terça-feira, 31 de julho de 2018

Os quatro



Ano Desconhecido, Local Desconhecido.

O planeta Terra estava no começo de suas eras, quando apenas forças da natureza regiam e controlavam o mundo. Fogo, Água, Terra e Ar.
A primeira era pertenceu ao fogo, pois o mundo era muito caótico. A segunda era foi dividida entre água, ar e terra, que juntas construíram o mundo. E da terceira era em diante, os quatro elementos entraram em equilíbrio e faziam o mundo funcionar, sempre em períodos de caos e calmaria. Transformação, destruição, renovação. E seres elementais surgiram, capazes de conter o poder muitas vezes desenfreado dos elementos.
Eram quatro tribos, cada uma de um dos elementos, espalhadas em pequenas aldeias ao redor do mundo. Eram os membros dessas comunidades que viviam em harmonia e também mantinham o mundo assim. Eles tinham o poder do seu elemento no sangue e ele era passado adiante.
As tribos elementares existiam desde antes os primeiros animais surgirem no mundo. Realmente seres imortais e antigos. Viram o nascimento de várias espécies, a vida e morte dos dinossauros, o surgimento dos seres humanos.
E com a evolução destes, que em certo momento se tornou rápida e destruidora, foi que os seres elementares começaram a ter problemas. Suas aldeias começaram a sofrer com tudo que o homem causava, desde um simples corte de árvore, até todas as guerras. Isso deixava as criaturas elementais doentes e fracas, pois eles eram extremamente ligados à natureza que passava a ser profundamente machucada. Até sua imortalidade não resistia à tamanha devastação.
Em alguns momentos, eles tentaram mostrar sinais aos humanos, causando desastres que os afetassem da mesma maneira. Porém, os humanos apenas interpretavam aquilo de uma outra maneira. O Deus deles os estava punindo.
O tempo foi passando e a situação só piorava, os seres elementares estavam quase extintos, havia apenas uma aldeia de cada elemento. Os líderes perceberam que isso era a chegada do fim e então, resolveram fazer alguma coisa, para salvar a própria espécie.
Kenneth, líder do clã do fogo;  Amana, líder do clã da água; Maia, líder do clã da terra; Tadewi, líder do clã do ar. Os quatro se reuniram numa noite de lua cheia na floresta, em cima de uma raiz de árvore cortada. O que seria dito ali era o que decidiria a vida ou morte deles.
-Boa noite, irmãos elementais. – disse Kenneth – Sabem tão bem quanto eu o motivo desta reunião. Nosso futuro é a razão.
-Alguém tem alguma ideia do que fazer? – indagou Amana – Realmente não quero continuar assistindo mais de nós morrermos.
-Precisamos arrumar um esconderijo e passar a viver lá, todas as tribos juntas. – sugeriu Tadewi
-Embaixo da terra, você quer dizer? – completou Maia – Os humanos reviram tudo. Não sei por quanto tempo estaremos seguros.
-E pensar que eles saber do poder do fogo. – Kenneth soltou – Imagino o que fariam com os poderes de vocês. Precisamos proteger estas energias também.
-Talvez trancar os poderes elementares em algum lugar que nenhum humano nunca ache. – Tadewi falou
-A pergunta é: Sobrevivemos sem nossos poderes de elementos? – Amana perguntou
-Não sei. – Maia respondeu – Mas é o que podemos tentar, porque a nossa ligação com estes poderes que está nos matando. Podemos sacrificar nossa imortalidade por uma vida moral mais segura.
-Parece loucura. – Kenneth comentou – Mas, infelizmente, Maia, acho que sua ideia é a melhor que temos. Porém, temos outro detalhe a resolver.
-Qual seria? – Tadewi questionou
-Onde guardaríamos estes poderes. – Amana, desta vez – Seria em algum objeto ou algum ser?
-Pensei nas duas coisas. – Maia disse – Como líderes devíamos nos sacrificar também em prol da proteção da nossa espécie.
-Você esta louca, Maia! – gritou Tadewi
-Ela está certa. Nosso poder é para ser manipulado por seres mágicos. Eles não podem simplesmente ficarem trancados num pedra ou algo assim.
-O que faremos então? Um sacrifício? – Amana questionou – Se for, eu aceito, aprendi como líder que coisas assim são necessárias. Devemos pensar mais neles do que em nós.
