terça-feira, 28 de junho de 2022

Chá para Dois - 12 Meses com Minorin: Junho

 

"Com um café sozinho na janela e um rosto misterioso

Você está aliviado ao me notar acenando?

Não tem jeito...

 

(...)

 

Porque é minha paixão, não posso perdoar tudo

Porque é um amigo, não posso falar de tudo

Chá para dois, mas duas pessoas são mais confortáveis ​​do que uma

Porque é chá para dois, você sempre pode ligar"

 

(Tea for two - Minori Chihara)

 

***

 

Mais um final de tarde e o meu café chamado Coffee & Jewelry está lotado como sempre. Já faz uns anos que abri este estabelecimento e num dia dos namorados inventei de fazer uma bebida especial e comemorativa, que dei o nome muito criativo de Tea for Two - Chá para dois, num bom inglês - e foi justamente ela que deu uma virada nos meus negócios. Tanto que esta bebida faz parte do cardápio permanente do café.

E com o decorrer do tempo e das histórias e do boca-a-boca, surgiu uma lenda ou superstição acerca da “Tea for Two”. Que ela é uma bebida mágica, que ela une casais, que ela traz o amor verdadeiro… Mas, a que mais teve força foi: se alguém beber esta bebida com o seu amor, sua relação durará para sempre!

A Tea for Two nada mais é do que uma bebida gelada usando café, chocolate, sorvete e uns pedaços de morango. Foi uma receita que levei muito para aperfeiçoar e sou muito orgulhosa dela.

Desde que a história se espalhou, totalmente fora do meu controle - e de uma forma perfeita para os negócios -, tenho observado todos os tipos de casais que chegam aqui e pedem um Tea for Two. Casais de diferentes orientações sexuais, gêneros, origens, cores, estilos, enfim: diversos.

Já notei também que a maioria que vem já tem um relacionamento estável, seja com alguns meses ou semanas e acreditando ser o amor eterno um do outro, tomam a bebida juntos, tirando umas fotos para as redes sociais e saem felizes e sorridentes.

Não faço ideia de como essas histórias se seguem, pois boa parte deles sequer retorna aqui. Um ou outro casal sei que ainda está junto, pois são clientes assíduos do café.

Porém, recentemente, uma figura tem me chamado a atenção.

Uma jovem, que aparenta estar na casa dos seus 20 anos, justamente aquela fase em que costumamos sonhar e acreditar muito no amor incondicional e eterno. Digo isto porque eu já fui, assim como ela, uma romântica sonhadora, atualmente sou uma romancista realista.

A primeira vez que ela veio, estava acompanhada de um rapaz da idade dela e eles pediram um Tea for Two. Ela inclusive parecia mais animada do que ele por estar ali, o que é algo bem comum nos casais - os héteros principalmente: a mulher estar mais empolgada que o homem.

O rapaz que era seu acompanhante não conseguia esconder a sua expressão de desdém. Na minha experiência vivendo e vendo relacionamentos, não seria a minha bebida mágica que faria aquela relação ser eterna. O que se confirmou ainda mais quando ouvi o diálogo:

— Não sei por que viemos beber esse chá ridículo.

— Já disse, ele é mágico e com ele vamos ficar juntos para sempre.

— Essas superstições são bestas. Não sei ainda porque acredita nisso!

— Você quer parar de criticar e aproveitar o momento?

— Estou fazendo isso!

— Não parece!

Conforme pedido pelo casal, a bebida foi entregue. Eles tomaram, cada um usando o seu canudo colorido e avermelhado em cada um dos lados. A garota tirou fotos dos dois, completamente feliz e aproveitando o momento. O rapaz continuava com a mesma careta.

E infelizmente, eu estava certa quanto ao futuro deles! 

Não faço ideia de quanto tempo depois, mas ela retornou acompanhada de outro homem, na mesma faixa de idade e a experiência foi semelhante a anterior.

Daí por diante, esta jovem se tornou uma das “figurinhas carimbadas” e uma das clientes mais assíduas da loja, principalmente acompanhada. Sempre levava um homem diferente e faziam sempre o mesmo pedido: Tea for Two.

Tanto eu quanto meus funcionários nos tornamos os maiores especuladores sobre a história e os motivos daquela garota se sujeitar a tantos encontros péssimos com caras péssimos, bebendo algo que acreditava ser milagroso, talvez querendo que a relação desse certo, mas não era isso acontecia.

