sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Etéreo Re:Contato - 12 Meses com Minorin: Dezembro

 

“S.I.G.N.A.L S.I.G.N.A.L

S.E.R.I.A.L S.I.G.N.A.L

(...)

Sua nebulosa está ocupada

Se você vier a mim

Não precisamos de nenhuma hesitação, vamos andar na luz

Voe comigo para sua mente

estou voando juntos

(...)

Porque é natural se sentir atraído por coisas que não podem ser medidas com precisão

O significado científico não tem sentido Seriamente não é sério

E inesperadamente, quero medir ○ com precisão

sentimentos”

(Contact - Minori Chihara)


***


Lancei a bolsa no sofá, me jogando nele logo em seguida. Mais uma semana de trabalho chegou ao fim e essa foi uma das piores, com certeza.

Eu sempre fiquei me perguntando em que momento da minha vida os meus grandes sonhos e objetivos foram simplesmente sugados pelas responsabilidades e problemas da vida adulta.

Vivia um dia de cada vez, uma semana de cada vez, um mês de cada vez, um ano de cada vez. Sempre sobrevivendo até as próximas férias! Desde que terminei o ensino médio, minha vida seguia assim: empurrando com a barriga.

Não entrei na faculdade que eu queria, entrei na que consegui. Não conquistei o emprego dos sonhos, peguei o que apareceu, ainda mais na conjuntura de ter que pagar as contas.

A melhor coisa disso tudo? (Se é que tinha uma parte boa, né?) Foi que eu finalmente conseguira a independência que eu sempre almejei… Ao custo da minha alma, mas pelo menos foi!

Fiquei estirada no sofá por alguns minutos, mexendo distraída em meu celular, olhando alguma rede social repleta de sorrisos, felicidade, filtros que escondem imperfeições e gente falsa. Por que a gente gasta tempo com isso né? Mas, o tédio e a preguiça sempre acabam maiores e fazemos essas pequenas escolhas que consomem horas do nosso dia de maneira inútil.

Resolvi ir tomar um banho e colocar a roupa que deveria ter ido para o lixo tem uns dez anos, mas se tornou uma roupa de casa super confortável e bom, ela não estava com buracos, então ainda tinha licença para usar. Era apenas um shortinho e uma regata, bem fresquinhas para suportar esse calor que vem por aqui na maior parte do ano.

Peguei uma das marmitas na geladeira, coloquei um tempo no micro-ondas para esquentar e escolhi algo para ver enquanto me alimentava. É uma série antiga que eu gosto muito e é sempre um conforto deixar um episódio rolando!

Comi distraída e entretida com os personagens e cenas que eu já conhecia bem. Lavei a louça que sujei e decidi ir para meu quarto para fazer qualquer outra coisa. Claro que eu fiquei mais um tempo olhando alguma rede social no celular, até que fui acometida pela nostalgia que afetava meus dias naquele período.

Estava chegando perto a data da reunião do meu grupo do terceiro ano e eu fui convidada, mas ainda estava refletindo se queria ir, ou melhor, qual a desculpa que daria para não ir. Porque sinceramente, eu via muitas destas pessoas quando ficava descendo a linha de tempo infinita e sei que muitos deles estavam em ótimos momentos de suas vidas e não queria ter isso mais esfregado na cara do que já era! Não queria ter que ir para esta reunião para relembrar a minha mediocridade! Não tinha a mínima necessidade!

Fui tirada do meu pequeno devaneio indignado, pois alguém, em pleno século XXI, estava me ligando… Pasmem! É a minha melhor amiga, da época de escola, que também ia nesta bendita reunião e do jeito que ela é, como já conheço, ia tentar me convencer a ir.

Deixei o celular tocando e fingi que nem era comigo. Mas, é claro, que ela insistiu! Ligou mais umas três vezes, até que eu atendi irritada e quase deixei escapar um bufo.

- Oi, Rafa, o que foi?

- Isso é jeito de cumprimentar sua amiga, hein, Lara?

- Porque eu já sei exatamente o motivo desta ligação e você sabe muito bem que não quero ir.

- Mas todo mundo vai! Vamos reencontrar o pessoal e relembrar os velhos e bons tempos.

- Bons tempos? Só se forem para eles, né?

- Não seja tão dramática! A escola foi tão ruim assim?

- Foi! Até hoje lido com as questões na terapia.

- Não esqueça que você está me devendo uma. - ela fez chantagem

- Ai, Rafaela. Você é terrível! - e era verdade e eu odiava ficar devendo - Olha só, eu não queria mesmo ir, mas por consideração a você… Farei um esforço!

- Oba! - comemorou - Passo na sua casa no dia para escolhermos a sua melhor roupa.

- Está bem, amiga! Até o final de semana!

- Até!

E desligamos. É complicado como a minha melhor amiga tem este incrível poder de me arrastar para coisas que não quero, só por consideração a ela. Por conta disso, agora seria arrastada para esta confraternização xoxa de adultos nostálgicos que um dia foram adolescentes do terceirão. Eu só queria morrer, ou melhor, que acontecesse um motivo para eu não ter que ir. Só que isto não seria possível!


***


Poucos dias depois da ligação, era a data oficial da reunião de reencontro dos alunos do ensino médio do Colégio Espiral. Com o visual que Rafaela me auxiliou a escolher, dirigi-me até o local marcado, tremendo nas bases.

O salão de festas escolhido era bem grande e bastante simples, daqueles usados em aniversários de criança, onde é mais o espaço do que a beleza em si.

Apesar do horário que cheguei, o local já estava bem cheio, pois todos os convidados trouxeram junto para a festividade as suas famílias, porque é impossível que a antiga turma de 40 alunos ocupasse um salão daquele tamanho praticamente sozinho.

Olhei em volta, à procura de um rosto conhecido, encontrando o de minha amiga, que estava sentada em uma mesa com outros amigos nossos, que até falo periodicamente. Caminhei até eles, torcendo para que houvesse um lugar sobrando ali e eu não tivesse que me sentar junto com pessoas que eu não gostava quinze anos atrás e que, com certeza,  isso não tinha mudado. Assim que me viu, Rafa abre um sorriso enorme e até interrompe a conversa para me cumprimentar.

- Lara, que bom que veio. - me abraçou

Da mesma forma que ela, os outros me dão as boas-vindas, que são: Aline, Larissa e Bruno. Nós cinco éramos o grupinho no colégio, estudando juntos durante todo o ensino médio, ou seja, tem muita história para contar nessa época que envolve justamente nós cinco.

- Senta e fica a vontade. - disse Bruno

- Lá naquela mesa têm os comes e bebes, pode ir lá e se servir! - completou Aline

- Só não volta com uma montanha no prato, assim como fez o Lucas! - acrescentou Larissa, se referindo ao aluno que mais perturbava as aulas nesse período.

- Ele tinha uma quedinha por você né, Lara? - jogou na roda Rafa

- Tinha? - realmente não sabia

- Cara, tu é desligada mesmo né? Toda sala, talvez a escola toda, sabia. - protestou Bruno - Ele não fazia questão nenhuma de esconder.

- Pena que ele sempre foi muito tímido e nunca tomou uma iniciativa, ficou por isso mesmo. - falou Aline

Depois do pequeno diálogo expondo um ex-crush, procurei a figura citada na multidão, encontrando-o conversando com os seus amigos de colégio na maior algazarra. Confesso que achava ele bonito na época em que estudamos juntos, só nunca me aproximei pois tínhamos os gostos opostos. Mas, olhando para ele, a evolução do gato era perceptível! Uma barba bem aparada, o cabelo longo preso num rabo de cabelo e com uma roupa bem melhor do que as camisas de banda e as calças rasgadas que ele usava. Nada contra esse tipo de roupa, mas realmente dava uma denunciada na idade, ou melhor, na maturidade de quem usa.

Enquanto meus amigos continuavam com a conversa deles, levantei para ir me servir, porque eu não comi nada de propósito para me empanzinar de graça aqui e quem sabe, até levar algo para comer em casa nos dias seguintes. Havia tudo de variados tipos, o que para mim foi um deleite, já que como de tudo. De forma modesta, fui enchendo o meu prato, pegando um pouco de cada coisa, só para experimentar e num round 2, ia repetir com aquilo que mais gostasse.

Estava distraída fazendo isto, quando me assustei sentindo uma mão tocar em minhas costas. Um arrepio percorreu minha lombar aos ombros e me virei para ver quem é, que era nada mais nada menos que Lucas.

- Lara, quanto tempo! - falou a frase mais clichê de todos - E então, como tem passado? O que tem feito da vida?

- Bom te ver, Lucas. Tenho trabalhado bastante, é um período cheio para minha profissão.

- E o que faz? - eu odiava esta pergunta

- Eu sou designer, trabalho numa editora. Monto capas de livros, de revistas, essas coisas.