E assim ficou decidido, os quatro líderes das tribos seriam os guardiões dos poderes de cada elemento, devendo levá-lo adiante nos séculos, como sempre foi. E claro, os outros membros dos clãs, abriram mão de seus poderes, por proteção própria, se tornando alguns gnomos que viviam nas florestas.
Os quatro líderes fizeram um ritual a própria natureza, pedindo a ela que as ajudasse e cuidasse deles e dos poderes que guardariam. Os quatro selaram a si dentro de pedras, uma vermelha, uma azul, uma verde e outra branca. E ficariam dormindo, até que pudessem finalmente despertar e retornar a vida.
***
2008, Local Desconhecido.

A lenda das pedras elementais se espelhou por entre os séculos e milênios. Quatro pedras cujo possuidor conseguiria controlar todo um elemento a sua própria vontade.
Por muito tempo era apenas uma história, talvez dos trovadores, talvez dos escritores, talvez até do próprio povo que espalhava os boatos sem nenhum senso crítico. Porém, algumas lendas carregam sim alguma verdade e fatos reais.
Pessoas mal intencionadas descobriram que tal história era verídica. E na sua busca de se tornar mais soberano que outrem, foram em busca do poder que estas pedras seriam capazes de dar.
Sua busca foi um sucesso e em poucos meses tinham todas em seu poder. Só que a ganancia os fez bolar um plano e o tempo correu o suficiente para que surgisse alguém que os pudesse impedir. Especificamente quatro garotas que já estava nessa coisa de salvar o mundo já havia um tempo. Apesar da pouca idade que carregavam, elas já tinham muitas experiências.
E em nenhum momento daqueles últimos meses nenhum dos líderes dos antigos clãs fora despertado. Porque também tinha outro detalhe importante que os fazia despertar, estas pessoas deveriam ter alguma ligação poderosa com a natureza. E bem, elas tinham, por poderes recebidos que ainda nem faziam ideia de existir, só descobririam com o avançar da idade.
Ao final de uma batalha longa e cansativa, as quatro amigas e salvadoras do mundo sentaram-se, esperando o helicóptero que as levaria de volta para casa. Então, juntaram as pedras e algo muito estranho aconteceu. Um brilho começou a emanar das quatro pedras e de cada uma delas surgiu um pequeno ser, eram os quatro líderes dos clãs finalmente despertando.
A partir daquele momento nasceu uma amizade entre as meninas e os seres elementais, numa nova força para proteger o mundo e a natureza.

Masquerade


A gente sabe plenamente o que se passa na cabeça de uma pessoa? A gente conhece alguém plenamente mesmo depois de tantos anos?
Uma sabedoria japonesa diz que nos temos basicamente três facetas: Uma quando estamos com amigos, outra quando estamos com a família e uma última que nunca mostramos a ninguém nunca, pois é uma que só é vista por nós mesmos, quando estamos sozinhos. Daria tudo para ser uma mosquinha para ver o que as pessoas fazem quando estão plenamente sozinhas.  Quer dizer que apenas somos nós mesmos quando estamos na nossa própria companhia.
Acredito que vestimos diversas máscaras diferentes, dependendo da situação. Não que seja algo relacionado à falsidade, mas sim que nos comportamos de maneira diferente em cada um dos ciclos sociais que frequentamos. Até porque os interesses em cada grupo podem ser outros se comparados entre si.
Não me deixo de pegar pensando em como é uma pessoa fora do círculo social que a conheço, como em casa, ou até sozinho, que acredito ser as mais profundas e reais que temos, pois são os mais antigos.
E quando é um “amigo virtual”? Dizem que o anonimato da internet nos dá uma liberdade e uma coragem que não se tem no cara a cara. A internet sempre mudando a gente!
E por que estou falando toda essa, digamos, baboseira? Talvez seja influência do Chidi de Good Place e as benditas aulas de ética que ele dá para a Eleanor, Jason, Tahani e depois, para o Michael. Em suma, eu tô filosofando, gente. Dando volta mesmo, porque eu tô sem ideia alguma... E isso, amigos, foi a quebra da quarta parede. Ou a tentativa de... Porque tá FAIL total isso aqui. Completamente! Eu tô pensando que isso aqui é tipo vídeo do meu canal mesmo, então me permita ter a liberdade de escrever quase da forma como eu falaria.
