domingo, 31 de julho de 2022

A pura nota do Girassol - 12 Meses com Minorin: Julho


 

“O brilho deste lugar

Vamos torná-lo um tesouro ok?

Até nos encontrarmos da próxima vez... No outono e inverno

A ideia de verão acaba se tornando uma memória

Eu vou me levar

Torne-se um registro quente quente

não se esqueça do Girassol


(...)


O sorriso é claro, com um sorriso novamente

eu tenho sonhado por um longo tempo”


(Sunshine Flower - Minori Chihara)


***


Era estranho para Bianca estar de volta naquela cidadezinha de interior, praticamente esquecida com seus pouco mais de três mil habitantes. Ela acabara de se formar na faculdade que sempre sonhou fazer, que era Perfumista. Trabalhar com as flores, frutas, suas essências e fragrâncias, construindo cheiros capazes de despertar vários sentidos ao mesmo tempo.

A cidade de Charmosinha era conhecida por ser o paraíso das flores desde que ela se lembrava. Havia fazendas e sítios que cultivavam os mais diversos tipos de flores, como rosas, tulipas, margaridas e girassóis. Sendo este último, especificamente, muito especial para ela, pois parte de sua família cultivava girassóis num sítio afastado na pequena cidade.

Um local no qual, durante boa parte da infância e da adolescência, passou suas férias do colégio. Se sujava de terra, corria entre os corredores esverdeados e brincava bastante com o primo que morava ali. Se é que ele ainda morava…

As responsabilidades da vida adulta e os estudos fizeram com que ela ficasse todos aqueles anos sem ir para lá. Mas, se ninguém avisasse, não dava para saber que se passaram mais de sete anos desde a última vez, pois a cidade parecia parada no tempo.

Ela estava sentada na praça da cidade, com suas duas malas grandes, esperando o Tio Rodolfo vir buscá-la para que finalmente chegasse ao destino.

Ela desceu na cidade vizinha, que possuía rodoviária e conseguiu uma carona com uma casal que passaria por lá. Estava amanhecendo quando ela se acomodou no ponto central da cidade. Não tardaria muito e aquele pequeno lugar também acordaria, com a sua própria rotina praticamente isolada do mundo de fora.

Ficou distraída olhando o celular, que estava com um péssimo sinal tanto de telefone quanto de internet, até que um carro velho estacionou bem na sua frente. De lá, saiu um homem de cabelos completamente grisalhos e uma barba grossa na mesma tonalidade.

- Bianca!

- Tio Rodolfo!

- Você chegou cedo, menina!

- Consegui uma carona até aqui…

- Tendi! Bora colocar essas malas dentro do carro e tocar pro sítio.

- Estou ansiosa por isso. - sorriu

Ela auxiliou a colocar as bagagens dentro do veículo, depois sentou-se no banco do carona, com a parente do lado do motorista. Ele deu a partida do motor, levantando o cheiro de combustível e bastante terra na arrancada.

Não era um trajeto longo, então Bianca ficou distraída olhando a paisagem pela janela. Era linda do jeito que ela lembrava. O Tio a tirou de seus devaneios:

- Você sumiu por tanto tempo, Bia. O Théo está com saudade de você.

- Sério? Ele ainda mora aqui?

- Ele me ajuda no sítio, mas ficou um tempo na cidade grande para estudar.

- Em que ele se formou?

- Ixi, não sei o que é não. Melhor perguntar para ele.

- Pelo menos ajuda nos negócios da família?

- Sim, bastante! Nossas vendas aumentaram um bocado desde que ele entrou para a administração.

- Espero poder ajudar vocês com os negócios também…

- Ocê estudou o que mesmo?

- Perfumaria.

- Théozin vai gostar disso.

O resto do caminho seguiu com o maior silêncio, apenas o motor do carro e o vento batendo vindo da janela batendo no rosto.

Logo, eles cruzaram a porteira do sítio, chamado Amigo do Sol. 

Bianca, com mais uma ajuda do tio, retirou as malas e as colocou na varanda. Não deu nem tempo de falar algo, pois a Tia Sônia logo apareceu e deu um abraço apertado nela.

- Menina, que saudades de você. Foi para a cidade e num voltou mais…

- Eu estava estudando, tia Sô.

- Assim como nosso filho. Ele foi resolver umas coisas numa cidade vizinha, mas ele vem para o almoço. Vem, entra, vou mostrar seu quarto!

Arrastando sua bagagem, ela acompanhou a tia até um quarto que ela já conhecia muito bem, pois era o mesmo em que ficava todos os anos nas férias.

- Está exatamente do jeito que me lembro… - aquilo também parou no tempo

- Gostin de infância, né?

- Um pouco! - sorriu

- Fique à vontade viu? - a tia ia saindo pela porta, até que lembrou - Já tomou café?

- Não, mas eu gostaria.

- Ah, mas eu vou preparar a mesa agorinha mesmo.

- E seja bem-vinda! - o tio completou, indo em direção a cozinha

Em poucos minutos, os três já estavam sentados comendo o desjejum. A mesa estava posta alguns tipos de bolos e pães, tudo bem característico da culinária da região. Outra onda de nostalgia atingiu Bia em cheio, pois era o gostinho da sua infância bem no seu paladar.

Depois de se alimentar, ela voltou ao quarto e arrumou os seus pertences nos armários. Ela trouxe algumas roupas numa das malas e na outra vieram os seus equipamentos de trabalho. Tudo o que ela usava para criar as fragrâncias e os perfumes. Ela decidiu, por ora, deixá-los onde estavam, até arrumar um local com mais espaço para manejar. A escrivaninha ficaria para o seu computador.

Ao terminar a arrumação, ela foi dar uma volta na propriedade. Passou pela varanda frontal, com cadeiras aconchegantes; foi ao pequeno estábulo com os animais que eram apenas para produzir algumas coisas no sítio, como leite e ovos; chegando até o campo dos girassóis, plantados e ordenados em longas e extensas fileiras, com um pequeno vão entre cada uma. Bianca não controlou o impulso de cheirar e fazer carinho em todas aquelas flores, enquanto aproveitava a brisa e sol já quase a pino por conta do horário. Ela estava distraída nisso, até que uma canção começa a tocar em sua cabeça e ela cantarola o que se lembrava, que é um simples “la-la-la” alternado em melodia, porém a letra da música não vem a sua mente. Talvez estivesse em algum local profundo do seu subconsciente, com o tempo provavelmente recordaria.