- Nossa, interessante! - disse num tom leve - E bem a sua cara, lembro o quanto gostava de desenhar na escola.

- É verdade! - sorri - Faz tempo que não desenho só por diversão. - mudei de assunto em seguida - E você, o que tem feito?

- Fiz faculdade de jornalismo. Comecei recentemente a trabalhar num jornal daqui da cidade.

- Olha, que legal! Meus parabéns! - falei sincera

- Bom, pelo menos as coisas estão se ajeitando agora… - ele soltou

- Como assim? - fiz careta

- Ah, Lara, para chegar no agora passei por muita coisa. Não foi um caminho fácil!

- Nem para mim! - compartilhei - Mas as peças ainda vão se encaixar.

- Espero que seja verdade. - sorri ele - Bom, não vou te incomodar mais, vá lá comer. Se quiser conversar depois…

- Claro! - respondi numa naturalidade incomum

Retornei à mesa, levando meu prato em mãos. E obviamente que a cena do meu diálogo foi observada de camarote pelo meu grupinho, que fez todas as caretas imagináveis assim que pude diferenciar no campo de visão.

- O que estava conversando com o Lucas? - Rafaela puxou

- Falamos de como estavam as coisas. Estudos, trabalho, …

- Nem assim ele dá uma investida. - reclamou Bruno

- Talvez ele esteja comprometido ou não queria mais. - falou Larissa

- Mas que bom que conversaram. - completou Aline

O assunto morreu ali e eu continuei interagindo com meus amigos e comendo. O papo estava ótimo e estávamos morrendo de rir contando as nossas histórias de trabalho, de faculdade, da vida amorosa falida, até que fomos interrompidos por uma microfonia e uma voz saída de uma caixa de som. Quem falava era Gabrielly, a famosa aluna exemplar e patricinha da nossa classe. Ela começou:

- Boa noite a todos os presentes. Que bom que estão aproveitando para colocar a conversa em dia, mas chegou a hora da nossa dinâmica!

Um burburinho se instalou no local, porque ninguém sabia sobre nada disso e com certeza era tudo o que a gente menos queria, ainda mais numa sexta à noite.

- Primeiro, todos os alunos da sala venham até aqui no centro. - disse apontando para o espaço vazio diante dela - Vou explicar como vai funcionar! E claro, os convidados permaneçam sentados para assistir de camarote.

Todos saíram de seus lugares e se embolando no meio, esperando mais instruções. Só que isto não prometia ser mera simples brincadeira agradável.

- Agora se dividam em duplas. Em 3, 2, 1…

No segundo seguinte, todos já estavam de braços dados e eu fiquei sobrando, assim como na escola. Até a minha melhor amiga me traiu, dando o braço para outro do grupinho e os dois fizeram outra dupla. E bem, outra pessoa tinha sobrado, que era Lucas, para a minha imensa alegria por conta da ironia.

Ele se aproximou de mim e só falou:

- Bom, seremos nós dois, como nos velhos tempos.

- Sim! - mantive os braços cruzados

Sempre que acontecia de ser algum trabalho em dupla, acabava sobrando em algumas delas, já que tínhamos o sistema de rodízio para tal no grupinho. Ou só mesmo quando os professores queriam separar os amigos e integrar mais a turma - o que era sempre uma péssima ideia - acabava como dupla do Lucas.

- Bom, agora que estão devidamente divididos, vou explicar como vai funcionar. Teremos uma gincana, bem simples, de perguntas e respostas sobre assuntos gerais e sobre a época do colégio, para ver que é que se lembra das coisas. Perguntas elaboradas por euzinha. - tratou ela de explicar e se vangloriar

- Isso vai ser incrivelmente divertido! - ironizei, fazendo minha dupla rir

- Já vejo que tem gente que está de cara emburrada, não é mesmo, Lara?

E todos os olhares da festa se voltaram para mim, a pessoa que não queria participar de um brincadeira inocente e nostálgica da época de escola. Mas, eu pressentia exatamente por que caminho aquilo iria levar. Os mesmos olhos julgadores já estavam virados para mim, como era antes, quando tinha meus quinze para dezesseis anos. E eu tinha que reverter aquilo ou eu seria o alvo de novo.

- Não! - falei tentando transparecer animação - Eu disse que vai ser muito divertido! - sorri, levantando os braços

Por sorte, minha atuação ridícula funcionou e todos aplaudiram. Menos mal para mim! Só que a vontade de ir embora e sumir dali era enorme.

A nossa recreadora pediu que nos organizássemos em duas fileiras, uma de frente para outra, um membro da dupla de um lado e o outro do posterior. E assim, as duplas podiam se comunicar apenas por leitura labial. Ao fazer uma pergunta, se alguém soubesse dava um longo passo para frente e respondia.

Foram várias perguntas sobre acontecimentos, matérias, professores, alunos de classes mais velhas com relação a nossa, sobre festas e diversas outras coisas. Estava todo mundo se divertindo e rindo com as lembranças. A dupla que estava ganhando era uma dos famosinhos da sala, que estavam em todas mesmo.

Depois de muito tempo da gincana, finalmente era hora da última pergunta. Deu para ver a Gabrielly tendo um tremilique de empolgação, pois parecia que era a pergunta que ela mais queria fazer.

- Quem era que tinha como apelido “quatro olhos esquisita” na nossa classe? E quem deu este apelido a ela? Valendo!

- Ah, essa é fácil. - um da dupla já praticamente vencedora - É a Lara, porque ela usava um óculos fundo de garrafa e quem deu o apelido foi você, oras.

- Resposta correta! Meus parabéns, vocês são a dupla vencedora.

Muitos aplausos se seguiram! E eu não poderia estar mais chateada, pois foi a única pergunta realmente depreciativa de toda a gincana. Ela quem me deu o apelido e fez questão de lembrar dele, desenterrando de um confim da minha mente de onde não queria que saísse. Por que ela fez isso? Ela fazia isso sempre, desde aquela época e pelo visto nunca iria parar.

E aquele foi o meu limite, então eu decidi que era hora de ir para casa. Na verdade, eu nem devia ter ido para começar!

Sai do meio do grupo e fui à mesa para pegar a minha bolsa e só sumir dali. Fui seguida pelo Lucas que me puxou pelo braço.

- Não deixe isso te afetar, é o que ela quer!

- Amiga, - veio Rafa - não vá embora!

- E por que eu deveria ficar? Por que eu deveria ter vindo?

- Não vai fazer drama com isso vai? Já passou! É só uma brincadeira! - disse Aline, se aproximando

- Toda vez que acontecia era só uma brincadeira né? Eu que devia levar na esportiva. - respirei fundo - Olha, eu não quero estragar a noite super divertida de vocês. Mas eu nunca me senti parte desta turma e não vai ser agora que eu serei. Ficou bem claro com essa última pergunta!

- Ora, ora, ficou com raiva, Larinha? - a bendita fez questão de anunciar na porcaria do microfone

- E se eu disser que fiquei? Vocês vão todos rir!

- Não seja tão infantil! Isso já tem quantos anos? - ironizou

- Para você é só uma piadinha engraçada né? É aquele ditado: quem bate esquece, mas quem apanha não esquece nunca.

- Como sempre dramática! - falou outro do grupinho dela

- E vocês, sem noção! Eu estou indo embora! - declarei

A minha saída foi regada por comentários que meu eu adolescente estava acostumado a ouvir. Lucas ainda veio atrás de mim, me abordando:

- Como vai fazer para ir embora? Tem carro?

- Ia chamar um táxi.

- Não precisa! Eu te dou uma carona. Também não quero mais ficar aqui.

- Tudo bem! Obrigada.

Então, entramos no carro e eu fui guiando pelo caminho enquanto conversávamos.

- A Rafaela que te convenceu a ir? Nunca achei que você fosse aparecer.

- Sim! Por mim, eu nem ia!

- Sinceramente, eu também não. Assim que soube que organizadora era a Gabrielly.

- Achei ridículo que ela fez uma pergunta no quiz só para… - bufei - Se bem que a minha atitude não foi muito melhor.

- Você está com raiva, é bem compreensível! Os outros que não te deram o direito de ter essa raiva. - ele explicou - Se tivessem deixado só ir embora…

- Mas a Gabrielly não perde a chance de me provocar!

- Ela não perde a chance de fazer isso com ninguém! - ele ficou quieto, como se tivesse receio do que ia falar - Tinha que ver a cara que ela fez quando soube que estava na festa.

- Eu imagino como ela transbordou de alegria. Por que ela é assim?

- Não tem como saber. Mas, eu também era vítima dela… Bom, até você aparecer e virar alvo favorito.

- Sério? Você nunca me contou isto.

- Na época eu fiquei tão feliz que voltei de ser invisível de novo, mas fiquei triste por você.