Por meses, longos meses, essa situação prosseguiu. Na verdade, a gente já ficava esperando ela aparecer, porque ela sempre vinham ao menos uma vez ao mês com o seu escolhido da vez e era impossível não comentar sobre.

E mais um dia dos namorados se aproximava, estávamos naquela correria por conta do extenso número de reservas para esta data. Nossa enigmática “apaixonada pelo chá” - apelido que demos a ela - não aparecia já havia umas semanas, mas nossa expectativa é de ela surgisse dentre as reservas.

Estávamos preparando um cardápio especial para a data, com tudo o que fosse possível de ter rosas e corações. Sem contar que nossos estoques dos ingredientes para o Tea for Two estavam cheios, justamente o dia em que ele saia aos montes.

Prometia ser um Dia dos Namorados daqueles, como sempre!

 

***

 

A tão esperada data chegara e com ela toda a agitação que trazia, sempre precisava de um ou dois dias de folga depois disso para me recompor da loucura.

Estávamos com as reservas lotadas para o dia inteiro, já que este Dia dos Namorado fez questão de cair num final de semana. Pouco antes de abrirmos, a fila já estava longa do lado de fora. Chamei a minha equipe e conversei com eles:

— Pessoal, este é um dos dias mais importantes aqui na Coffee & Jewelry. Hoje é o dia em que a Tea for Two é mais vendida. A fila lá fora já está repleta de casais esperando o amor eterno que só nossa bebida gelada pode proporcionar.

— Sei que estarão muito cansados no final deste dia. - acrescentou minha gerente - Mas, prometo que estarão felizes.

— E todos estarão de folga amanhã! - completei sorrindo - Agora, ao trabalho!

Uma salva de palma e um alvoroço se seguiram, os funcionários estavam empolgados - talvez por causa da folga no dia seguinte.

Abrimos e em poucos minutos o nosso salão estava lotado. A cozinha estava a pleno vapor e todos os casais estavam saindo satisfeitos. O que mais via eram as câmeras levantadas para uma foto aqui e ali.

— Rebeca, estamos explodindo de marcações. - comentou a funcionária que estava gerenciando nossas redes sociais naquele dia

— Isso é ótimo! - comentei alegre e pedi depois - Não se esqueça de fazer imagens do salão e das nossas bebidas, nem que seja para ficar guardado e irmos postando depois.

— Pode deixar! - assentiu e foi fazer conforme solicitado

Observava o entrar e sair de pessoas da Coffee & Jewelry, mas eu confesso que, como a maioria dos funcionários, procurava nossa “apaixonada pelo chá” em meio a multidão. Eu tinha acordado com eles de que a atenderia pessoalmente caso viesse. E bem, eu já estava ajudando no atendimento, pois este dia era o mais pedia, então, estava unida a minha equipe nas funções.

E qual não foi a minha surpresa ao vê-la aparecer, obviamente acompanhada de um rapaz diferente.

Nossa maitre levou-os a uma das mesas que ficava do lado do vidro que dava vista para a rua. A funcionária me olhou, fez um gesto para mim e eu fui para atendê-los.

Ao me aproximar, vi a mesma cena de sempre, ela muito animada e o seu acompanhante indiferente à situação.

— Boa tarde, casal, sejam bem-vindos! Aqui estão os cardápios, fiquem à vontade para escolher! Qualquer coisa, só me chamar, meu nome é Rebeca.

— Obrigada! - a moça respondeu ao pegar da minha mão - Espera! Você não é a dona daqui?

— Sou sim! O dia de hoje está bastante agitado, então todas as mãos são necessárias hoje.

— É um prazer ser atendida por você. - ela abriu o cardápio e fingiu olhar, mas que sabia bem o que ela ia pedir - Bom, eu quero um Tea for Two, acompanhado dos waffles de coração com chocolate.

Anotei o pedido e olhei para o rapaz, que parecia muito sério com o cenho franzido.

— E o senhor?

— Apenas um café expresso, sem açúcar.

— Tudo bem! - rabisquei a linha seguinte com o pedido dele - Com licença!

Retornei ao balcão e entreguei a comanda na cozinha, sendo logo em seguida abordada por uma das garçonetes.

— E ai? Palpites sobre o pretendente da vez?

— Igual aos outros. - comentei - Deve ser outro primeiro encontro.