Ao longe, ela ouviu o som de um carro chegando na propriedade, seguido de um grito de sua tia, falando:

- Seu primo chegou e o almoço tá pronto!

Imediatamente, ela correu de volta à casa, bem a tempo de ver o primo descer do carro. Primeiro, ele deu um abraço em ambos os pais, até que se voltou para ela.

- Bia, que bom te ver! - e eles se abraçaram bem apertado - Que saudade!

- Temos bastante coisa para conversar, Théo.

- Papai comentou que tínhamos visita, mas se eu soubesse que era você, trazia até uma lembrancinha da cidade.

- Não é necessário!

- Veio fugir para as férias de verão de novo? - e riu

- Já tem muitos anos, não é? Mas, o objetivo é outro… - ela respondeu

- Jovens, vamos almoçar. - o tio protestou - Durante o almoço ocês bota os papo em dia.

Todos entraram e a mesa da refeição já estava arrumada, os pratos nos lugares e as travessas já devidamente posicionadas no meio para que todos se servissem. Assim o fizeram e os primos começaram a conversar.

- E no que se formou, prima? - ele perguntou

- Em Perfumaria. Trabalhei um tempo numa empresa grande de cosméticos, produzindo fragrâncias de produtos.

- Que legal! Bom ter alguém com isto na família.

- E você? O que estudou? O tio não soube explicar!

- Eu me formei em biologia e me especializei em botânica, tudo para poder cuidar destas flores.

- Realmente, é bem a sua cara. Ainda mais porque adorava ficar cheirando as flores daqui e dos sítios vizinhos.

- Ara, ocê também, garota! - deixou o sotaque transparecer

E todos na mesa riram! Porque era realmente isto.

A conversa continuou sobre trivialidades, sobre como estavam os outros membros da família e o que eles estavam fazendo. Sobre as diferenças do campo e da cidade, sobre a faculdade… Uma coisa bem fácil entre os dois primos era a conversa.

O almoço acabou e todos ajudaram a recolher tudo. Théo e Bianca decidiram caminhar entre os campos de girassóis e continuar a conversa.

O Sol já havia se baixado um pouco no horizonte, mas não estava menos quente. Ambos os primos observavam os detalhes daquelas flores, enquanto a conversa prosseguia. Foi uma longa conversa, atualizando sobre as suas vidas para o outro. Afinal, já fazia longos anos que eles mal conversavam, só se viam por fotos nas redes sociais.

Após longos minutos, sentaram-se numa clareira, abaixo da sombra de uma árvore, numa das pontas do sítio. O local dava uma vista completa para o campo com o casebre ao fundo.

- Eu tenho tantas memórias neste lugar. - comentou Bianca

- Eu também. Acho que mais do que você! - Théo riu - Morei aqui a maior parte da minha vida.

- Lembra quando a gente passava a tarde inteira correndo aqui?

- Sim, e a vovó gritava para a gente tomar o café da tarde.

Ambos riram, sendo levados por suas memórias ao passado.


***



Bianca começa a correr por entre os girassóis, jogando-os para o lado, para não feri-los durante a sua caminhada. Ela estava correndo do primo, já que resolveram brincar de pique-pega. Era pouco depois do almoço e eles tiveram que esperar meia hora para poder retornar à brincadeira, pois a Avó Lúcia e nem a Tia Sônia deixaram de jeito nenhum que saíssem após comer.

O Avô Geraldo tinha ido com o Tio Rodolfo para a cidade, para venderem as flores que colheram naquele dia, pois havia uma grande feira no centro naquele dia.

As horas passaram e eles nem perceberam, pois a brincadeira estava tão boa. Eles sempre se divertiam com as coisas mais simples.

O sol começou a ir para o outro lado do horizonte e se preparava para se pôr. Os dois primos, já muito cansados de correr, estavam sentados embaixo da sombra de uma das árvores, recuperando o fôlego.

Eles ouviram, ao longe, o som do motor da caminhonete velha do avô, seguido do som da porteira do sítio sendo aberta pelo tio. O veículo entrou, foi desligado e o mais velho desceu do carro, cantarolando uma canção, que era sempre a mesma.

Aquele era o sinal para a hora do café da tarde, pois dali a pouco minutos o grito da avó ecooaria pela propriedade, chamando-os para comer.


***


- O vovô sempre chegava cantando também.

- Ah, é verdade. Você lembra que música que era?

- Não faço ideia, mas acho que eu cantei hoje passeando por aqui.

- Vamos ver se até o fim da sua estadia a gente lembra.

- Sim! - ela sorriu - Recordo que gostava muito dela.

- Vamos voltar lá para dentro? Parece que logo será a hora do café.

- Claro! Vamos antes que sua mãe nos grite.

Ambos se levantaram e caminharam de volta para a casa. Théo foi ajudar a mãe a terminar a refeição, enquanto Bianca foi resolver algumas coisas no computador. Abri-o na escrivaninha e aproveitou para responder alguns e-mails. Mesmo sendo um pouco lenta, a internet funcionava de uma forma decente. Talvez não desse para ver um filme ou uma de suas séries favoritas, mas dava para conversar com a mãe, o pai e também postar umas fotos nas redes sociais do lugar onde estava. Ela havia aproveitado o pequeno passeio que fizera de manhã para tirar algumas.

E bem, ela sobreviveria algumas semanas com uma conexão medíocre. Neste momento, ela foi atingida por outro pensamento: Como ela fazia na infância para se manter entretida ali? Como agora ela era adulta, brincadeira não era uma opção. Bom, pelo menos trouxe alguns livros na bolsa.

Terminou o que tinha de fazer, desligou e fechou o notebook. Pegou novamente a mala com seus materiais e abriu em cima da cama, voltando a cheirar algumas das fragrâncias que montou nas últimas semanas. Ela gostava de dar um tempo para o seu nariz, sempre reavaliando os cheiros que criava.