- Ela me escolheu no primeiro dia de aula, né?!

- Foi! Daí que nasceu o “quatro olhos esquisita”. Ela nunca foi muito criativa com os apelidos, o meu era “vara de catar coquinho”.

E eu gargalhei, porque era ridículo!

- Pelo menos o seu é engraçado, de certa forma. O meu é totalmente depreciativo!

- Mas você não é mais aquela pessoa, a começar pelos óculos.

- Ah, eu uso lente agora, justamente por causa disso.

- E de onde veio o esquisita? Sempre quis saber.

- Imagino que seja porque ela viu os meus desenhos na aula.

- Entendi.

- Bem, eu moro aqui. - tínhamos parado na frente do meu prédio - Obrigada a carona.

- Sem problemas! Foi bom te ver!

- Igualmente!

Nos despedimos e eu subi para o meu apartamento, ainda sentindo novamente tudo o que eu senti em todas as vezes que todos me olhavam e riam de mim. A tristeza, a raiva, a culpa de ter algo errado comigo… Tudo junto e ao mesmo tempo! Veio uma ardência no fundo dos olhos, que era vontade de chorar.

Assim que abri a porta, fiz questão de fazer a única coisa que poderia me acalmar naquele momento: ouvir música. Peguei a playlist da minha artista favorita e coloquei para tocar, começando justamente pela primeira e minha favorita dela.

Eu me joguei no sofá e fui cantando a letra, com todas as minhas forças, enquanto meu rosto ficava molhado e a minha maquiagem ia se desmontando.

Quando ouvia certas músicas, sempre entrava em transe e ficava muito distraída, mas com certeza, o que iria acontecer não era fruto de uma distração e eu levaria ainda um tempo para entender.


***


A minha música favorita da minha artista favorita tocou e eu cantei como se a minha vida dependesse da minha performance. A música alta ecoava pela sala do apartamento, comigo deitada no chão no meu tapete felpudo e com os olhos fechados. Eu não senti nada de estranho, nada de diferente ou de anormal! Porém quando eu abri os olhos, percebi que não estava mais na minha sala, mas no meu antigo quarto, na casa dos meus pais. Aquele com diversos desenhos meus espalhados pelas paredes de cor lilás - a minha favorita -, a cama, o armário com diversos adesivos colados, a escrivaninha com um computador e todo o ambiente com um cheiro muito acolhedor e nostálgico. A mesma música - que é realmente da minha época de adolescência - tocava. Eu me levantei e fui me olhar no espelho e quase que eu caio para trás, porque eu vi o meu adolescente, com meus 14/15 anos. Toquei em meu próprio rosto, meio sem acreditar e era eu mesmo. Com minhas roupas largadas, algumas espinhas e os óculos com um grau forte.

Estava claro do lado de fora da janela!

Por que eu estou aqui? Isso é um sonho né? Só pode ser! Parei a música para pensar direito, mas fui interrompida por uma voz vinda de outro cômodo.

- Lara, filha, desça logo para tomar café. Não vai perder seu primeiro dia de aula na escola nova né?

Uma data! Preciso de uma para saber onde que eu estou. A tela de tubo do computador estava ligada, olhei no rodapé e encontrei a data de 11/02/2008. Era o primeiro dia de aula do ensino médio.

Por que eu estou aqui? Só pode ser um sonho mesmo, ainda mais depois do ocorrido na reunião da turma. Deve ser a minha mente relembrando as coisas, porque eu peguei no sono. Eu preciso acordar!

A minha mãe me gritou novamente e eu desci num sobressalto, encontrando o resto da minha família sentada me esperando.

- Já de manhã cedo ouvindo música nesta altura, filha. Faz mal! - disse mamãe

- Precisava relaxar para o primeiro dia. - respondi

- Ah, maninha, fica de boa. Vai dar tudo certo! O pessoal do colégio é bem legal! - incentivou meu irmão mais velho, Alberto

- É melhor irmos logo, antes que se atrasem. - papai desta vez - Só engole algo rápido e vamos partir. - completou olhando para mim

Engoli uma torrada e um copo de café com leite. Nos despedimos de mamãe e eu, meu irmão e meu pai subimos no carro. O trajeto não era tão longo, então logo chegamos a escola. Esta que era nova para mim, mas bastante conhecida para meu irmão. O famoso Colégio Espiral, o mais importante da região.

Eu recordava com muitos detalhes sobre este dia e sobre tantos outros que vivi neste lugar, acompanhada dos meus colegas de classe, que já ficou claro que tenho zero apreço. Não quero ter que reviver o horror nesta época.

Encontrei o mesmo pátio lotado de adolescentes, procurei no quadro posto na frente qual era a minha sala e eu segui pelos corredores até lá, com mais alunos e uma algazarra sem fim. Olhava todas as portas para logo achar a minha e estava bastante concentrada nisto, até que senti um encontrão num dos meus ombros, que me fez cair no chão, com mochila e tudo.

- Ei, olha por onde anda. - disse a voz que na época era só da menina nova Gabrielly - Não me viu aqui?

- Desculpa! - falei tímida - É que estou procurando a sala do 1º Ano B.

- Você é da mesma turma que eu? - desdenhou, me olhando de cima a baixo - Você se olhou no espelho antes de sair?

- Sim!

- Deve estar quebrado então. - e gargalhou, sendo seguida das amigas, que só tinha notado naquele momento

Ela seguiu o seu caminho e eu segui o meu. Logo entrei na sala e me acomodei numa das cadeiras disponíveis. Sem querer muita conversa, abri meu caderno de desenhos e comecei a rabiscar qualquer coisa para passar o tempo.

Então, veio uma pessoa falar comigo.

- Olá! Você é nova né? Nunca te vi por aqui.

- Sou sim! Meu nome é Lara..

- E eu sou a Rafaela. - olhou para meu caderno - O que está fazendo?

- Rascunhando para passar o tempo.

- Tem muitas coisas legais aí!

- Ah, obrigada!

- Já sei a quem pedir ajuda quando tiver algum trabalho assim. - ela sorriu, se sentando ao meu lado

Naquele momento que nascia a minha amizade com a Rafa, que depois foi aumentando para o resto do grupo.

Logo as outras carteiras da sala foram preenchidas por aqueles que seriam meus colegas de classe durante o ano e, obviamente, a Gabrielly estava dentre estes. Assim que me viu fez questão de vir me cumprimentar com deboche e falando para todo mundo como eram lindos os meus óculos com fundo de garrafa.

Foi daí que nasceu o apelido “quatro olhos esquisita”, porque eu tinha ido para o primeiro dia de aula com roupas desarrumadas - na visão deles - e não me parecia em nada com o padrão que eles esperam de um aluno daquela sala. Enfim, coisas de adolescente!

E eu revivi o resto daquele dia, com as aulas, os professores se apresentando, as primeiras dinâmicas de interação, tudo novo para a eu daquela idade, mas não para a mente velha que estava habitando naquele sonho.

Cada uma das memórias se mostrou à minha frente, com uma riqueza de detalhes impressionante e bom, isso não é um elogio. Tem coisas que são melhores que fiquem num fundo perdido e nunca mais venham a ver a luz. Este dia é um deles!

Se bem que o eu daquela época não sabia o quanto as coisas iam piorar com o tempo.

Voltei para casa animada e contei à minha mãe, durante o almoço, tudo o que aconteceu, sobre a escola nova, os colegas e até falei sobre a Gabrielly, disse que ela começou a falar de mim em sala. Mamãe simplesmente respondeu:

- Ora, filha, daqui a pouco ela esquece de você. E é coisa da idade né? Não tem nada demais!

Eu meio que acreditei e meio que não ao mesmo tempo. Parecia confuso, mas dentro de mim, sabia que aquela não seria a última vez e que ela não iria esquecer. Apesar de ser bem quieta, sempre fui bastante observadora e as minhas percepções sobre ela não eram boas.

Mas, aquilo era só um sonho né? Mas como que eu ia fazer para acordar? Revivi um dia inteiro e ainda não sai dele. Pelo que me lembro os sonhos não duram tanto assim!

Fui para meu quarto e fiz o mais esperado: me belisquei, bem forte. Um gemido de dor saiu da minha boca e eu continuava presa ali. Depois tentei outras coisas absurdas, como: me jogar da cama ou tentar correr. A queda foi feia, mas por sorte, uma muda de roupas protegeu a minha cabeça. E bom, a corrida aconteceu sem problemas.

Então, decidi tirar um cochilo, para ver se eu acordava na minha sala.

Realmente peguei no sono, porém despertei com a minha mãe me chamando para a próxima refeição.

Foi aí que comecei a pensar que talvez isto não fosse um sonho. Mas, afinal, o que era?