— Eu fico com uma pena do dedo podre dela, tadinha. - falou outra funcionária que chegara

— Eu me pergunto onde que ela arruma esses trastes. - retruquei

— Alguma aposta sobre qual vai ser o resultado? - a voz veio da cozinha

— O mesmo de sempre! - outro cozinheiro falou - Ela vai voltar aqui no mês que vem com mais um.

— Vamos ver como vai se desenvolver… - completei

Como nosso salão estava bastante barulhento, não dava para ouvir a nossa conversa, ainda bem!

Eu sei que é bastante feio ficarmos comentando da vida de alguém, mas todos nós nos encarecemos da situação da nossa cliente. Quantos de nós já não passamos por algo semelhante a ela? De tentar a todo custo encontrar alguma cara-metade, uma alma gêmea, um companheiro, alguém para contar, mas sempre acaba achando tudo, menos aquilo que mais se quer?

Talvez ela só esteja procurando uma fórmula mágica para que o que deseja dê certo e é por isso que pede desesperadamente a Tea for Two toda vez que vem aqui.

Levou alguns minutos até que o pedido estivesse pronto, mas me peguei observando o casal e eram as mesmas cenas de sempre: ela tirando fotos, tentando conversar, puxar algum assunto, enquanto a outra parte apenas se atentava ao que estava acontecendo na tela do seu celular. Aquilo não ia mesmo acabar bem, especialmente para a minha cliente assídua.

Com auxílio das bandejas, levei tudo até a mesa, posicionando a bebida principal no centro, o café na direção do rapaz e os waffles na direção dela.

— Bom apetite! Qualquer coisa, só me chamar.

— Obrigada, Rebeca.

E me afastei, indo cuidar de outras mesas, pois a rotatividade era grande. De vez em quando, olhava para aquela mesa e não havia nada de novo para acontecer. Não era mesmo uma bebida gelada que ia dar um relacionamento perfeito àquela garota.

Eis que, todos os presentes no restaurante, tomamos um susto daqueles. Vindo daquela fatídica mesa, o rapaz levanta abruptamente da cadeira, derrubando as coisas na mesa - e fazendo o favor de fazer uma lambança daquelas por conta do líquido ter caído no chão. 

Em seguida, ele vocifera:

— Você é simplesmente maluca! Maluca! Bem que o meu amigo tentou me avisar que você ia me arrastar para este lugar e me fazer beber isto com você. A gente se conhece há uma semana… Não quero compromisso e nem promessa de amor eterno! Vocês mulheres nos arrastam para umas coisas… Sua louca!

Até aquela altura, várias pessoas já estavam com os celulares a postos e filmando a cena. Enquanto isso, a garota apenas se mantinha impassível, de cabeça baixa e eu podia perceber que ela já chorava, mesmo com o cabelo tampando o rosto.

— Algum problema, senhor? - indaguei

— Diga você. Fica vendendo esta ilusão de amor eterno na sua cafeteria!

— Como é? - fiquei incrédula que ele quis falar mal da Coffee & Jewelry

— Isso que você ouviu. Você fica ganhando dinheiro às custas dos outros, ainda mais com esse chá mágico. - ele ainda falava alto

— Senhor, fale baixo, por favor! Está incomodando os outros clientes.

— Estou falando para que todos ouçam! Esse Tea for Two é uma farsa. É só uma desculpa besta para fazer vocês gastarem dinheiro pensando que ficarão juntos para sempre. É mentira!

Eu não acredito que este cara resolveu fazer isto, justo neste dia. Acho que estava bem claro para todo mundo que o mito do Tea for Two era só uma história, mas as pessoas vinham para provar a bebida, pelo ambiente e por muitos outros motivos. Mas, acho que este abençoado tomou a história como uma verdade daquelas. E ainda fez o favor de fechar a tampa do caixão com o seguinte:

— Tinha que ser uma ideia de mulher.

— Senhor, peço que se retire imediatamente.

— Não fico mais um segundo aqui nesta espelunca.

— Ótimo então! Agradeço por estragar o dia de todo mundo presente aqui, falando sobre uma coisa que é bastante óbvia. Inclusive, muito bom o tratamento à sua acompanhante. - ironizei, enquanto eu mesma o levava em direção a saída

— Ela é louca, já disse. Me trouxe aqui para beber isto achando que vou ficar com ela.

— Ela tentou. E infelizmente, você não é flor que se cheire.