Ela estava distraída abrindo os frascos e sentindo um a um, até o primo aparecer na porta, para chamá-la para a refeição.

- Prima… - ele interrompeu-se - O que é isto?

- Ah, são as minhas essências. E essas daqui são os perfumes e outros cheiros que montei.

- Interessante! Dá muito trabalho?

- Um pouco! Tem que saber fazer as combinações, senão não dá certo.

- Um dia você me mostra como faz isso?

- Mostro sim! Só vou precisar de mais espaço para espalhar todas essas coisas… - e apontou para a mala

- Tem um espaço bom lá na garagem. Mais tarde te ajudo a levar tudo para lá. - e ele voltou ao assunto - Bom, é hora do café… Vim te chamar. - sorriu

- Ah, claro! Vamos lá!

Os dois se dirigiram à cozinha, encontrando lá os outros dois moradores da casa.

- Já estava indo ver essa demora toda, uai. - Rodolfo falou

Todos se sentaram à mesa, começaram a refeição e prosseguiram com a conversa.

- Estava mostrando meu equipamento de trabalho… - Bianca respondeu

- É bastante interessante. Aliás, você não trouxe isto para cá por nada né? - o primo jogou

- Claro que não! Mas, sem pressa, depois lhes conto as minhas reais intenções.

- Ela vortô misteriosa! - a tia falou

- Não é nada demais, não se preocupem, é para ajudar nos negócios da família. - ela revelou

- E por falar em negócios… - o tio falou - Amanhã é a feira das flores lá na cidade, quer ir?

- Claro que sim! - ela sorriu

- Pelo menos mais uma ajuda para amanhã. - a tia comentou

Todos comeram num clima agradável e o resto daquele primeiro dia passou da mesma forma. Bianca aproveitou para ler um pouco, mas foi se deitar cedo, já que tinha compromisso no dia seguinte.


***


O despertador de Bia tocou, anunciando que era já hora de levantar. O Sol nem havia se levantado ainda e enquanto ela mantinha alguns poucos minutos de preguiça na cama, o primo apareceu na porta.

- Ei, preguiçosa! Hora de acordar… Precisamos encher a caminhonete e descer para a cidade. Quanto mais cedo chegamos na feira é melhor.

- Eu já acordei. - resmungou - Já vou sair daqui.

- Ande então! Aqui não tem tempo pra “mais cinco minutinhos” igual na cidade. - ele falou brincando

- E o café? - indagou ela

- Já está na mesa! Vem comer logo!

A jovem tirou a coberta, rapidamente pegou uma roupa confortável para ir trabalhar numa feira, se trocou e encontrou com os outros já sentados à mesa.

- A Bela Adormecida finalmente despertou. - zoou Théo

A prima deu um riso sem graça, o que levou os tios a enormes gargalhadas.

- Ainda lembro como ocê era para acordar quando menina. Tinha que tirar coberta, te sacudir, só aí levantava. - a tia comentou

- Pelo menos, agora, só precisa chamar. - o tio falou

Era apenas uma brincadeira para alegrar o dia que recém começara, então Bianca tentou levar numa boa, pois não queria iniciar suas férias e muito menos os primeiros dias delas de mau humor. Se fosse para se estressar, que fosse na cidade.

Todos comeram o desjejum e logo se encaminharam para carregar a caminhonete, que era a mesma que eles usavam há anos e que tinha pertencido ao avô. As flores já tinham sido separadas pelo tio no dia anterior, sendo deixadas em grandes galões com água. Como elas eram bem pesadas, Rodolfo e Théo foram dar conta deste serviço, enquanto Bianca e Sônia pegaram partes da montagem da barraca e outros pequenos detalhes importantes.

Não demorou muito até que os quatro estivessem no veículo e com o dia amanhecendo partiram para o centro da cidade. O trajeto levou um pouco mais de tempo por conta do excesso de peso do carro.

Chegaram lá e a praça central estava mais agitada do que o dia anterior, pois diversos dos fazendeiros da cidade também estavam montando suas barracas e iam vender seus produtos naquele dia. Já dava para ver que haviam rosas, tulipas, amores-perfeitos, orquídeas, margaridas os mais variados tipos de flores, de diferentes cores: azuis, amarelas, vermelhas, rosas.

Para Bia era uma explosão não só de cores, como também de cheiros. Nos seus anos como especialista na área, ela sabia como cada uma daquelas flores podia ter suas próprias notas e fragrâncias.

O quarteto levou as coisas até o espaço que sempre usavam nas feiras da cidade, primeiro montando a tenda, usando as peças de metal reforçados e colocando uma lona por cima, para proteger os girassóis do Sol e eles mesmos de qualquer coisa brusca do tempo.

Os donos de outras propriedades e colegas dos tios de Bianca a perceberam junto com o grupo e perguntaram:

- E essa aí? Quem é?

- É namorada do Théozin?

- Não! - tratou de responder a tia - É a minha sobrinha Bianca. Ela sempre vinha aqui quando criança, mas passou uns anos estudando e veio nos visitar.

- Muito bonita ela. Lembra você, Sônia.

- Ah, obrigada! - a sobrinha sorriu, simpática

Os galões com girassóis foram arrumados e posicionados, além do caixa num dos cantos da barraca. Agora, o dia já amanhecera e era só esperar os clientes chegarem. Aquele era um evento quinzenal, mas que atraia diversos turistas que se hospedavam nas proximidades e vinham ansiosos para ver as flores da feira de Charmosinha.

- Tia, costumam vir muitas pessoas nesta feira?

- Ocê nem imagina, Bia. Vem gente das redondezas todas!

- Nosso maior faturamento é justamente desta feira. - Théo completou - Ainda mais agora que a qualidade das nossas flores aumentou, com todos os novos cuidados no plantio e crescimento.

- Os girassóis estão bem maiores, com cores mais vivas. Tudo graças ao Théozin. - falou o tio.

- Bom, vamos nos concentrar, porque hoje o dia vai ser agitado. - a tia disse

- E eu quero todas estas flores vendidas até a hora do almoço. - Théo pediu

E a tia não estava errada, era bastante agitado. Pouco mais de uma hora depois, a pequena praça central da cidade já estava abarrotada de gente, todas elas dispostas a comprar flores para os mais variados fins.