***


Fiquei presa dentro de uma rotina, igual a da minha adolescência. Indo para a escola, conversando com meus amigos, voltando para casa, pensando no que poderia fazer para voltar e aproveitando um pouco do tempo livre para desenhar algumas coisas. E bom, não tinha mudado muito do que eu tinha de memórias desta época, o que era péssimo , por que sinceramente quem quer reviver a adolescência?

Nesse meio tempo, eu tinha levantado algumas suposições sobre a minha situação, com um pouco de ajuda da internet, é claro. Pensei ser que estivesse presa em um coma e a minha mente estava trazendo aquelas coisas para se manter ativa, pensei que estivesse presa em sonho mesmo, mas como o tempo é relativo, talvez daqui um tempo acordasse na minha sala. E por último, e que para mim fez bastante sentido, que é: eu voltei no tempo!

E se fosse isso, de que maneira eu voltei? E com qual objetivo?

Bem clichê, mas eram muitas perguntas e nenhuma resposta. E tinha que continuar procurando, só esperava que não por tanto tempo.

Até tentei fazer algumas pesquisas na porca internet que tinha na minha casa, mas não fui muito além do que eu pensei sozinha. Então, tive que apelar para a biblioteca da escola, igual fazíamos naquela pré-história. Um dia após a aula, fui até lá e com ajuda da bibliotecária, que me olhou com uma cara muito esquisita quando disse o que procurava, fiquei com uma pilha de livros para consultar e um caderno para fazer algumas anotações.

Eu estava compenetrada com minha busca, quando fui surpreendida pelo meu colega de classe Lucas sentando ao meu lado. Lembrei dos meus amigos me falando que ele tinha um crush em mim, mas nessa época, como era ainda o início das aulas ele não devia sentir nada ainda. Ele perguntou:

- O que faz aqui na biblioteca? E com tantos livros assim…

- Estou procurando uma coisa. - tentei ser indiferente na minha resposta - É importante!

- O que poderia ser mais importante do que sair para tomar sorvete após a aula com seus novos amigos?

- É só um dia, eles irão entender.

- Amizades precisam ser mantidas, ainda mais nesta escola. - soltou - Mas, o que procura?

- Viagem no tempo!

- Não sabia que se interessava por esse tema.

- É complicado! Pior que todas as fontes indicam que o gatilho para viagem é algo físico, como uma máquina, um objeto, mecanismo. - desabafei frustrada

- Mas é isso mesmo! Precisa de algo físico para o retorno no tempo. - ele falou - Eu cheguei a colocar algo assim numa história.

- Você escreve? Que legal!

- Eu só tento! Não acho que seja muito bom.

- Já tentou compartilhar isto em algum lugar? Tem sites para isso.

- Nunca quis mostrar para ninguém, mas pode até ser legal. Você escreve também?

- Na verdade, eu mais desenho. - e resolvi mentir para ver se conseguia algo - Estou querendo escrever também, só num sei por onde.

- Explica a sua ideia, talvez possa ajudar.

- Bom, pensei em viagem no tempo, mas o gatilho para a viagem seria uma música.

- Música? Como assim?

- A pessoa escuta a música e volta no tempo.

- É meio sem sentido, na verdade. Depende de como vai trabalhar.

Se eu falar para ele que isto aconteceu comigo, vai achar que eu estou maluca. Então, resolvi emendar com outra questão:

- Mesmo que não tenha tanta lógica, como essa pessoa faria para voltar ao tempo original dela?

- Pelo mesmo caminho que veio. Neste caso, a música.

- Como eu não pensei nessa coisa óbvia?!

- A gente está tão imerso, às vezes, que nem enxerga.

- Obrigada! Você me ajudou muito, de verdade.

Depressa fechei aquela pilha de livros, peguei todos e levei até a mesa da bibliotecária. Depois peguei o meu material, deixando o meu colega com a cara mais perplexa do mundo, correndo para casa para testar a teoria. Era a única que talvez tivesse algum sentido.

Mal cumprimentei a minha mãe e corri para o quarto, ligando o computador e puxando o arquivo mp3 para que explodisse a caixa de som. Deitei-me no tapete do quarto e comecei a me entregar a música como sempre faço. Fechei os olhos, sentindo a música e uma esperança de que voltasse a minha vida adulta, longe daquela escola horrenda e traumatizante.

E da mesma maneira que antes, sem perceber, acabei transportada de volta à sala do meu apartamento. Abri os olhos e vi o meu espaço, parecia que tinham se passado poucos segundos. Procurei o meu celular e ainda era o dia da reunião. Tinham diversas notificações, marcações nas redes e mensagens dos meus amigos, perguntando como eu estava, se eu estava bem, que tinha ficado um puta climão na festa por minha culpa. Porém, uma mensagem me chamou atenção, era do Lucas me convidando para a sessão de lançamento e autógrafos do livro dele.

Mas antes ele não tinha comentado sobre nenhum livro. Será que a minha simples conversa com ele já tinha mudado alguma coisa no futuro?

Eu lembrava em filmes e séries que mexer com isso é muito perigoso, espero que essa seja a única mudança que aconteceu na minha passagem no passado. Bom, pelo menos a minha vida parece continuar a bagunça que ainda é!

Na mensagem dizia que ele tinha chamado boa parte da nossa classe, incluindo meus amigos, e ele queria muito que eu fosse. Respondi que iria sim, com prazer!

Eu estava animada de finalmente retornar ao meu tempo!


***


Combinei com meus amigos para nos encontrarmos mais tarde no local. Arrumei-me com uma roupa mais confortável, pois era um evento menos requintado, apenas um vestido simples, meus tênis e uma bolsa atravessada, como sempre. Pedi um carro no aplicativo e fui até lá, sendo uma das primeiras a chegar. Era um salão de eventos muito amplo e bem bonito. Lucas ficou muito feliz de me ver, saindo até de sua mesa de autógrafos para falar comigo.

- Estou muito feliz que veio, Lara. Sua amiga falou que era bem provável que você inventasse uma desculpa para não vir.

- Como eu quase fiz com o evento de ontem. - sorri - Isso eu não ia perder. É chique ter um ex-colega de escola escritor.

- Fiquei à vontade. Tem uns comes e bebes ali, só se servir. Logo o resto do pessoal chega.

- Obrigada!

Fui ver o que tinha de bom para comer e aproveitei para matar um pouco da minha fome, já que mal tinha almoçado direito. Aproveitei este meio tempo para comprar o livro dele. Não tardou muito para que o pessoal da festa de ontem aparecesse e qual não foi a surpresa de todos ao me verem ali. Meu grupinho logo se juntou a mim e enquanto esperávamos o anfitrião finalmente falar.

- Quem diria que ele fazia isso? - comentou Larissa

- Pois é, menino, eu nem sabia. - completou Rafa

- Eu sabia. Ele chegou a comentar comigo uma vez na biblioteca.

- Ah, aquele dia que você nos abandonou para procurar sei lá o que lá. - disse Bruno

- Foi só um dia, gente. - acrescentou Aline - Será que foi neste dia que ele se apaixonou por você?

- Como vocês são exagerados. - reclamei - E como disse, ele deve ter esquecido já.

- Uma pena que você nunca investiu na sua coisa de desenhar. Faz tão bem! - soltou Rafa

- Podia ter aproveitado tanto aquele concurso que teve na época do segundo ano. O ganhador saiu num site, no jornal… Como aquele desenho podre. - protestou Bruno

- Sabem que sempre tive vergonha de mostrar. - rebati

- Imagino que o Lucas também já teve… - respondeu Larissa

- Silêncio. Ele vai falar!

Lucas se dirigiu ao pequeno palco que tinha no local, que já estava lotado desde a minha chegada, e cumprimentou a todos, depois falando o seguinte:

- Hoje é uma noite muito especial, pois é o lançamento do meu livro e a realização de um sonho que eu tenho desde a adolescência. Muita coisa presente nesta história é inspirada na minha época como aluno do ensino médio. Vamos ver se vocês irão perceber as referências. Não quero me alongar muito, pois nunca fui muito de falar, mas não estaria aqui hoje sem ajuda e incentivo dos meus pais. E claro, algo bastante importante, que foi o pontapé inicial que a Lara me deu, num dia bastante comum na biblioteca do colégio, quando conversamos sobre viagem no tempo. Aquela conversa redefiniu o meu destino, pois ela disse que eu devia mostrar meus escritos aos outros. Uma pena que ninguém nunca viu os desenhos dela! - disse olhando para mim e eu não tinha onde me esconder - Espero que mude isso, pois pelo que me lembro eram muitos bons. No mais, vamos aos autógrafos!