Depois desta cena ridícula e que foi filmada por muitos - e que já devia estar rolando nas redes sociais -, respirei fundo e fui falar com a minha cliente que foi abandonada de novo naquele café, mas dessa vez com um teatro horroroso.

— Você está bem? - indaguei ao me sentar na cadeira onde estava o rapaz segundos antes

— Estou sim. Obrigada! - manteve a cabeça baixa

— Ei, olhe para mim. - pedi

Ela fez conforme falei e pude ver seus olhos marejados e ainda vermelhos de tanto chorar. Peguei um guardanapo e dei para que ela secasse as lágrimas. Decidi que ficaria ali até que ela se acalmasse.

— Desculpa por ele.. - soltou

— Não peça desculpas por aquele traste!

— Eu não sei por que nunca dá certo. - desabafou - O que estou fazendo de errado?

— Talvez só não esteja procurando no lugar certo. - comentei

— Faço tudo o que mandam os manuais, me arrumo, tento ser agradável, ser madura, responsável e fazer coisas românticas e bem, trazê-los para beber o Tea for Two. Mas nada disso adianta.

— Talvez não exista uma fórmula que faça dar certo, as coisas só se encaixam e dão certo, mas com as duas partes sendo elas mesmas.

— Por que o amor é tão complicado?

— Não é complicado, nós que complicamos. - refleti - Talvez essa busca de um ideal, um amor perfeito e eterno é que nos deixe assim.

— Olha, eu sei que você deve estar me achando uma boba por causa disso tudo…

— Eu falei alguma coisa? - fiz careta - Sei muito bem que é uma cliente assídua daqui.

— Sempre trazendo os caras errados. - ela concluiu

— Isso é detalhe! Pergunta sincera: Por que esta busca?

— Nem eu sei, para ser sincera. Sempre me disseram que eu só seria feliz se tivesse um companheiro ao meu lado e eu nunca contestei isso, só segui a corrente.

— Essas coisas que enfiam nas nossas cabeças.

— É verdade! - ela suspirou - Estraguei o dia dos namorados de todo mundo.

— Quem estragou foi aquele cara, não se culpe por nada.

— Obrigada! - ela sorriu - Vocês sempre me atendem tão bem!

— Somos assim com todos que frequentam aqui. Só fique tranquila e aproveite o resto da sua refeição. Hoje é por conta da casa!

Terminei a frase, me levantando, mas sem deixar de dizer o seguinte:

— Só para deixar claro, não é estar ou não acompanhada que determina se seremos felizes ou não. Imagino que já saiba disso, só espero que finalmente entenda.

Ela sorriu novamente, agradecendo o conselho.

Eu realmente estimo que aquela menina entenda que não é um relacionamento que vai determinar a vida dela. Acho que todas as pessoas deviam saber disto.

Mesmo depois do incidente, os clientes e a agitação do dia continuaram, como dentro do nosso esperado.

 

***

 

Na semana seguinte, estávamos num dia mais tranquilo de atendimentos, num horário no meio da manhã, quando um homem apareceu e foi falar diretamente comigo:

— Bom dia, você é a Rebeca, dona daqui?

— Sou sim! Do que precisa? - eu já pensava ser alguma reclamação ou algo do gênero

— Eu sou Gabriel, jornalista e tenho um blog próprio, onde indico bons lugares para visitar. Bom, me indicaram o seu café para uma matéria. Posso fazer umas perguntas?

— Claro! Por favor, escolha um lugar para fazermos a entrevista. Quer beber algo?

— Um chocolate quente!

Aquela situação já acontecera algumas vezes, então eu já sabia como lidar com isto. E bem, não era nada demais, costumam ser matérias de indicações de bons lugares para conhecer; para ir com amigos ou namorados; sobre ser uma mulher empreendedora; esse tipo de coisa ajudava e muito na divulgação do café para outros tipos de públicos. Se bem que nunca tinha me aparecido um blogueiro até então.

Pedi a uma das garçonetes que preparasse as bebidas para nós.

O rapaz se acomodou numa das mesas próximas ao vidro e pegou o seu gravador e um bloco de anotações. Vamos ver que tipos de perguntas teria que responder.

Trazendo os chocolates em uma bandeja, coloquei-os sob a mesa, me ajeitei na cadeira e logo falei:

— Pode começar!