O quarteto fez bastantes vendas, sempre com diversos girassóis de uma só vez. E logo, poucas horas depois, as flores tinham acabado.

- Parabéns, pessoal! Missão cumprida! - o primo sorriu - Agradecimentos também a nossa nova ajudante temporária.

- Ora, não precisa, foi um prazer. - ela riu da brincadeira

- Bom, agora, - soltou a tia - pode dar uma voltinha na feira. Vão passear ocês dois!

- E para arrumar tudo de volta na caminhonete?

- Deixem que eu e seu pai fazemos isso. Aproveita um tempo com a sua prima da cidade.

Bianca ficou animada, enquanto Théo apenas assentiu, meio contrariado. Não que o passeio fosse demorar muito, pois a feira não era grande, mas o rapaz não gostava de deixar os pais sozinhos, ainda mais com a idade deles avançando.

A prima foi na frente, já focada nos tipos de flores que queria olhar. De cara, correu para as rosas. Viu as vermelhas, amarelas, brancas. Cheirou cada uma delas, procurando alguma coisa. Ela selecionou algumas de cada e pagou.

Fez este mesmo processo com as tulipas, o que aos olhos do primo era até engraçado, mas aí ele lembrou qual era a profissão da prima. Ele apenas acompanhou-a em silêncio, deixando a turista da cidade curtir a feira.

Assim que terminaram as compras e caminhavam de volta ao encontro do casal, ele perguntou:

- Para que tudo isso?

- Eu quero fazer umas coisas mais tarde. Essa feira inclusive é muito boa pela variedade de flores. 

- Sim, por isso que ela é muito frequentada. Assim como o Festival das Flores, que deve estar chegando.

- Aliás, será que dá para a gente conversar depois do jantar?

- Claro, sem problemas!

- E bem, vou precisar daquele espaço na garagem para as minhas coisas hoje.

- Posso arranjar isto também. - e indagou curioso - E sobre o que quer conversar mesmo?

- Negócios, como falei com titio.

- Assim você me deixa curioso!

- É para ficar mesmo, porém vai esperar até de noite.

O grupo se reencontrou, almoçou logo na cidade e rumaram de volta ao sítio. E cada um dos quatro foi para suas próprias tarefas da tarde. A Tia foi cuidar da casa, o Tio foi cuidar da plantação, o Primo foi calcular as finanças, já a Prima ficou lendo algum livro, já que ela estava de férias.

E toda aquela manhã trabalhando na feira da cidade, despertou em Bianca mais uma memória…


***


Naquele dia, o avô fez questão de que os dois netos o ajudassem no dia da feira. A sua filha brigou, falando que eles iriam mais atrapalhar do que ajudar, afinal, eram apenas crianças. Os galões com os girassóis foram colocados na caminhonete e o grupo formado por Avô, Tio e os dois primos rumou para a cidade.

Chegando lá, os outros fazendeiros abordaram o quarteto:

- Geraldo, estes dois são seus netos?

- São sim, uai! - ele sorriu - Bianca e Théo.

- Vieram ajudar na feira então?

- Eles precisam aprender sobre os negócios da família. Vai ser deles um dia!

- Está certo! Boas vendas pro sinhô!

- Igualmente!

A Barraca já estava montada nesse meio tempo, com tudo em seus devidos lugares.

Passou tanta gente diferente, de tantos lugares, comprando e carregando as flores de Charmosinha para todos os cantos do país.

E claro, que o avô estava sempre demonstrando sua energia e alegria, que transparecia e muito nas canções que geralmente cantarolava em seu cotidiano. E a sua favorita era justamente sobre a flor que cultivava. Eram esses pequenos balbucios desafinados que dava o clima de fundo para aquele momento.

A presença das crianças na tenda ajudou a atrair mais compradores para os girassóis, o que melhorou bastante os lucros daquele dia.

Para Bianca e Théo podia ser só mais um dia de férias ou só mais uma brincadeira, mas aquela manhã os ensinou mais do que podiam ter percebido.

No final de tudo, o avô levou-os para tomar um sorvete!


***


Bia terminou logo a sua leitura, pegou o celular e foi aproveitar o pouco de internet que havia naquele lugar. Ela descia o dedo pela tela, distraída, olhando uma rede social, enquanto uma canção ecoava em sua cabeça e na boca. A mesma melodia que ela recordara antes, porém, agora alguns dos versos simplesmente pularam de sua mente.

Ela recitava as breves estrofes das quais se lembrou:


“Girassol, Girassol, la la la la la la…

A coisa mais pura do girassol é que ele sempre segue a luz.

Todos unidos sob o mesmo Sol 

Cantando uma melodia de esperança ”


Ela estava distraída, até que o primo surge na porta, fazendo-a dar um pulo de susto.

- Me desculpe! - ele falou - Vim chamar para o café!

- Ah, sim, já vou… Obrigada! - disse colocando o celular na mesa de cabeceira

- O que cantava?

- A música do vovô acho… Sobre girassóis, é claro!

- Bem de praxe dele.

- Eu só queria lembrar o resto da letra.

- Será que não tem em alguma das fitas de filmagens antigas?

- Isso ainda existe? - incrédula falou

- Você sabe que meus pais guardam umas relíquias né? Esta é uma delas.

- E se você achar uma fita, como veremos?

- Já percebeu o que tem lá na sala, do lado do leitor de DVD… Exatamente! - e riu

- Confesso que fiquei empolgada com isto!

- Podemos procurar outro dia então. Até porque, hoje a noite, você me prometeu uma coisa.

- Ah sim! Podemos ir para garagem depois de comer então.

Novamente a família comeu reunida, comentando melhor sobre como foi a manhã na feira. Bianca recordou como era aquilo quando era criança, despertando aquela memória na cabeça do primo.

A refeição terminou e com a ajuda de Théo, a prima levou a sua segunda mala e todo o conteúdo dela para a bendita garagem. Havia uma bancada grande disponível, ela levou um tempo, mas conseguiu esvaziar e organizar aquilo tudo no espaço, enquanto o primo observava e de alguma maneira tentou ajudar, mas falhou miseravelmente.