Eu estou aqui, vestindo a máscara de um personagem, talvez até assumindo meu lado cronista, que nunca dá muito as caras, porque eu gosto é de contar histórias e não de falar do dia-a-dia. Porque de bosta já basta a vida, não é mesmo?
Na verdade, escrever desta forma, doida e até escrachada me lembra uma pessoa, que é para quem justamente estou escrevendo esta oneshot, crônica... Chamem como quiser! (Quebrei a oitava parede aqui. Haha)
Serei sincera, é um amigo virtual, daqueles que só está lá no seu perfil e fala com você de vez em quando sabe? Mas, mesmo sendo alguém que a nem falamos sempre, temos um apresso por aquele alguém sabe? A gente curte as publicações um do outros e fica só nisso. Tá lá ocupando espaço, porém ao mesmo tempo não está – levando em conta que tem gente que dá like das suas coisas de vez em nunca na vida. E essa pessoa, se sair da sua lista de amigos, vai fazer falta de alguma forma. Porque é uma pessoa divertida! Claro que ela não é a única pessoa assim nas minhas redes sociais.
Enfim, é um colega escritor, e que lembro muita vez ter feito um “honest trailer” num dos comentários que me deixou. Acho que foi o comentário que mais ri na minha vida e com toda a certeza, vou transformar num trailer para esta história.
Vocês já devem estar assim: Quem é? Quem é? Conta logo!
Deixa eu vestir uma máscara misteriosa – e de boa escritora - um pouco, gente. Vou falar mais do meu “amigo oculto”, até porque, isso é por causa de um amigo oculto né?
Uma pessoa assim, quase da minha idade, que é super fã de cartoons, como Rick and Morty, Hora de Aventura e Apenas um show. Escritor assim como eu e que com toda a certeza é apaixonado pelos seus personagens, pois tem uma dedicação que os autores mais loucos e amorosos com seus “filhos” têm mesmo. Desenhar os próprios personagens não é para qualquer pessoa ou sempre se pegar pensando em situações novas para colocar nas histórias. É coisa de escritor mesmo, que só outro colega vai entender essas minis maluquices.
E bem, acho que uma das outras maneiras em que mostramos nosso “verdadeiro eu” é quando escrevemos. Pelo menos para mim é assim. Porque escrevendo mostramos muito das nossas essências, dos nossos sentimentos, pensamentos. Falamos sobre nós sem citar, ou melhor, falamos sobre nós na terceira pessoa.
Enfim, foi esse texto, essa maluquice que meus dedos escreveram. Como muito faço, deixei a imaginação e a inspiração me levar. Espero que meu amigo oculto goste da maluquice... E se comentar: Só não seja ingrato, Renato! (Que referência ridícula. BUT FUCK!)

Meu (ex) melhor amigo é o meu amor?


É o primeiro dia de aula do segundo ano do ensino médio e vai ser o segundo ano mais difícil da minha vida. O primeiro foi no ano passado, quando entrei em um colégio novo, onde não conhecia ninguém. É complicado fazer amizades no começo, mas ainda bem que conheci duas meninas maravilhosas e que se tornaram minhas melhores amigas: Kim e Mônica.
Eu me chamo Ben, tenho 16 anos e sou gay, ainda no “armário”, como costumam dizer. Quem sabe mesmo são minhas amigas e só. E tem uma terceira pessoa que sabe, mas eu não tenho mais contato com ela, não desde que terminamos o ginásio. Era o meu melhor amigo de infância: Henry.
Ainda me lembro das tardes infindáveis que passamos brincando, de qualquer coisa. Carros, espadas, heróis, guerreiros, coisas que despertavam nossa imaginação. Conforme fomos crescendo a amizade fortaleceu e outra coisa surgiu dentro de mim: uma paixão platônica por meu melhor amigo. Inicialmente achei ser apenas uma admiração, já que ele era melhor do que eu em muitas coisas e pensava em sempre ser parecido com ele. Só com o passar dos meses que eu entendi o sentimento complexo que surgia e não podia de maneira alguma botar para fora, eu tinha medo se aquilo era certo ou não.
Nas minhas pesquisas na internet, descobri que não tinha nada de errado comigo, só era diferente. Encontrei grupos online sobre isso e fiz várias amizades virtuais bem legais e que mantenho até hoje. Foi a esses amigos que pedi ajuda quanto ao que fazer sobre meus sentimentos por Henry. Eu não sabia se ele era como eu, então me recomendaram ir com calma. E segui esse conselho, tentando demonstrar o mínimo possível.