— Claro! - levou um segundo para ele perceber, pois estava prestando atenção em outra coisa em mim

As perguntas se seguiram dentro do que era o padrão: quando o café abriu, porque o abri, quais eram meus maiores prazeres e dificuldades com este negócio, como é ser uma mulher que tem o seu próprio café. Mas, todas pareciam algumas perguntas para encher linguiça e chegar logo no assunto que o garoto queria.

— O Coffee & Jewelry é um dos mais movimentados e disputados da região no Dia dos Namorados, desde o surgimento da Tea For Two. Pode contar como surgiu essa história de bebida mágica? E qual é toda a mitologia em volta dela?

— Bom, começou sem querer. Estávamos no primeiro ano de funcionamento, o primeiro 12 de Junho que viria e queríamos encher o caixa e fazer o negócio respirar um pouco. Então, montei todo um cardápio especial para a data, deixando-a ainda mais temática e o Tea for Two estava dentro deste pacote. Porém, é uma bebida gelada com café, o que não costumam gostar muito por aqui, achei até que fosse sair pouco, mas no dia foi um sucesso. Os casais que vieram aqui saíram maravilhados com o local e foram espalhando sobre. E sendo sincera com você, eu nem sei em que ponto surgiram as histórias de amor eterno que a Tea for Two promete.

— Do que é feito o Tea for Two?

— Ingredientes até comuns. Café, morangos, sorvete, mas tem aquela pitada de amor e o toque especial que só nós sabemos fazer.

— Então, você não acredita que a sua maior bebida seja mágica?

— Mágica ela é, mas não do jeito que falam.

— E se eu disser a você que existem casais que se encontraram aqui pela primeira vez, beberam o Tea for Two e estão juntos desde então?

— Você pesquisou isto?

— Sim! Entrei em contato com alguns deles e já os entrevistei.

— A sua matéria é só mesmo sobre um lugar legal para conhecer?

— Em parte sim! Por outra, quero desmistificar essas histórias de fórmulas mágicas de amor.

— Até porque, não existe fórmula para ele.

— Concordo plenamente!

— Bom, eu tenho um caso que pode ajudar na sua reportagem, posso passar o contato dela talvez.

— Eu tenho alguns casos que também não deram certo, mas esse pode ser interessante.

Contei brevemente sobre a apaixonada pelo chá, sobre ela e todas as suas tentativas fracassadas com os acompanhantes. Falei até sobre a cena no último Dia dos Namorados.

— Caramba! Então, ela é a moça de cabeça baixa nos vídeos que circularam?

— Sim, é ela mesma! É uma cliente assídua, como falei.

— A história dela terá que ser tratada de uma forma bem delicada… Talvez mantendo-a anônima. Passe-me o contato dela, por favor. Não me custa tentar!

— Espero que seja um bom ponto ao tema que quero levantar no artigo, mas não quero abusar da imagem da garota.

— Fico feliz por se preocupar com isto. Ainda mais depois do que houve!

— Eu estava aqui naquele dia. Acabei vendo a cena!

— É sério? Estava com quem?

— Com a minha, agora, ex-namorada.

— Sinto muito!

— Não sinta. Nossa relação já não ia bem e ela achou que a sua bebida resolveria tudo como um passe de mágica.

— E por que está fazendo esta matéria então?

— Ela me trouxe aqui, me fez beber e mesmo assim terminou comigo. Acho que quero fechar este ciclo. - e riu

— Seria muito abuso querer saber do desenvolvimento deste artigo?

— Não, venho aqui lhe contar do progresso sempre que possível.

— Vou pegar o contato da moça. Só um instante!

Abri no computador, olhei o nome dela - Laura - nas reservas e num pedaço de papel anotei o nome e telefone dela. Retornei à mesa e lhe entreguei.

— Obrigado pela atenção!

— Por nada. Nossos clientes são sempre bem vindos! - sorri

Ele recolheu suas coisas e saiu, me deixando bastante curiosa sobre a bendita matéria que está escrevendo para o blog dele, que eu esqueci completamente de perguntar o nome.

 

***

 

Diversos dias se passaram, sem nenhum sinal do repórter independente e muito menos da apaixonada pelo chá, mas, mesmo que estivesse ansiosa com os desfechos, não havia nada que pudesse fazer além de esperar.