No fim, a mesa estava lotada de potes, essências, óleos naturais e diversas outras coisas para fazer misturas e montar perfumes e outros cheiros.

- Uau! É um grande arsenal de trabalho. - o primo soltou impressionado

- Eu me sinto praticamente uma alquimista quando faço alguma fragrância nova.

- Interessante. Bom, eu também tenho bastante instrumentos de trabalho, mas não que ocupem essa bancada inteira. - ele sorriu

- Bom, vamos que interessa. Até uns meses atrás estava trabalhando numa empresa grande de cosméticos lá na cidade grande, mas acabei sendo demitida. Então, minha mãe lembrou do sítio, dos girassóis e me fez ter uma ideia.

- Que seria?

- Bom, primeiro é melhor eu lhe mostrar como produzo um frasco deste. Usando isto! - levantou as flores que comprara na feira. - Apenas pegue um banquinho e observe!

O primo fez conforme ela indicou. E então Bianca começou a fazer a sua mágica ou até a sua bruxaria, dependendo do ponto de vista. Ela pegou as pétalas daqueles flores e fez todo um processo que as transformou em óleos essenciais. Ela misturou alguns destes com água, um pouco de álcool, colocou num frasco com borrifador, deu para Théo.

- Borrife no punho um pouco e cheire!

- Nossa, é delicioso! - ele disse depois de cheirar o punho com a fragrância - Parecem margaridas misturadas com tulipas num campo aberto.

- Que bom que gostou! Gosto que os cheiros despertem emoções assim nas pessoas.- sorriu - Serei direta, a minha ideia é que façamos este tipo de coisa com os girassóis daqui do sítio.

- Extraindo o óleo deles e usando para fazer o quê?

- Perfumes e outros cosméticos, para cabelo, corpo. Eu também sei fazer!

- Essa é uma indústria bem lucrativa! - o primo acrescentou

- Claro que no começo seria uma coisa mais artesanal e podemos até vender na feira da cidade… E não vai extinguir a venda dos girassóis.

- Eu acho uma excelente ideia! É uma ótima proposta para os negócios. Como vamos fazer a divisão disso tudo?

- 50% para cada um? - a prima sugeriu

- Partes iguais para meus pais, para mim e para você. 33% para cada?

- Por mim está ótimo!

- E por onde iremos começar.

- Eu já tenho um plano montado na cabeça. - ela discursou - Primeiro criamos um perfume de teste, usando a essência do girassol como principal. Vendemos na feira e vemos como será a recepção disso e vamos seguindo daí.

- Mas o perfume vai ser a única coisa por um bom tempo…

- Sim! Para mim está perfeito, desde que dê certo no fim.

- Então, vamos contar para meus pais sobre a novidade. Acho que eles vão gostar!


***

Os tios adoraram a ideia de produzir perfumes com as flores de girassol. Então, tudo seguiria conforme planejado. Mas, primeiro, o teste de fragrância deveria ser criado.

Bianca passou a trabalhar nisso, tentando ver uma mistura que seria a perfeita para produzir algumas unidades e colocar para vender na próxima feira no centro da cidade.

Porém, passou um, dois, três, quatro, cinco dias… Nenhum cheiro que ela montasse a estava lhe agradando. Na cabeça dela, ela queria que aquele perfume transparecesse como uma essência da sua família, lembrando-a, assim como a sua infância naquele lugar.

Ela ficava horas e mais horas do dia, trancada naquela garagem, só saia para as refeições e para dormir, que já estava fazendo bem pouco, por culpa da ansiedade e da pressão que colocou em si com esta tarefa.

E mesmo assim parecia que nunca estava certo, que nunca estava perfeito. Não era aquilo que ela queria, mas ela ainda tinha dúvidas do que queria.

Os outros membros da família num primeiro momento acharam ótima a sua dedicação, mas depois de praticamente uma semana ininterrupta, eles começaram a ficar muito preocupados.

A tia terminava mais uma das refeições e pediu ao filho que chamasse a prima para comer, então, antes de ir, ele puxou assunto com a mãe:

- Estou preocupado com a Bia. Ela não sai de lá da garagem!

- Ela só está dedicada à tarefa de perfume, meu filho.

- Isso não é dedicação, ela está se escravizando por isso. Não é saudável, mãe!

- Eu achei que as pessoas da cidade trabalhavam assim, uai.

- Por que você acha que a maioria deles está doente? - o filho desabafou - Por isso que voltei para cá.

- Se vê problema, converse com ela. Provavelmente vai te ouvir.

- Farei isso! E quem sabe levá-la para passear em algum lugar longe.

Ele saiu e foi chamar Bianca, que prontamente saiu e se juntou a todos na mesa. O clima ficou meio estranho durante a refeição, pois todos estavam quietos, fosse com medo de falar ou concentrados demais no que iriam fazer depois.

A prima acabou de comer, agradeceu e se dirigiu para voltar à garagem. Os pais lançaram um olhar ao filho e ele imediatamente se levantou e foi atrás da prima:

- Bia!

- Oi! - respondeu desanimada

- A gente pode conversar? - indagou com receio

- Sobre? É que estou ocupada, você sabe.

- Sim! Mas, é que estou preocupado com você.

- Comigo? Por quê?

- Tem uma semana que você não sai de lá direito.

- Está difícil fazer esse cheiro que eu quero pro nosso teste.

- Eu imagino que esteja, mas não se pressione tanto com isto.

- Preciso dar o meu melhor para que dê certo.

- Você já está dando o seu melhor, só não acabe com a sua saúde no processo.

- Me desculpa!

- Não tem necessidade de se desculpar, só descanse um pouco. Bom, eu li em algum lugar que é parte do processo criativo descansar também. Uma mente cansada não trabalha bem!

- É, tem razão! - ela sorriu - Vou me preparar para dormir então e amanhã continuo.

- Nada disso! Amanhã já temos um programa: Vamos fazer um tour pela cidade.

- Acho que não tenho opção de dizer não, né? - cabisbaixa falou

- Vamos relaxar um pouco. Está precisando! - pegou nas mãos da prima - Como já disse, estou preocupado. E vai ser só um dia, eu prometo.