Todos aplaudiram e ele se dirigiu à mesa para distribuir as assinaturas. Uma fila se formou e enquanto todos aguardavam, pude ver a Gabrielly comentando morrendo de rir sobre meu papelão na reunião da noite anterior e como eu tinha coragem de aparecer num evento com todo mundo no dia seguinte. Bem, para ela era o dia seguinte, já para mim o ocorrido da festa tinham já diversos dias. Mas, eu não ia cair na dela de novo. No reencontro eu escorreguei pela falta de costume, pois as feridas que ela abriu em mim tinham se cicatrizado e ela reabriu, mas não ia acontecer de novo. O período que estive no passado fez com que eu criasse novamente todas as minhas proteções.

Logo chegou a minha vez na fila e ele abriu um sorriso enorme ao me ver novamente:

- Eu estou realmente feliz que veio.

- Imagine. Eu nem sabia que era uma inspiração para você!

- Você me deu o incentivo que precisava para começar. - respondeu enquanto rabiscava a primeira página - Se não fosse isso, ia ter para sempre meus livros na gaveta. E desculpa aquilo que falei lá em cima.

- Dos meus desenhos? Não precisa!

- Refiro-me a nunca ter mostrado seus desenhos. Mas, é verdade que eles eram ótimos.

- Se você diz, quem sou eu para contrariar.

- Muita gente da nossa sala achou que você ia se inscrever no concurso de desenho. Todo mundo achava que você ganharia se participasse.

- Não tem como saber.

- Só voltando no tempo.. - ele piscou - Aliás, você nunca escreveu aquela história, não é? - devolveu o livro

- Não! - disse cabisbaixa

- Já sabe, se precisar de alguma ajuda.

- Pode deixar. Eu entro em contato! - sorri e me despedi dele

Não tinha muito mais o que fazer ali, então falei com meus amigos e rumei de volta para meu apartamento, do mesmo jeito que vim.

No caminho, distraída olhando pela janela as luzes noturnas, fiquei pensando sobre o ocorrido da noite e em como uma simples conversa mudou tanta coisa. E se eu voltasse ao passado e mexesse alguns pauzinhos para que a minha vida melhorasse? Esse concurso de desenho pode ser um bom ponto de partida.

Mas, será que vou conseguir voltar no tempo de novo? Fico pensando que foi uma mera sorte maluca e que se contar para alguém vão me levar pra um hospício.

Porém, não custa tentar né? Cheguei em casa, liguei o som e coloquei a mesma música. A batida e vibração do som foi atingindo meus ouvidos e minha boca cantava a canção. Joguei-me no sofá e fechei os olhos, ironicamente esperando voltar para uma das piores épocas da minha vida.

A música terminou, abri meus olhos e vi que tinha retornado ao quarto com paredes lilases.


***


Parecia ser de manhã, então fui olhar que dia era no computador, que eu sempre acabava deixando ligado por usar até muito tarde, e vi que a data era de mais de um ano depois da última vez que voltara, exatamente 02/06/2009. Será que eu parei exatamente onde eu tinha pensado? No dia do anúncio do concurso de ilustração da escola? Só indo para o colégio para descobrir!

Eu me olhei no espelho de novo e me vi um ano mais velha, o que na fase de adolescência é bastante coisa, pois eu já era alguém completamente diferente. Com meu corpo já bem mais definido e um pouco mais alta.

A voz da minha mãe me gritou e eu corri para tomar café da manhã. O resto da família estava sentado à mesa e o meu eu viajante não pôde deixar de esconder a empolgação de talvez melhorar um pouquinho o meu futuro se tivesse vindo no dia certo. Tanto que a até a minha mãe falou:

- Filha, qual o motivo de tanta empolgação?

- Sentindo uma coisa boa vindo. - respondi

- Isso é estranho, ainda mais você sendo tão pessimista e odiar tanto a escola. - declarou Alberto

Desfrutamos do resto da refeição na mais perfeita paz e fomos com meu pai para o colégio. Bem, eram os mesmos rostos que eu tinha visto nos dias anteriores, mas alguns deles mais velhos que outros. Imagino que o Lucas já esteja publicando as coisas dele em algum site de fanfic, depois quero dar uma conferida. Se bem que vai ser difícil, pois é bem provável que ele esteja usando um pseudônimo.

A escola estava com seu pátio lotado e agitado, como sempre era. Porém, neste dia em específico havia uma concentração de pessoas em alguns dos murais. Minha curiosidade me fez ir lá para olhar e qual não foi a minha surpresa ao ver escrito em letras bem grandes: “1º Concurso de Ilustrações do Colégio Espiral”

Minha volta no tempo tinha sido certeira, era a minha chance de tentar participar, fazendo o mais prudente desta vez, porque a minha eu adolescente morria de vergonha. O tema era, ironicamente, como “você enxerga o mundo daqui 50 anos”.

No meu caminho para a sala de aula, fui pensando nas primeiras ideias para o meu desenho. E olha, era difícil imaginar algo num futuro tão distante. Podiam ter colocado pelo menos uns 15 anos, aí era mais fácil de eu criar apenas algo realista.

E bom, o tal concurso era o assunto do dia na minha turma, agora do 2º Ano do Ensino Médio. Muitos ficaram animados pois era uma proposta legal do colégio, já outros não curtiram muito. E bem, tinham os meus amigos, que assim que me viram falaram:

- Viu que tem um concurso de desenho rolando na escola? - Rafa primeiro

- Eu vi! - sorri

- Você vai participar né?! - indagou Larissa

- Eu ainda estou pensando. - declarei

- Ah, mas você tem que participar, Lara. - implorou Bruno

- Estou pensando na ideia que farei, não é um tema fácil.

Só faltou o meu grupo pular em cima de mim com a animação. E essa animação era um ótimo incentivo, mesmo se não ganhasse poderia mudar e muito lá na frente.

- Opa, - era Lucas - vai participar do concurso?

- Vou sim! Apesar de nervosa. - essa parte não era mentira

- Você vai ganhar, com certeza. - ele sorriu

- Ah, Lucas, - sussurrei - você coloca suas histórias em algum lugar?

- Claro! Achei uns sites maneiros depois da nossa conversa no ano passado.

- É muita intromissão que leia? Pode me dizer onde encontrar?

- Sem problemas. O nome é… Idade da Inocência.

- Vou procurar e depois digo o que achei.

- Aguardarei ansioso! - ficou um pouco vermelho

Assim que ele se afastou, Rafa e o resto do grupo começou a brincar.

- Que casal mais lindo!

- Casal? Ele é só meu colega.

- Não se faça de sonsa, ele gosta de você.

Ah, é verdade, tem esse detalhe que eu me esqueci completamente. Será que essas pequenas conversas acabaram acendendo indiretamente alguma esperança nele. Eu não queria iludir o pobre e jovem Lucas.

O dia de aula transcorreu normalmente e depois eu fui ver quais eram as outras pequenas regras para participar do concurso e pessoalmente uma me incomodou: o vencedor seria escolhido por votação popular, com a escola inteira. Acho que foi por isso que a minha eu adolescente desistiu de participar, porque era bem óbvio que meu desenho não seria o ganhador, vide o já histórico meu no colégio. Tentei tirar isso da cabeça e seguir em frente, porque eu queria fazer algo diferente, sonhando com algo melhor em meu futuro.

No caminho de volta para casa, acabei tendo uma ideia para brincar com essa temática. Resolvi criar algo sobre viagem no tempo e também procedimentos que deixassem as pessoas com aparência mais jovens. Talvez alguns achassem loucura, mas era a minha visão sobre isto.

Cheguei em casa animada, indo para meu quarto, já pegando um papel e começando os primeiros esboços. Fazia muito tempo que eu não ficava tão empolgada com uma ideia de desenho. É tão fácil quando somos mais novos e sem preocupações! Ainda acredito que boa parte das minhas melhores inspirações foram justamente nesta época e da faculdade, porque eu tinha tanta coisa guardada e rabiscar sempre foi meu meio de colocar para fora. E claro que eu sempre desenhava ouvindo música, como a maioria das minhas atividades.

Eu estava tão absorta e concentrada em meu desenho que minha mãe me chamou e eu sequer ouvi, apenas percebendo quando ela apareceu na porta do quarto, pronta para me dar um esporro daqueles, mas quando notou, apenas disse:

- Venha logo almoçar, depois continua seu desenho.

Mesmo tomando um susto ao vê-la, assenti e a segui para a sala de jantar. Meu pai comia no trabalho, então éramos só eu, ela e meu irmão. Sentei-me à mesa e começamos a nos servir, então minha mãe puxou o assunto:

- Que desenho é esse que te deixou tão distraída, filha?

- É para o concurso do colégio!

- Poxa, que legal que vai participar. - sorriu Alberto

- Vou tentar, mas o vencedor será por voto. - fiquei um cadinho cabisbaixa

- Sim! Mas, todas as ilustrações dos finalistas ficarão exibidas no mural para a votação. Então realmente irão escolher o melhor!