Como a data mais importante do ano para nós já passara, a rotina estava tranquila como sempre. Coffee & Jewelry estava sempre cheio, só que não era nem 10% da loucura daquela tarde/noite de namorados. Então, todos os meus dias de trabalho seguiam a mesma rotina. Eu e todos os meus funcionários queríamos muito saber a quantas andava a cliente que era fruto de boa parte de nossas conversas e se ela apareceria novamente com um pretendente. Até que tivemos a nossa resposta!

Num final de tarde, ela surgiu e pela primeira vez aparentava estar sozinha ou talvez estivesse esperando alguém, sentando numa mesa próxima ao vidro. Houve uma breve briga entre os garçons para ver quem pegaria seu pedido. Tiraram no zerinho ou um. O vencedor comemorou como se fosse a loteria - se bem que esta é a da fofoca, que vale bastante.

Enquanto o sortudo recolhia o pedido dela, todos nós outros ficamos apreensivos e ansiosos. Cerca de alguns segundos depois, o funcionário retornou e cantou o pedido.

— Bolo de chocolate e capuccino para a mesa 10!

— Sem Tea for Two? - indagou uma

— Por enquanto, sim! - respondeu

— Isso é tão estranho. - falou outro

— Talvez o último ocorrido ainda a afete. - tentei justificar

— Inclusive, - o sortudo comentou - ela quer falar com você.

— Pode deixar que eu irei lá.

Sai de trás do balcão e caminhei em direção a mesa, vendo-a distraída olhando as pessoas passando na rua, já que era o horário de voltar para casa.

— Boa tarde! - cumprimentei - Queria falar comigo?

— Ah sim! - sorriu

— Posso me sentar?

Ela assentiu. Depois de alguns breves segundos de silêncio, começou:

— Enfim, deve achar estranho eu estar de volta aqui… Ainda mais depois daquilo tudo.

— Não foi sua culpa.

— Já deve saber do homem que está escrevendo uma matéria sobre o café né?

— Claro! Ele passou aqui e falou comigo. - e já me antecipei - Eu quem lhe passei seu contato. Peço perdão se foi abuso meu!

— Não foi, imagine. Na verdade, marcamos de nos encontrar aqui, para a entrevista. - ela se mostrava alegre - Finalmente vou poder mostrar o meu lado… Muitos me julgaram, ainda mais depois do vídeo.

— Vai colocar seu nome na matéria?

— Por que eu não colocaria? Não é vergonha nenhuma o que eu fiz, mesmo que estivesse um bocado desesperada. Depois do ocorrido e daquela nossa conversa, eu percebi que a pessoa que me vai me fazer feliz sou eu mesma.

— Fico feliz em saber disso!

— Eu que agradeço por tudo.

— Senhoritas! - era o blogueiro que falara comigo dias atrás

— Bom, vou deixar vocês à vontade para a entrevista. Gostaria de pedir algo? - me virei ao homem

— Um chocolate quente, por favor.

— É para já!

Retornei ao balcão e fui enchida de todas as perguntas. Se o repórter era o novo interesse amoroso dela, se seria só aquela entrevista mesmo ou se havia algo mais; Sobre o que havíamos conversado; Como foi a repercussão do vídeo na internet para ela. Dava para montar um livro gigante com todas as histórias que meus funcionários inventavam acerca dos nossos clientes.

Os dois ficaram lá bastante tempo conversando, com um gravador posicionado bem no meio dos dois. Em diversos momentos, dava para ver os dois rindo. Ainda bem que tinha ficado tudo leve para ela e não guardava ressentimentos e nem arrependimentos de todas as falhas que cometeu. Aliás, era certo ela não sentir nada, ela só estava tentando ser feliz e quem de nós não está, não é?

No fim, a garota se despediu dele e saiu. O rapaz permaneceu sentado fazendo anotações em seu caderno e digitando no computador portátil alternadamente, enquanto terminava de beber seu chocolate. Levantou a mão, chamando um atendente, que foi até lá e em seguida direcionou o olhar até mim, como que dizendo: ele está te chamando aqui. E fiz conforme uma expressão me comunicou.

Aproximei-me e me sentei na cadeira diante dele.

— Como foi a entrevista com a nossa personagem? - perguntei curiosa

— Foi ótima! Ela foi super aberta e sincera, vai acrescentar bastante na matéria.

— Que legal! - sorri

— Enfim, lhe chamei aqui pois quero lhe mostrar como está ficando… - disse virando a tela de cristal brilhante para mim

— Ah, claro!