- Está bem! Vou preparar minha melhor roupa e a minha câmera para amanhã.

- Ótimo!

Os primos voltaram juntos para o lado de dentro, porque o dia seguinte prometia.


***


Théo acordou cedo, foi chamar a prima, eles tomaram café e logo desceram para a cidade. Pelo horário, as lojas já estavam abertas, assim como o pequeno museu de Charmosinha, que contava toda a história da cidade.

O carro foi estacionado numa das ruas principais e as ruas estavam cheias por algum motivo.

- Nossa, por que a cidade está lotada assim?

- Pelo que soube, um grande dono de empresa está na cidade hoje. Parte da imprensa veio para cá e umas tietes desse cara também. Ele está vendo a possibilidade de usar as nossas flores para o negócio dele.

- E qual é o ramo?

- Cosméticos, sabonete especificamente.

- A gente nem começou e já tem uma concorrência dessas?

- Nossa área são perfumes por enquanto, não é?

- Sim!

- Acho que ele não deve nos atrapalhar, ainda mais porque a zona de atuação dele é no Rio. Mas, vamos nos preocupar em começar… E relaxar! É o nosso objetivo hoje.

- Claro! Só espero que esta confusão não atrapalhe nosso passeio.

Primeiro, os primos foram para o Museu de Charmosinha, vendo lá fotos e mais fotos desde a fundação da cidade, o começo do cultivo de flores como principal atividade financeira e indo até os dias atuais, com as atrações turísticas que atraem centenas de pessoas todos os anos. Além das feiras, tem também o grande Festival das Flores, que acontece uma vez ao ano.

- Festival das Flores? Não tinha isso quando éramos crianças?

- Sim, só não tinha este nome. Antes parecia mais com uma festa julina.

- O vovô e a vovó não nos trouxeram uma vez?

- Sim! Ficamos o dia todo.

- Lembro que a vovó fez roupas para nós usarmos, os dois com xadrez. - ela riu

- É verdade! Uma pena que a festa perdeu essa parte, mas agora atrai bem mais gente. Tem um desfile com carros de flores, tem barracas com vendas de doces, comida, arranjos, várias coisas.

- E quando que vai ser a deste ano?

- Hum… - ele olhou em volta procurando algo e achou - Daqui uns quinze dias, segundo aquele cartaz. Eu falei que estava perto!

- É uma ótima oportunidade para a gente então.

- Não era para ser na feira? - ele fez careta

- Como você disse que atrai mais pessoas, creio que seja melhor no Festival.

- Faz sentido!

- Qual a próxima parte do nosso passeio?

- Bom, agora é visitar a igreja, que foi reformada e dar uma volta nas lojinhas. Depois, voltamos para casa.

- Só isso?! - reclamou

- A cidade não é imensa, você já sabia disso. Devemos estar em casa para o almoço.

- Que triste! Eu estou me divertindo.

- Bom, eu tenho um planejamento para quando chegarmos.

- Sério?! O quê?!

- Vou fazer um suspense. Só vai saber quando chegarmos.

Ela apenas assentiu, ansiosa pelo mistério da tarde e o restinho de passeio da manhã.

Os dois passearam pelas diversas lojas localizadas em duas ruas centrais da cidade, onde haviam roupas, bugigangas, lembrancinhas e algumas comidas. Ficaram tão distraídos que nem sentiram a hora passar e logo estavam de volta para o almoço.

- Divertiram-se na cidade, meninos? - a tia perguntou

- Sim, tia, e muito! - Bianca comentou - Acho que Théo tinha razão, eu precisava dar uma relaxada.

- Além disso, mãe, já temos um lugar perfeito para nosso teste de perfume.

- O Festival das Flores né? - o pai falou entrando no ambiente

- Exatamente! - a prima sorriu

O grupo sentou-se à mesa e comeu, num clima animado, que já havia dias que Bianca sequer notava, pois estava tão preocupada em produzir o bendito do perfume perfeito.

Após o almoço, Théo chamou-a para a segunda parte do dia de relaxamento.

- E aonde nós vamos?

- Não é muito longe, na verdade, é aqui dentro do sítio. - apontou para um casebre no alto - É lá em cima daquela colina.

- O cafofo do vovô Geraldo e da vovó Lúcia? Mas, o que teria lá?

- Memórias. Precisamos delas se formos seguir com o plano.

Bia deu de ombros e seguiu o primo. O pequeno cômodo ficava num dos pontos mais altos da propriedade e era onde os avôs guardavam coisas que não precisavam sempre. E eram lá que estavam boa parte das lembranças da família, incluindo as infâncias dos primos e as férias de verão.

Com cinco minutos de caminhada eles alcançaram o quartinho, que tinha a estrutura semelhante à da casa, com uma porta de madeira para entrar e apenas uma janela próxima a ela. O primo pegou a chave e abriu, acendendo a luz, pois o ambiente, mesmo no dia, ainda era bastante escuro. O lugar tinha tudo para parecer úmido, mas o sol que batia diretamente nas paredes no período da tarde era para evitar isto, assim como a única janela deixava apenas o mínimo de luz entrar para proteger o resto.

- Por onde começamos? - olhou para o primo

- Você escolhe!

- Pelos álbuns de fotos então. - disse apontando, pois já tinha visto a caixa.

Pegaram a caixa de madeira maciça e bastante grande e a abriram, vendo infinitos cadernos menores, todos constituídos de fotografias em seu interior. Foram puxando aleatoriamente e folheando-os. Viram fotos dos avôs mais jovens, dos primeiros dias do Sítio Amigo do Sol, as primeiras vezes que os girassóis foram para a feira; seus pais durante a infância; os animais do local; como a propriedade tinha mudado e diversas outras coisas. Até que chegaram na própria infância deles, vendo diversas fotos de si mesmos, fossem na plantação, no balanço, embaixo da árvore grande, sentados na varanda, porém, uma chamou atenção de ambos, pois era justamente do dia que comentaram mais cedo, da festa julina no centro da cidade. Os dois com roupas xadrezes, com a devida caracterização e penteados. Havia fotos deles perto da fogueira, dançando quadrilha, comendo milho cozido… Um sorriso se acendeu em seus rostos, de uma recordação gostosa e de uma época mais simples!