- Ainda acho pouco provável que seja eu! - rebati

- Filha, não seja pessimista. Tente! Se ganhar, ótimo; senão, paciência e se tenta novamente.

- É verdade, mãe! E eu fiquei tão empolgada com minha ideia.

- Vai dar certo, irmã. - ele me incentivou

Uma coisa da minha família não posso reclamar, eles sempre acreditaram tanto nos meus sonhos quanto nos do meu irmão, sempre estimulando para fazermos o que queríamos.

Assim que terminei de almoçar, retornei ao meu quarto e prossegui com o desenho. Fui criando-o no decorrer daquela semana, primeiro com os esboços, depois definindo os traços, depois colorindo. O que surgiu foi um cenário praticamente digno de um filme de ficção científica de tão elaborado que ficou. Eu espero que gostem e que entendam a proposta do desenho.

Não o mostrei para ninguém, já que não queria influenciar quem era próximo a votar em mim! Até porque outro detalhe, bem interessante que a escola colocou, é que os desenhos não teriam seus autores revelados durante a votação, somente no dia do resultado.

Coloquei o envelope com a ilustração no local destinado na secretaria e torci pelo melhor.


***


Alguns dias se passaram e ao chegar na escola todo mundo ficou bastante animado, pois os desenhos participantes do concurso estavam expostos. Eles ficariam ali por alguns dias até que a votação oficial ocorresse e o vencedor fosse decidido.

Confesso que estava bastante nervosa e ansiosa e mais um monte de coisa junta. Vi sim o meu desenho no meio de tantos outros, tão bons ou até melhores do que o meu. Estava distraída olhando-os, meu grupinho se aproximou e eles me cumprimentaram e minha amiga falou:

- Você se inscreveu mesmo?

- Sim! Meu desenho está exposto aqui.

- E qual é ele? Eu quero votar em você. - disse Bruno

- Não vou dizer.

- E por que não? - indagou Aline

- Lembra que o concurso é anônimo? Se todo mundo que estiver participando falar qual é o seu desenho, a ideia do concurso não funciona.

- E de onde você tirou isso? Não tem nas regras! - falou Larissa

- Isso é ridículo! Nós queremos apoiar você, só diga qual que é. - pediu Rafaela

- Se vocês me conhecem, não preciso nem dizer qual é.

Eles perderam a paciência com a minha ladainha, mas eu pensei que a minha ação fosse a mais justa. Realmente não existia nada nas regras, porém, eu entendi a proposta da escola, pois eles queriam que as pessoas escolhessem pelo próprio desenho e não por quem o fez. Pois, se houvesse o nome, o aluno mais popular ganharia. Mas, com certeza, algumas pessoas que estão participando revelaram quais são as suas criações. Eu só não quis contar qual é era o meu, talvez ainda por vergonha.

Então, mais uma pessoa veio falar comigo, Lucas.

- Observando as ilustrações dos adversários?

- Sim! Tem muita coisa boa… Acho que vai ser difícil escolher.

- Vai ser interessante, na verdade.

- Interessante? Por quê?

- Os desenhos tem ideias bem diferentes uns dos outros. E bom, sem querer ser nojento, mas eu descobri qual é o seu.

- Como?

- Viagem no tempo.

Eu gelei. Em filmes e séries, sempre acontece aquele medo de alguém saber que você é do futuro e não daquele tempo e acabar caindo num paradoxo ou algo do gênero. Eu fiquei sem reação, olhando para ele, tentando ver algum sinal do que pensara. Mas, ai, ele soltou:

- A nossa conversa no ano passado, daquela sua história.

- Ah sim! - respirei aliviada - Por favor, só não fala para ninguém que é o meu.

- Por que eu falaria? - ele sorriu - Boa sorte, Lara.

- Obrigada!

E a partir daí, houve mais um pulo de alguns dias, finalmente chegando o dia da votação, onde várias urnas foram deixadas espalhadas pela escola para que os alunos depositassem seus votos em pequenos pedaços de papel - tal qual neandertais. A contagem seria feita e o resultado divulgado já na manhã seguinte. E sinceramente, eu mal dormi nessa noite de tanto nervosismo.

Eu acordei, mal tomei café e assim que chegamos na escola, os alunos foram chamados para o auditório para acabar com essa angústia. Todos entraram e se sentaram, logo aparecendo o diretor do colégio, que falou um monte de bla bla bla que eu não lembro, porque eu não conseguia sair de dentro dos meus pensamentos direito. Eu apenas olhava para o palco e via o diretor e alguns professores falando em seus microfones. A única coisa que ouvi foi:

- E a vencedora do nosso concurso, com 1811 votos é a aluna Lara, do 2º Ano B!

Eu tinha ouvi certo? Era meu nome mesmo?

Então, uma série de aplausos ecoaram no salão e nos meus ouvidos. Meus amigos me olhavam empolgados e sorrindo. Fui chamada ao palco para receber um troféu pelo prêmio e já naquele dia depois da aula ficaria para começar os preparativos para o resto: a reportagem, a foto no jornal, entre outras coisas.

Eu estava radiante e sorridente e feliz! Nós fomos dispensados para termos as aulas do dia. Meus colegas de classe me deram felicitações e disseram que votaram porque gostaram muito do desenho. Porém, teve uma pessoa que, como sempre, quis se colocar por cima.

- Meus parabéns, quatro olhos esquisita. Pelo menos esses seus desenhos servem para alguma coisa, mas imagino que a maioria votou por pena. Se soubessem que era você, ninguém teria votado. - soltou Gabrielly

- E sinceramente, quem gostou daquele desenho com uma pessoa cheia de agulhas no corpo? É nojento! - disse outro do grupo

E pronto! Eles simplesmente gargalharam. Era sempre assim, uma alfinetada e depois o riso. Eu já estava acostumada até demais, até a essa minha versão “voltada do tempo”. Tentei respirar fundo e não deixar aquilo me afetar. Por sorte, dessa vez, não foi a turma toda que riu com eles.

O dia de aulas correu normalmente naquele dia. Depois delas, o pessoal de um jornal local veio conversar comigo, fez algumas perguntas sobre minhas ideias no desenho, sobre minhas inspirações e outras coisas. Tirei também algumas fotos para o mesmo jornal. Um outro portal da internet também veio me ver, fazendo as mesmas coisas.

Foi bastante agitado, saí do colégio mais tarde do que o habitual, mas eu estava muito feliz!

Cheguei em casa e contei à minha mãe e pai a novidade, ou melhor, mostrei o meu prêmio, pois o meu irmão já tinha contado sobre.

- Ficou muito feliz por você, filha. - mamãe falou

- Meus parabéns! - sorriu meu pai

O jantar seguiu num clima bem agradável, logo depois fui a meu quarto e decidi que era hora de voltar para meu tempo de verdade. Coloquei a música e repeti o procedimento das outras vezes, me deixando levar pela música, fechando os olhos e sendo transportada para o meu, assim espero, novo futuro.


***


Abri meus olhos e tomei um susto, pois não era o meu apartamento. Pelo menos não o que eu me lembrava. Ele era bem maior, com uma sala ampla e bastante limpa e organizada. Nas paredes tinham diversas ilustrações, que ao olhar mais de perto notei que tinham os meus traços. Lá no meio eu encontrei aquele com o qual eu ganhei o concurso, praticamente um dia atrás. Pois é, confuso!

Então deu certo! Ter participado e ganhado o concurso fez o meu futuro melhorar e muito. Mas aí que fica a questão? O que eu faço da vida agora? Eu vivo dos meus desenhos? Não faço ideia.

Ia começar a fazer algumas pesquisas na minha casa e até na internet, quando alguém simplesmente entra no apartamento, desesperada… Era a Rafaela.

- Lara, eu não acredito que você não está pronta!

- Pronta para quê?

- Esqueceu que hoje tem a palestra lá na nossa antiga escola?

- Ah, sim! - fiz de sonsa para ela não perceber - Estava relaxando um pouco antes, sabe como fico nervosa.

- É verdade! - ela sorriu - Mas vai dar tudo certo, é só incentivar os jovens a buscar seus sonhos. Isso você já soube fazer!

Peguei uma roupa e me arrumei depressa e logo saímos de carro, com um motorista particular dirigindo, rumando para um bairro mais distante, onde passei a infância e adolescência e era onde ficava localizado o Colégio Espiral.

Era uma distância relativamente curta, mas levava uma meia hora de carro de onde moro. Conforme fui me aproximando do destino, revi diversos lugares onde estivesse e construí memórias e foram elas que me tornaram quem eu sou hoje! Tudo o que vivi nestes ambientes, tanto coisas boas quanto ruins, moldaram o meu ser!

Paramos diante do prédio da escola, que não tinha mudado em nada. Dava para perceber porque eu estava andando por aqueles corredores poucas horas antes.