Só que, em alguns momentos, era complicado não ficar admirando o belo físico que a puberdade o dava. A barba dele começou a crescer, os músculos serem mais aparentes, ficou mais alto. Todos atrativos para mim. Eu já fantasiava com ele diversas vezes. Acordado, sonhando e até me masturbei pensando nele. Ele só era assim nos meus pensamentos, porque de verdade ele era o maior pegador. Ficava com uma menina diferente toda semana.
Eis que um dia, estávamos sozinhos no quarto dele, como sempre ficávamos sentados e conversando, lado a lado na cama. Ele perguntou:
- Cara, você viu que agora existe gente que gosta de alguém do mesmo sexo? Que coisa estranha!
- Vi sim! Mas não é novo, isso sempre existiu, desde a Grécia Antiga.
- Você consegue se imaginar ficando com um outro cara? – ele fez cara de nojo – Eu não consigo. – aquilo me feriu por dentro
- Eu consigo. – sorriu, olhando para baixo – Não tem nada de errado em gostar de alguém.
- Quer dizer que... – ele engoliu seco – Você...
O que aconteceu aqui, agora que relembro a cena, me pareceu loucura. Eu me virei e o beijei, como sempre sonhei. Eu tinha 14 anos, não me culpem! Foi só um selinho bobo, que me deu a sensação de estar beijando um boneco. Quando me afastei, ele gritou:
- O que é isso?
- Eu... Eu...
- Não diga nada. Só saia daqui. Eu não quero mais te ver. Não quero ser visto junto de alguém como você.
- Mas...
- Sem mas... Suma!
Levantei e sai correndo, com as lágrimas se formando nos meus olhos. Minha casa ficava poucos metros na mesma rua. Corri até lá. Joguei-me na minha cama e desabei a chorar. Claro que minha mãe notou, pelo estado que entrei em casa. Ele veio me perguntar o que houve e eu disse que brigara feio com o Henry. Só que minha mãe pensou ser como das outras vezes e que logo voltaríamos a nos falar como antes, só que isso não aconteceu.
E voltemos ao hoje. Ao bendito primeiro dia de aula. Encontrei com Mônica e Kim na entrada e as abracei. Éramos o trio de excluídos do colégio. Uma negra, uma asiática e um “viadinho”. O que passa na cabeça das pessoas que eu sou gay só porque sou amigo de duas garotas? Que estereótipo maluco é esse deles? E só por que uso maquiagem? Alguém pede para a Kim falar que os coreanos usam também e não tem nada de gay nisso? Realmente, os pensamentos são muito deturpados.
E lá estava ele, Henry, que desceu do carro que recém ganhou de presente dos pais e estacionou. Usando uma camisa de banda, uma jaqueta e calça jeans. Os cabelos mais compridos do que quando éramos mais novos. Pegou sua mochila e desceu. As garotas já todas ao seu redor, como sempre. Ele exalava feromônios que me afetavam de uma distância considerável. Eu respirei fundo, sentindo o perfume forte dele e quase que uma lágrima escorreu... Só não disse por onde!
Eu me entreguei ao meu “lado gay” depois do dia em que beijei Henry. Fiquei com vários garotos desde então e já perdi minha virgindade. Tanto a de trás quanto a de frente, antes que perguntem. Só que minha paixão por ele nunca passou, eu nunca consegui esquecer. Até porque eu o via sempre, em casa, na escola, nas fotos perdidas de infância. Ele fez parte de bons anos da minha curta vida, ele não vai sumir em tão pouco tempo.
- Migo, calma. – segurou meu braço Mônica
- Difícil começar mais um ano e ele ainda estar aqui. – sorri amarelo
- Sabemos! Segue o baile e esse ano a gente arruma um bofe para ti. – comentou Kim – E para a gente. Que não seja embuste. Amém!
Mônica e eu gargalhamos. A gente sempre usa gírias LGBT como nosso código de fala. Muitos na escola não entendem nada do que a gente fala. É quase um dialeto próprio. E esse era mais um dos motivos para sofrermos bullying. E foi justamente ele que nos juntou um ano atrás.
Entramos e recebemos novos armários para colocar nossos materiais. Por sorte, estávamos perto uns dos outros. Só que apareceu um problema. Senti o cheiro que sempre me hipnotiza e vi que ele se aproximar a e destravar a porta que fica ao lado da minha. Não tive reação, só fiquei olhando ele ali, colocar os livros dentro. Era a primeira vez em anos que estive tão perto dele. Dessa vez, a lágrima escorreu e com vontade.