Não precisaram trocar nenhuma palavra, pois, assim como na infância, eles sabiam perfeitamente o que o outro estava pensando.

Logo, os álbuns de fotos terminaram, da mesma forma que tinha sido com a vida dos avôs. Primeiro foi o avô, quando eles mal entraram na adolescência. Depois foi a avó, quando ambos estavam na época do vestibular. E foi desta forma que a manutenção da propriedade passou para os pais de Théo.

- Uma pena que os registros fotográficos pararam logo aqui.

- A vovó era quem gostava de fazer, assim que ela faleceu, não teve ninguém para manter o hábito. O que é bem triste!

Guardaram a grande caixa em seu lugar e foram olhar mais outra coisa, naquele labirinto de memórias do pequeno cômodo. Tinham diários, registros do sítio, objetos importantes - como o violão do avô e a máquina de costura da avó -, roupas de ocasiões especiais - incluindo aquelas roupas xadrezes - e registros em vídeo, entre fitas cassetes e os DVD’s.

O Sol já estava se pondo no horizonte, indicando que era hora deles voltarem, pois a caminhada, mesmo simples, era bem mais difícil à noite.

- Podemos levar isso para assistir depois do jantar, o que acha? - sugeriu o primo

- Acho perfeito!

Então desceram com a caixa, que era bem menor do que a de fotos e voltaram para casa.

Os mais velhos até acharam estranho aquilo, mas ficaram animados pois foram convidados a revirar aquilo tudo após a refeição.


***


Assim que acabaram de comer, os quatro se sentaram e foram assistindo, um a um os registros em vídeo. A maioria foi feita através de uma filmadora antiga, então a qualidade da imagem não era tão boa. As imagens eram bem semelhantes com as das fotografias, os mesmos ambientes, os mesmos momentos. Só que o registro do movimento, presentes com as vozes e sons, faziam a nostalgia bater com muito mais força.

Eram muitas e seria impossível assistir tudo em um dia só. Os tios resolveram se recolher primeiro, pois tinham bastante serviço no dia seguinte, deixando assim os dois primos sozinhos na sala.

As horas foram passando e os dois nem perceberam, enquanto apenas iam trocando de fita em fita, de DVD em DVD. A ordem cronológica estava meio confusa, havia horas que se viam mais velhos ou mais novos. Théo acabou não resistindo ao sono e apagou no sofá. Já Bianca ficou vidrada até altas horas naquela televisão. Ela não sabia que horas eram, mas já devia estar perto de amanhecer… Empurrou uma fita para dentro do aparelho e deu o play. O que apareceu foram imagens daquela mesma festa julina que os primos recordavam. Ela se viu correndo e brincando, se divertindo. Porém, depois a cena corta para avô indo se apresentar no palco daquele evento, junto com seu violão. E ele disse o seguinte:

- Boa noite a todos os presentes na Festa Julina da Cidade de Charmosinha, eu sou Geraldo, um dos cultivadores de flores daqui. As minhas favoritas são os girassóis. E bom, tem três coisas que amo: as flores, a minha família e música. Então, pensando nos meus amados girassóis e nos meus netos… Dois deles estão aqui hoje… Resolvi escrever esta música, que dei o nome de: A pura nota do girassol. Espero que gostem!


E então, ele começou a tocar uma melodia, que era leve, suave e tranquila, sendo imediatamente reconhecida pela mente de Bianca e depois declarou os versos, que ela não se lembrava direito. Porém, quando chegou o refrão da música, que sentiu algo diferente. O refrão era o seguinte:


“Girassol, Girassol, la la la la la la…

A coisa mais pura do girassol é que ele sempre segue a luz.

Todos unidos sob o mesmo Sol 

Cantando uma melodia de esperança 

Com nossas vozes se juntando

O mundo gentil continua, com sua nota mais pura

Igual a um girassol.

la la la la la la…”


A canção terminou e aplausos ecoaram no recinto. Bia estava sentada no sofá, chorando, talvez de saudade dos avôs. No final da reação do público, ele falou:


- Obrigado! O girassol sempre me traz uma lembrança do verão, do calor, de buscar sua luz… De felicidade!


Aquela frase atingiu ela em cheio, talvez não pelo efeito da frase em si, mas por que deu a inspiração e encaixou a ideia de faltava para a montagem do perfume. Bianca desligou a TV e o aparelho depressa e correu até a garagem, indo terminar a sua missão.

Algumas horas depois, os tios acordam e encontram apenas o filho morgado no sofá. Cumprimentaram-no e falaram depois.

- Filho, cadê a sua prima? - o pai cutucou-o

- Ah? - olhou em volta - Cadê ela?!

- Será que não está na garagem? - observou a tia que a porta estava destrancada

- Vou lá ver! E chamá-la para comer… - o primo disse

Ele se levantou, deu uma lavada no rosto para despertar e foi procurar a prima, encontrando-a concentrada novamente em suas essências. Encostou na mesa e falou com ela.

- Bom dia, Bia.

- Ah, bom dia, Théo - e deu um longo bocejo

- Você dormiu esta noite?

- Não! Fiquei até tarde vendo as fitas e acabei tendo uma inspiração doida. E bem, acho que desta vez eu consegui.

- Conseguiu o quê?

- Produzir o cheiro que eu queria. - passou um pouco do líquido na pele do braço do primo - Experimente!

Théo cheirou o perfume em seu braço e foi transportado para memórias que há muito estavam adormecidas, com girassóis e aquele cheiro que só o período de férias com a prima tinha. Era difícil de explicar.

- O que é isso?

- É a pura nota do girassol. - sorriu - Assim como a música do vovô!

- Música?

- Aquele que ele sempre cantava. Durante a noite, junto da fogueira, enquanto a gente comia um lanche. Ou na Festa Julina da cidade. Depois te mostro o vídeo! - depois resolveu acabar o mistério - E ai? O que achou?

- É perfeito!


***


As semanas seguintes foram de uma enorme correria no sítio Amigo do Sol. Com o perfume teste definido, os dois primos correram para fazerem algumas unidades a mais - a prima ensinou o primo como fazer, pois precisavam de mais mãos - e também para montar uma imagem visual simples, já para começar a divulgação. Mas, primeiro, eles precisaram definir um nome para o novo negócio, que nem era tão novo assim, já que estaria ligado a plantação de girassóis e a propriedade. Então, o nome ficou Perfumes do Sol.