Entramos e a diretora nova veio nos receber. Ela ficou bastante animada ao receber a famosa vencedora do primeiro concurso de ilustração do Colégio Espiral e qual não foi a minha surpresa de ver uma cópia do desenho exposta num quadro numa das paredes, enquanto ela nos apresentava a escola, que realmente tinha mudado pouco até por dentro. Fomos direcionadas ao auditório e logo os alunos chegariam, então devíamos arrumar tudo.

Já tinha uma série de slides prontinhos para eu falar e eu não fazia ideia do que estavam contidos neles, nem sei como faria isso.

Os alunos foram chegando e enchendo as cadeiras e eu fui ficando cada vez mais nervosa, porque eu não faço ideia de nada deste futuro. O que eu fiz depois de voltar para cá? Que caminhos minhas mudanças no passado levaram? Eu queria tempo para ver, recalcular e saber como agir e o que fazer, mas eu fui jogada direto nessa bendita palestra… Sobre realizações de coisas que não faço ideia!

Todos chegaram, a diretora me apresentou brevemente e me deu permissão para falar:

- Bom dia a todos, eu sou a Lara, como a diretora bem me apresentou. - passei o slide e estava escrito bem grande que eu era designer e ilustradora - Quando tinha a idade da maioria de vocês, eu fazia alguns rabiscos, apenas para extravasar a minha criatividade. Era só um hobby, uma atividade divertida, mas que depois de ter ganhado o concurso no ano de 2009, resolvi que seria a forma de seguir uma carreira fazendo o que gostava.

E foi a partir daí que eu desenrolei o que falar, contando com detalhes da experiência do concurso, falando sobre meu sonho. No meio deste ínterim, eu fui descobrindo o que aconteceu nesta linha do tempo - se é que posso falar assim. Eu ganhei mais alguns concursos, fiquei bastante popular na internet, que estava engatinhando na época, levando-me a abrir meu próprio site para postar os desenhos. E neste que eu conquistei bastante público e um pouco de fama, o suficiente para poder viver disso. Eu já tinha ilustrado diversas coisas, entre elas capas de livros e fiquei surpresa em ver a capa do livro do meu colega Lucas dentre meus trabalhos.

Porém, conforme foi passando a apresentação, sentia uma coisa estranha, uma sensação de que eu não estava falando sobre mim, mas sobre outra eu, que eu não conhecia até poucas horas atrás. Uma pessoa tão incrível e que tinha realizado tanto, tinha a vida dos sonhos, mas não era eu. Ironicamente, não era a minha vida! Sei que é estranho, porque eu mexi os pauzinhos no passado para melhorar o presente, mas eu vi que não era isso que eu queria.

Não parecia mais aquela menina tímida do ensino médio que mal mostrava seus rascunhos. Eu era uma garota determinada que se mostrou e realizou, mas a que custo? O custo de não lembrar de nada deste caminho até aqui… Eu queria ter vivido tudo o que eu descrevi aos alunos do meu antigo colégio!

Falei sim sobre sonhos, pois ainda os tenho e os incentivei a segui-los, assim como eu fiz! No final, foram só aplausos e elogios. Tirei fotos com eles, conversei mais um pouco, respondi perguntas. Foi muito legal, de verdade! Mas, por outro lado, ainda tinha aquela sensação esquisita.

Logo eles foram embora e minha amiga veio falar comigo.

- Lara, você está estranha. Tá tudo bem?

- Tá sim! É só estranho estar de volta aqui.

- Eu sei, para mim também. Acabei lembrando da nossa festa de formatura.

- Quando a Gabrielly fez questão de me humilhar porque eu estava de calça e jogou bebida em mim, manchando a minha roupa branca.

- Ah, amiga, você sempre foi excêntrica e a incomodou, desde o primeiro dia de aula. Ainda bem que isto nunca te afetou.

- Será mesmo? - lancei

- Bom, este era o nosso único compromisso hoje, então pode ir para casa se quiser.

- Vou visitar meus pais.

- Tem certeza? - notei um tom diferente na pergunta

- Sim!

E ela não falou mais nada. Voltei ao carro e pedi ao motorista que me levasse para a casa dos meus pais, indicando o endereço. Ao chegar lá, encontrei uma casa vazia. Estranho não ter ninguém! Uma vizinha passou, que me conhecia e me abordou:

- Lara, o que faz aqui?

- Eu vim visitar!

- Tem anos que eles não moram mais aqui, mas não tinha como você saber, porque você raramente aparece.

- E onde eles estão agora?

- Não sei, querida. Mas estão morando perto do seu irmão!

- Eu agradeço! - disse cabisbaixa

Ela se despediu e eu me senti horrível. Como eu me afastei da minha família assim? Pedi para voltar para casa e durante o caminho fiquei pensando neste dia estranho que eu vivi e no fato de ter me afastado de tudo e ter só trabalhado, aparentemente. Relembrei sobre o dia da festa de formatura, como meus pais estavam felizes de ver a caçula se formar. A festa não foi das melhores - ainda mais depois de ter saído suja de bebida - mas a minha alegria era ter terminado este ciclo e saber que tinha a vida toda pela frente e que seria melhor… Como era iludida!

Inconscientemente comecei a cantarolar a minha canção favorita, aquela que me jogara de volta no tempo, apenas me distrair no trajeto, para depois descobrir o que fazer. Eu vacilei e fechei os olhos por alguns instantes e quando os abri, eu não estava mais no carro!


***


- Filha, ande logo, senão vai se atrasar. - disse mamãe a porta do meu quarto - Está tão linda! Minha filhinha está se formando.

Virei-me para ela e dei um abraço, ainda sentida pelo que aconteceu no futuro alternativo. E eu tinha acabado de descobrir que só cantar já me jogava de volta, o que era terrível. E depois do gostinho que tive, eu só queria que essa coisa parasse para eu poder cantar a minha música favorita em paz!

Olhei no espelho mais uma vez, vendo a roupa branca, com alguns detalhes em lilás. Eu estava pela primeira vez na vida usando lentes de contato, que meus pais fizeram questão de comprar para a ocasião. Meu foco estava um pouco estranho pela falta de costume!

Meu corpo tinha se desenvolvido um pouco mais, se parecendo mais com o do futuro. E a minha roupa marcava bem as poucas curvas que eu consegui, me sentia estranha, mas ao mesmo tempo linda com ela.

Meus pais fizeram questão de me levar, me deixando na porta e me desejando uma boa festa!

Entrei no prédio do colégio e me dirigi ao local da festa, que era a quadra que normalmente usávamos nas aulas de educação física. Mesmo que tenha chegado relativamente cedo, já tinha bastante gente, os meninos usando roupas formais e as meninas os seus mais belos vestidos e bem, eu tinha ido de calça, porque nunca fui muito fã de vestido.

Estava tudo bastante decorado, com balões, fitas e show de luzes da pista de dança. E num canto estava a mesa com as comidas e bebidas.

Tudo isso parecia uma típica festa de formatura que sempre vi nos filmes… E era isso mesmo, pois a nossa turma se organizou para fazer isto. A formatura oficialmente seria apenas no dia seguinte!

Fiquei distraída um tempo observando o espaço, sempre arremetida pelas lembranças deste dia, que logo deveriam começar a acontecer, mas eu já não sabia se eu queria fazer algo diferente ou não. Na verdade, eu queria apenas sumir e voltar de verdade para o meu tempo. Sei que a minha vida era uma merda, mas ainda assim era minha e estranhamente estava com saudades dela.

Tomei um susto, pois senti duas mãos no meu ombro. Era a Rafaela, acompanhada de Bruno, Aline e Larissa. Todos prontos para festejar o fim do ano letivo, da formatura, das férias e pelo resto de nossas vidas dali em diante!

Fiquei na companhia deles na maior parte da festa, onde a gente conversou, brincou bastante, dançou. Eu estava me sentindo muito bem e a minha vontade era que a noite continuasse assim, mas não ia acontecer.

Ninguém tinha comentado nada sobre a minha roupa, nenhum amigo, nenhum colega. Na verdade, eu tinha recebido elogios por ter aparecido com algo fora do esperado. E eu estava bem e confortável, até que chegou ela, a Gabrielly, que sei lá por que motivo cismava de implicar sempre comigo… Fosse no passado ou até no futuro!

- Esquisita, que roupa é essa? - olhou-me dos pés a cabeça - Sabe que o traje correto era vestido, por que veio de calça? Você realmente é esquisita!

- Pois é! Se fosse uma festa minha, já tinha te tirado há muito tempo. - concordou um amigo dela

- Como é? Expulsar só por causa da roupa? - Rafa perguntou

- Sim! - ela respondeu - Se bem que nunca nem convidaria, para início de conversa.