O que estava aberto era um texto enorme, dava para ver que estava se dedicando e muito àquela ideia. Passei o olho rapidamente, tentando fazer uma leitura dinâmica e observando os principais pontos. Vi que ele fez uma pesquisa bem extensa sobre o surgimento do Coffee & Jewelry e várias outras entrevistas com clientes - perguntando sobre o que atraia eles ali e outras coisas - e contando suas histórias, as boas e as ruins. E mais lá para o final que contava sobre sua experiência desastrada com a ex e se levantava o grande ponto: existe alguma fórmula secreta para o amor? Uma parte dela está em beber o Tea for Two?

— E ai? O que acha? - questionou ansioso

— Eu adorei!

— Ah, que bom! Achei que ia querer me matar, porque eu tecnicamente direi que sua bebida mágica não funciona. - e riu - Falta só incluir a parte de hoje.

— Esperarei ansiosa para ler este final. Inclusive, esqueci de perguntar: qual o nome do seu blog?

— B Rhythm!

— Mas não é sobre música…

— Ele era sobre música quando criei. Ainda falo de vez em quando, é que quis abranger o leque de opções.

— Entendi! Vou deixar terminar seu chocolate em paz!

— Antes que vá… É… Bom, é que eu queria fazer outra matéria com você, sobre mulheres bem sucedidas, mas esta é para um freelance meu. Será que posso?

— Não precisava nem perguntar! - disse me levantando - A gente marca!

E retornei ao meu lugar no balcão, observando um cliente aqui, outro ali, atendendo mais um acolá e assim terminando mais um dia de trabalho no meu próprio negócio.

 

***

 

Diversos meses se passaram… A “apaixonada pelo chá”, ou melhor, a Laura, desapareceu depois daquele dia. O Gabriel se tornou uma figurinha carimbada e companhia frequente, ainda mais depois das três matérias que fez falando sobre o meu café. Uma de divulgação do ponto, outra sobre a eu empreendedora e a última com seu questionamento sobre o Tea for Two, que ficou intitulada: Um Chá Mágico traz mesmo o amor eterno? Existe fórmula mágica para encontrar sua alma gêmea?

Muita gente veria aquilo como um marketing bastante negativo, mas o que aconteceu foi ao contrário, muito mais gente foi atraída, mas mais para conhecer o café do que para tentar se juntar com alguém ou tentar salvar um relacionamento falido.

Não adianta, meu café é muito frequentado por casais mesmo, acabou sendo a marca registrada.

Passou o Natal, o Ano Novo, o Carnaval e mais um Dia dos Namorados estava à nossa espreita e eu resolvi criar outra bebida especial para a data, assim como foi com a Tea for Two.

Eu estava em casa, que fica num sobrado e apartamento logo acima do café, acompanhada do meu agora amigo jornalista, testando os últimos detalhes para declarar oficialmente qual seria a receita. Já tinha feito várias experimentações, mas o ingrediente que ficou foi o chocolate, acompanhado de umas doses de menta e hortelã, sendo quente e refrescante. Ela estava pronta e perfeita, do jeito que eu queria.

Minha cozinha estava inebriada pelo aroma de chocolate quente e biscoitos frescos em formato de coração - outro teste de receita, enquanto Gabriel estava escrevendo uma matéria. Ao finalizar, chamei-o para degustar. Ele logo respondeu e veio até a cozinha. Pegou a xícara com a bebida e tomou, fechando os olhos e parecendo ter gostado.

— Uma delícia! Já pensou em um nome?

— Pensei em chamar de Koi…

— Koi? Como assim?

— Significa amor, mas algo como “amor eterno” ou algo assim, não tem uma tradução tão certa do japonês.

— Você diz que não acredita em fórmula mágica, mas fica inventando um monte delas.

— Olha, eu tento só fazer umas bebidas gostosas.

— Vai me dizer que esta será a irmã mais nova da Tea for Two?

Apenas assenti, rindo sem graça. Ele colocou a xícara na bancada e, de surpresa, me puxou para perto dele e me deu um beijo. Seus braços se embalaram na minha cintura e eu me pendurei em seu pescoço, sem separar nossos lábios. Eu já estava sentindo alguma coisa por ele havia um tempo, só não fazia ideia de ser correspondida. O mais gostoso desse beijo foi a mistura do sabor dele com o da recém batizada Koi.