Bianca pediu auxílio de um amigo da cidade para a construção das etiquetas e para complementar a imagem visual. E em tempo recorde, eles tinham tudo isso pronto. Foi um pouco complicado, pois alguns dos materiais eram escassos na região, apenas indo para uma cidade maior que se encontrava.

Os tios ficaram super felizes de ver os primos trabalhando juntos e já estimavam que a nova empreitada daria bastante certo.

O tempo passou voando e logo estavam na véspera do Festival das Flores, já montando os últimos preparativos. Conseguiram uma pequena barraca para exibição, mas também ficariam passeando no evento para dar algumas amostras.

- Amanhã é o grande dia! - disse Bianca olhando o primo

Então, todos os quatro membros foram dormir, pois o dia seguinte prometia e muito.

Acordaram cedo, arrumaram as coisas e dirigiram até a cidade. Assim como foi no dia da feira, arrumaram o estande todos juntos, deixando o mais lindo e chamativo possível.

Quando deu o horário, todos eles já estavam a postos, prontos para capturar aqueles turistas e fazer deles a sua clientela.

Os dois primos ficaram na barraca, enquanto os tios estavam perambulando no evento com cestinhas lotadas de pequenas amostras da fragrância criada por Bianca.

O evento estava lotado, tanto que era impossível ver buracos em meio a multidão. Diversas pessoas passaram pela barraca, fosse porque acharam interessante ou porque foram indicados pelos mais velhos a ir ali.

E foi assim que os primeiros frascos de “pura nota do girassol” começaram a ser vendidos e as peças fabricadas tinham seus destinos.

Durante todo o trabalho, Théo e Bianca fizeram questão de cantar a canção do avô - que ela fez questão de mostrar no vídeo depois - tudo para trazer as lembranças da avó e do avô para aquele momento, como se pedindo uma proteção.

Eles estavam tão distraídos que nem perceberam que uma grande celebridade parou para observar sua humilde barraca, era justamente o CEO daquela empresa que esteve na cidade poucas semanas antes.

- Boa tarde, senhores. - disse sorrindo - Que interessante temos aqui. - pegou um dos frascos - Pura nota do girassol… Perfumes do Sol… Nome interessante!

- Quer experimentar o cheiro? - Bianca sugestionou

- Claro, vim aqui para isso. - ele estendeu o punho para que ela borrifasse parte do líquido ali - Sabe, o Festival inteiro só fala deste perfume.

O CEO colocou o pulso perto do nariz e fungou, sentindo o aroma. Ele fechou os olhos, se concentrando… Foram alguns segundos de silêncio, com todos ao redor esperando ansiosamente a reação dele.

- O que achou? - Théo resolveu acabar com o silêncio

- É diferente… - pôs a mão no queixo - Não sei descrever, porque ele me traz muitas sensações diferentes.

- Como? - a prima estava curiosa

- Tem um frescor, que vem do floral do girassol, mas lá no fundinho, ele é acolhedor, como uma casa bem protegida do frio… O tom suave amadeirado no final. - ele olhou para os dois, como se procurasse uma reposta. - Quem foi que criou isto?

- Fui eu! - ela sorriu

- É uma perfumista experiente, eu suponho. 

- Trabalhei com os melhores, então tenho meus créditos.

- Eu até te ofereceria um cargo na minha empresa. Posso imaginar que tipos de cheiros é capaz de criar, mas imagino que seu foco seja isto. - apontou para a barraca - A coisa familiar!

- É sim, senhor! - cruzou os braços

- Não é uma crítica. Pois, pelo que vejo aqui, vocês dois tem futuro nisso. Só... Continuem trabalhando. - ele riu - E outra coisa: vou levar um! Quanto é?

- 15 reais! - respondeu o primo

- Só isso?!

- É apenas um teste durante o evento. Claro que depois o valor vai aumentar… Aproveite a promoção!

- Claro!

Ele pagou e saiu maravilhado com aquela pequena alegria presente num frasco tão pequeno. E quem estava por perto e viu a cena, fez questão de levar o que sobrara. Então, na metade do evento, os dois primos já tinham esgotado a primeira remessa da Perfumes do Sol. Os dois pularam e comemoraram o sucesso do que queriam e tinham esperança de que desse certo.

Foram depois aproveitar o Festival. Passearam, dançaram, comeram, se esbaldaram, igual a duas crianças felizes.

Mais para o final da tarde, houve o Desfile das Flores, com pessoas enfeitadas como arranjos vivos e carros alegóricos trazendo coroas de flores enormes, outras em formatos de animais. Tudo muito bonito e colorido.

Todos aplaudiram quando o desfile terminou e a festa prosseguiu. A família toda perdeu a noção da hora e só percebeu que era tarde pois os turistas começaram a ir embora, o que era um sinal que eles deveriam fazer o mesmo, pois o novo trabalho só havia começado.

Arrumaram as coisas, botaram no carro e foram para o Sítio.

- Uma pena que o festival acabou. - comentou o tio - Significa que mais um verão acabou.

- E ocê vai ficar, Bia? - a tia jogou

- Claro que vou ficar! Agora temos um negócio para tocar. - falou olhando para a prima.

E sim, agora eles tinham muito mais coisa para fazer…

Aquela experiência, ou melhor, início dela foi bastante divertida, trazendo de volta as memórias de férias de verão, dos girassóis, dos avôs e aquela canção que por pouco não foi esquecida. O frescor do calor, junto com o acolhimento e aconchego da família.


***


"Ele foi salvo como uma coisa natural, com bondade insubstituível.

Sua presença que ecoa em seu coração te dá coragem muitas vezes

Ouça e levante seu rosto

Conecte coração a coração

juntos


Vamos todos nos conectar aqui

Cante a melodia da esperança

Suas vozes se sobrepõem

Um mundo gentil continua"


(Purest Note - Minori Chihara)

 
 
Copyright © Contos Anê Blog. All Rights Reserved.
Blogger Template by The October Studio