen Wei iria embora pouco antes de cerimônia começar. Eles foram a frente da casa para se despedirem.
- Foi um prazer conhece-lo, Senhor Shen.
- Igualmente. – sorriu para o pai da família
- Este é um presente para você, Wei. – disse a jovem estendendo a adaga
O general a retirou da bainha e observou o quão bem polida e brilhante estava. E observou os entalhes do cabo. Mesmo simples, era uma bela adaga.
- Você quem fez? – ele perguntou
- Sim. – escondeu o rosto
- Che che! Guardarei com carinho. – disse dando um beijo na testa da moça – Boa sorte em sua cerimônia.
Assim, ele subiu no cavalo e partiu para fora da aldeia.
Os outros três membros se arrumaram e logo estavam na praça central da vila, prontos para assistir a cerimônia do robe. O pai e o irmão estavam animados e esperançosos de que Yi fosse escolhida. A garota colocou a melhor roupa que tinha, uma antiga da mãe, a mesma que ela usou na sua cerimônia, quando Ping a escolheu como pretendente.
As jovens noivas fizeram uma roda em volta da sacerdotisa Yin Jingyi que as aguardava para poderem começar. Primeiro surgiram comentários, em sussurros pela plateia, por Yi estar ali e que ela estava louca de fazer isso. Então, a sacerdotisa começou:
- Mais um ano e mais uma Cerimônia do Robe. Estas jovens moças passaram o último ano construindo este objeto, que é representação da força de um casamento. É um presente aos seus futuros maridos, que as irão escolher com base no quanto se dedicaram em fazê-lo e é assim que se dedicarão ao casamento vindouro. Jovens senhoritas, vamos fazer uma pequena oração e então, estendam seu robe a sua frente e os interessados olharam. Se ele lhe escolher, você deverá vesti-lo com o robe, simbolizando assim o compromisso assumido entre vocês.
A prece foi um pedido de proteção e o desejo ao que ali aconteceria. Agradecendo aos deuses as fortunas e as dificuldades que passavam em suas vidas, que nenhuma delas era em vão, que lhes traria algo a aprender, assim como o casamento também o era.
Então, as jovens estenderam os robes em seguida. Vários rapazes, incluindo Bao foram observar e escolher. Imediatamente, as moças mais ricas foram escolhidas pelos rapazes mais ricos. Talvez já fosse algo combinado entre as famílias, o robe era só a conclusão disto. Outras foram escolhidas. E os sorrisos e a alegria de vestir o robe em seu futuro marido era algo que não podia ser mensurado. O número de escolhas ia diminuindo e o Yi só se lembrava de que não tinha conseguido tirar a mancha de sangue completamente, restando um pouco de pigmento quase imperceptível, talvez que só ela visse, pois ela soubera a mancha que esteve ali.
Até que restou só uma! Era Hyuang Yi. Parada. De braços estendidos. Segurando com robe feito com as medidas de seu pai. Não havia mais pretendentes. O que ela mais temia aconteceu: Ninguém a queria como esposa! Ela sabia deste fato há muito, mas constatá-lo, diante e toda a aldeia era algo lastimável e vergonhoso. Era uma humilhação do pior tipo, até mesmo das inúmeras que já sofrera. Sentiu o fundo de seus olhos arderem e uma vontade de sair correndo dali e chorar copiosamente, abraçada no fruto do seu fracasso. E talvez, nunca mais voltar àquela vila, vivendo isolada no topo de uma montanha se possível.
Porém, todos se alarmaram, pois viram um homem se aproximar. Ele trajava belas roupas. As roupas de um nobre, mas tinha algo mais, ele vinha com sua armadura de bronze, que reluzia com a luz do sol de meio-dia.
- Quem é ele? Quem é esse homem? – começou o burburinho
Ele estava com seu rosto escondido por trás do elmo e uma máscara, que lembrava uma criatura demoníaca. Ele retirou ambos e as moças daquele dia do mercado se assustaram.
- É o forasteiro. Ele é um nobre? – disse uma
- Ele vai mesmo escolher a Hyuang Yi? – falou outra
Yi não podia se virar para ver quem vinha, uma das regras era se mexer apenas quando falassem e lhe escolhessem.
Shen Wei caminhou e parou diante dela, sorrindo.
- Parece que só sobrou a senhorita. – comentou irônico – Era justamente a que eu queria.
Ela sorriu em resposta. Wei retirou a parte de cima da armadura para que o robe coubesse sem problemas. Todos os outros olhavam perplexos e sem entender nada.
- Sacerdotisa? – a moça que sempre a acompanhava perguntou – Um forasteiro pode escolher uma pretendente? Eu nunca vi nada disso nos livros que estudei.
- É porque nunca aconteceu. Mas, o que diz é que ele precisa aceitar o presente da moça, independente de quem ele seja ou de onde venha.
- Por que eu? – questinou Yi a Wei
- Eu já aceitei o seu presente, mas não foi um robe. – ele retirou algo da cintura – Foi esta adaga. Mas, como gostei do robe, ficarei com ele também.
- A gente mal se conhece.
- Eu já te conheço o suficiente para isso. Não é qualquer Dama que é delicada e faz um belo robe de seda como esse e ao mesmo tempo faz uma adaga tão bonita.
- Pena que não sei fazer armaduras, general. Mas acho que não conseguiria fazer algo tão nobre quanto este cobre. – disse rindo – Quer dizer então que...
- Sim, você é minha noiva, Hyuang Yi.
- E você é meu noivo, Shen Wei. Ou melhor, qual seu título além de general?
- Eu sou apenas o quarto irmão.
- Quarto irmão da linha de sucessão. – completou Hyuang Bao
- O Quarto Príncipe está entre nós. – falou a sacerdotisa
E todos se curvaram diante dele. Até Hyuang Yi.
- Não, Yi. Levante-se.
***
Alguns meses se passaram e no palácio do imperador acontecia do casamento entre Hyuang Yi e Shen Wei, o quarto irmão. Ele trajava o robe que aceitou de presente na Cerimônia do Robe e a jovem vestia a roupa de casamento da mãe.

E assim, a Dama e o Forasteiro finalmente se casaram!
Copyright © Contos Anê Blog. All Rights Reserved.
Blogger Template by The October Studio