Sim, ela estava fazendo de novo e eu já sabia disso, mas mesmo assim aquilo ainda me afetava, como sempre. Ela estava segurando um copo com refrigerante de cor escura e de supetão ela jogou o conteúdo do copo em cima de mim, de propósito. Essa cena arrancou gargalhadas de todo mundo que estava em volta. Só que, desta vez, não ia deixar ela passar por cima e soltei, mesmo revoltada e imunda de refrigerante.

- Gabrielly, por que você se incomoda tanto comigo? De verdade? Desde o primeiro dia de aula você me escolheu como alvo. É para suprir alguma frustração sua?

Lembro que já trabalhei muitas vezes na terapia o meu problema de autoconfiança e a questão de justamente ela ter pegado no meu pé durante todo o meu ensino médio, falando sobre meu jeito, meu corpo, meus óculos, meus desenhos, sobre mim. E ela fazia questão de mostrar para a turma toda, para que todos rissem de mim… Assim como fez no dia da festa de reunião!

Ficou um silêncio, ela não tinha resposta ou estava preparando uma! Mas, o grupinho dela veio pronto pra atacar, enquanto isso, meus amigos olhavam a situação e sem saber como reagir.

- Você se acha mesmo muito importante né, quatro olhos esquisita?  - soltou um

- Isso não responde a minha pergunta. - retruquei

- Você se acha toda especial só porque a Gabrielly lembra da sua existência para a turma, se não fosse por ela você seria invisível e ninguém ia se lembrar que existe. - gargalhou outro

- Sinceramente, não vou perder meu tempo com isso. - minha eu adulta falando através do meu eu adolescente - Vou aproveitar a festa de formatura!

Depois do final da frase, primeiro fui ao banheiro, tentando tirar o máximo que podia da roupa, mas a mancha ficou. Em seguida, eu fui para o lado de fora da quadra, porque já era o comecinho do verão e estava calor e os ventiladores não estava dando vazão.. Sentei num dos bancos do lado de fora e fiquei observando o céu noturno, até que ouvi passos e uma voz em seguida:

- O que você está fazendo aqui? - era Lucas

- Tomando um ar para voltar para a festa e esperar a roupa secar um pouco.

- Não, você não entendeu a minha pergunta, Lara. Por que voltou?

- O que quer dizer, Lucas?

- Não finja que não sabe. Você não é a Lara que eu conheço… Bom, ainda é a Lara, mas não essa Lara. - apontou para mim

- Como sabe que vim do futuro? - ele já sabia mesmo, não dava para esconder

- Porque eu também vim! - ele soltou

- Espera! Como?

- Você voltou com a música, eu voltei quando reli a minha história.

- Então você sabia o tempo todo?

- No primeiro dia de aula eu suspeitei, pois estava agindo estranho e do mesmo jeito que eu. Mas, eu tive certeza naquele dia na biblioteca. Foi uma conversa muito específica, mas me ajudou a voltar pro meu tempo também. Acabei voltando de novo e agora.

- Igual a mim, mas desta vez foi sem querer.

- Mexeu muito no seu futuro?

- Sim! E bem… Aquela Lara não é esta Lara.

- Eu te entendo, aquele eu também não era eu.

- E agora, como a gente conserta?

- Eu não sei, sinceramente! Mas, provavelmente, temos que reativar o gatilho…

- A música e o livro? - perguntei

- Sim! Mas, vamos aproveitar a festa.

E assim retornamos para o lado de dentro e acabamos conversando bastante sobre nossas experiências de viajantes do tempo. Depois fomos para a pista de dança e ficamos por lá, rindo e se divertindo. Perto da meia noite, começou uma música lenta e isso pedia que dançássemos mais próximos um do outro. Ele perguntou num sussurro, que mesmo com a música alta dava para ouvir:

- Qual foi a razão para voltar no tempo?

- Não sei, eu só fiquei muito chateada com o que aconteceu na reunião.

- Eu me lembro disso, eu te levei para casa. Será que foi a Gabrielly?

- O que quer dizer? Não entendi!

- Você tinha alguma coisa para acertar com ela… Ou melhor, com você mesma!

- Eu falei o que sempre quis falar para ela, mas nem tive uma resposta. E bem, eu também voltei a desenhar, sentia falta.

- Eu também tenho uma coisa a resolver comigo… Com alguém!

- Imagino quem seja. - lembrei dos meus amigos falando que ele gostava de mim

Ele riu baixo, mostrando o sorriso.

- E se eu te falar que esse sentimento nunca mudou? Eu só escondi num lugar fundo, mas aí eu te vi na reunião e tudo veio de novo! Assim como meus sonhos de ser escritor, que ficaram para trás. Acabei relendo minha primeira história naquela noite e acabei aqui. Só que tudo começou por causa de você.

Nesse momento, a música lenta acabou e com as primeiras notas, eu sabia bem qual era a música seguinte… A música que me fez chegar ali!

- Isso é… - perplexa olhei para ele

- Hora de voltar para casa… Nós dois!

- E como você vai? Meu gatilho é a música!

- A minha história tem um final… O Herói fica com a sua amada.

- Você não pode estar falando sério!

- Estou! - colocou uma das mãos em meu rosto - Prometo que nos veremos na reunião. Só cante!

Comecei a acompanhar a música, como sempre fazia, mas desta vez minha face estava completamente molhada pelas minhas lágrimas. Nos olhamos, ele tinha uma expressão tão tenra e calma que eu poderia ficar presa neste instante para sempre. E com o final da música se aproximando, ele fez o mesmo com meu rosto, até que tocou meus lábios, dando o beijo que ele sempre quis me dar, eu imagino. Eu estava com os olhos fechados e a música terminou, mas ainda senti o seu calor por um tempo.

Então, tudo ficou gelado e eu estava de volta ao meu antigo apartamento. Agora eu não sei se estava na linha temporal certa!


***


Estava sentada em meu sofá e então ouvi a voz da minha amiga, enquanto ela parecia mexer em meu armário. Peguei o celular e vi a data, justamente o dia da reunião com o pessoal do ensino médio.

- Ei, Lara, está me ouvindo?

- Oi, Rafa, estou!

- Vem se vestir, já escolhi sua roupa. E por favor, vai sem óculos para mostrar essa make incrível que eu fiz.

- Pode deixar! - sorri

Ela não poderia ter feito melhor! Era uma calça, do jeito que eu gostava e me sentia mais confortável, ouso dizer que até um pouco sexy!

Vesti-me e logo rumamos para o endereço do salão no convite. No caminho, fui fazer as minhas pesquisas, olhei meu celular e tudo parecia ter retornado ao que estava antes. Meu apartamento, meu emprego, meus sonhos frustrados, mas bom, ainda assim era a minha vida e eu mesma.

Chegamos e ao entrarmos o resto do nosso grupo veio nos abraçar. Trocamos algumas fofocas rápidas sobre o que estávamos fazendo em nossas vidas, até que eu vi um rosto conhecido em meio às mesas do outro lado. Rafaela percebeu e falou:

- Nossa, é o Lucas?

- É sim! - respondi

- Ainda lembro bem o bafo que foi vocês dois terem se beijado na festa de formatura. - comentou Aline

- Todo mundo achou que vocês iam até namorar depois daquilo. - disse Bruno

- Uma pena! Eu shippava. - completou Larissa

Peraí! Então aquilo aconteceu mesmo? Mas e todas as outras coisas que acabei alterando no passado… Como ficaram? Eu tinha muitas perguntas e só tinha uma pessoa que poderia responder. Mas, por outro lado, o que importava era o que faria dali para frente, sem abandonar a pessoa mais importante da minha vida: eu mesma!

Eu continuava olhando para ele, revendo a sua versão mais velha e então ele finalmente virou o rosto na minha direção. Nossos olhares se encontraram! Eu sorri para ele e ele sorriu para mim.

Pois é, acho que este é mais um ponto importante que vai mudar e muito o meu futuro, se eu quiser que seja assim!


***


"Ao se despedir de você, resista em vez de apenas ser arrastado pelo destino

Vamos encontrar um sonho, um novo sonho

Seja forte, mesmo que seja difícil agora

Com certeza vou transformá-lo em bondade, em poder para proteger!

Vamos voar para o amanhã, mesmo que não possamos ver a luz

Da escuridão para o futuro, vamos seguir em frente enquanto nos perdemos

Para amanhã, mesmo que eu não consiga ver a luz

O que o coração deseja

Até o dia em que nos encontrarmos algum dia

Para mim, que é forte e gentil

Contato Re:Contato

(...)

Mesmo que você não consiga ver a luz, vamos seguir em frente enquanto nos perdemos

Vamos voar para amanhã mesmo sem asas

Vamos seguir em frente congelando mesmo na tempestade

Rumo ao amanhã sem asas

Abraçando o coração que enfrenta

abraçando as memórias

S.I.G.N.A.L S.I.G.N.A.L"

(Re: Contact - Minori Chihara)

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