Quando nos desvencilhamos, ele sorriu meio sem jeito e soltou:

— Tinha muito tempo que eu queria fazer isto.

— Ainda bem que o fez!

Depois disso, uma sequência de beijos se seguiu, a gente se embolou na minha cama e começou a descobrir um amor novo, totalmente nosso.

 

***

 

Eis que finalmente chegou o Dia dos Namorados e como sempre, o café estava naquela agitação, lotado de reservas e com bastantes pedidos da Tea for Two. A inédita Koi estava também sendo muito pedida, ainda mais porque pus um banner enorme dela na entrada. Mas, o slogan da bebida era simplesmente: Quente e refrescante como um primeiro beijo. Sim, inspirado no que acontecera na minha casa, com o meu agora namorado, que inclusive decidiu ajudar neste dia.

Para nossa surpresa, ou talvez nem tanto, Laura cruzou a porta, acompanhada de um homem sorridente, assim como ela também estava radiante. O casal entrou de mãos dadas e sentou numa das mesas com bancos estofados, no fundo do café. Fiz questão de ir atendê-los e já dava para perceber a energia diferente deles. Pude ouvir brevemente antes de alcançar o campo de visão deles.

— Você fala tanto deste café que tínhamos que vir! - o rapaz disse

— Eu gosto muito daqui, mas mais pela comida… Não tenho lembranças muito boas daqui.

— Vamos criar lembranças boas a partir de agora, como sempre fazemos.

E então, eu cheguei, interrompendo a conversa.

— Boa noite! O que vão querer?

— Ah, oi, Rebeca! - ela disse e se virou para ele - Esta é a dona do café.

— E veio nos atender?

— É um dia bastante movimentado, toda ajuda é bem-vinda.

— Chegou a ler a matéria comigo? - ela questionou

— Mas é claro que eu li. - sorri - Inclusive, tenho uma novidade.

— Vocês estão namorando, não é?

— Como sabe?

— A gente ainda conversa. E eu sabia que ele estava afim de você.

— E pelo visto não sou só eu com novidades, né?

— Viemos comemorar seis meses juntos.

— Ora, meus parabéns!

— Obrigada! Dessa vez é sem fórmula mágica. - e piscou para mim

— O que nos recomenda? - ele questionou

— Bom, seria bem clichê recomendar a Tea for Two. Mas, tenho uma indicação nova, uma bebida refrescante como um novo amor, é a Koi.

— Ah, vamos querer este então.

— Acompanhados de biscoitos de coração. - ela completou

— Ok! - anotei o pedido - Só aguardarem.

Eles agradeceram e eu retornei ao balcão levando o pedido.

Durante todo o tempo em que o casal ficou no café, fiquei observando-os e pude notar bastantes diferenças de todas as outras vezes em que ela esteve aqui. Ela estava tão leve, tão feliz e claro, apaixonada, assim como eu. Eles conversavam e riam e tocavam as mãos de vez em quando por cima da mesa.

Fiquei distraída até que meu namorado veio e me abraçou pelas costas, dizendo:

— Que bom que está dando certo para ela.

— E com a gente também! - sorri - Mesmo que seja só o começo!

— E acreditar que eu e ela passamos um Dia dos Namorados péssimo um ano atrás.

— As coisas mudam, o mundo gira…

— A gente se apaixona pela dona do café mágico.

Não pude evitar de rir.

Uma coisa que aprendi, em todos estes anos observando casais, é que não existe um casal igual ao outro, um amor igual ao outro. Não existe amor perfeito, não existe fórmula mágica para fazer dar certo. Não é um chá ou um amuleto que vai fazer você ficar com alguém, são apenas as duas partes da relação que fazem isto acontecer. O amor sempre nasce e é construído a partir das pessoas que o sentem!

 

***

 

"Os amantes olhando um para o outro no filme que eu desejava quando criança

Tudo era ficção e eu pensei que era uma história de sonho

 

O mesmo sorriso de sempre, a interação de sempre

É chato e não funciona...

 

(...)

 

Não foi coincidência que eu os conheci.

Eu quero acreditar nisso, um amor maravilhoso

 

Oh certos sentimentos vivos com este peito

Eu quero sentir você mais perto

É romântico, ninguém pode parar mais

Você em todo o mundo...

Eu percebi que eu só gosto de você"

 

(Koi - Minori Chihara)

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