- Henry, – o chamei – Bom dia! – foi só o que consegui falar
- Não me dê bom dia. – ele se virou para mim, com olhar de desprezo – Eu não me envolvo com gente como você. – bateu a porta do armário e saiu
- Isso já era esperado. – disse Kim
- Será que nunca conseguirei voltar a falar com ele? Ou viverei com meu coração sofrendo até o colégio acabar e eu ir para a faculdade?
Elas não responderam. Não precisava. Era uma conversa comigo mesmo e elas sabiam bem diferenciar de quando falava com elas para que respondessem.
Seguimos para nossas classes do dia. E por sorte ou até azar, eu não fazia nenhuma com Henry. Em algumas eu estava completamente sozinho e em outras acompanhado de uma ou das duas amigas. Isso amenizava o sofrimento!
Logo, o primeiro e segundo dia de aulas passaram. No terceiro, o capitão do time de futebol  americano  - Erik - fez um anúncio no corredor.
- Atenção! Festa na minha casa nesse finde. Todos convidados!
Quando ele dizia “todos”, queria dizer “populares”, já era automático que não iria. E minhas amigas me puxam e me chamam:
- Temos que ir nessa festa. – falou Mônica
- Sabem que não fomos convidados né? – retruquei
- Acha que ele vai conferir em alguma lista? Alguns não tão populares já foram a essas festas e correu tudo bem.  – respondeu Kim
- Só se esqueceu de que somos a escória dessa escola. Vamos ser atração no meio deles.
- Que assim seja então! Pelo menos ganharemos 15 minutos de fama. – Completou Mônica
- Ok! Vamos precisar de roupas para tal. – não adiantava discutir com elas, aprendi depressa
- Vai ser a melhor festa de todas! – comemorou Kim
***
Mais três dias se passaram e era o sábado da festa na casa do Erik. Os pais dele sempre liberavam a casa para esses eventos. O garoto vem de uma família rica, então a casa dele comporta todos os casais que resolvem dar uma escapada nesses tipos de festa.
Eu, Kim e Mônica nos arrumamos e usamos o carro de Mônica para ir a festa. Tanto eu quanto Kim não temos carro ainda. Paramos o carro, descemos e entramos. Todos estranharam nossa presença ali e era desconfortável ter todos olhando para nós.
Fomos para nos divertir e foi o que fizemos. Desligamos do resto e dançamos, bebemos, contamos piadas. Uma festa só nossa!
Em um momento me afastei para ir ao banheiro e cruzei com Henry.
- Não acredito que veio a essa festa. Você e suas amigas estão se suicidando socialmente.
- Como acabar como uma coisa que não existe?
- Vejo que ficou abusado. Sair com outros garotos fez isso a você?
- Não. Eu mudei. Assim como você, Henry.
- Ora, Ora... O tempo faz isso com as pessoas não é mesmo? – disse, se aproximando de mim, demais para que respirasse normalmente – Eu também descobri uma coisa diferente sobre mim.
- O que? – olhei-o nos olhos, segurando a respiração o máximo que podia
- Eu também gosto de garotos. – ele sorriu sádico – E de garotas, claro.
- O que tem isso? – tentei mostrar indiferença
- Eu me pego pensando naquele beijo todos os dias. Eu queria ter correspondido, mas nem eu entendia o que se passava comigo.
Então, ele me beijou. Enlaçou-me com suas mãos e eu abracei seu pescoço, recebendo o beijo. Alguém me belisca que eu devo estar sonhando. Eu gemi não intencionalmente quando o beijo terminou e ele riu.
- Ora, já se assanhando?
- Você não sabe o quanto eu quis que isso acontecesse. – eu perdi toda e qualquer defesa que tinha naquele momento, ele me rendera com um simples beijo - Vamos lá para cima! – disse, me puxando pela mão
Escolhemos um quarto qualquer e ele trancou a porta, jogou-me na cama, trocamos algumas carícias e beijos, enroscados em nossos próprios corpos e respirações.  E ali aconteceu nossa primeira vez, comigo como passivo. Foi como sempre sonhei e fantasiei. Ficamos um pouco deitados, nos recuperando do esforço. Eu não me cabia de tanta felicidade.
Não trocamos mais nenhuma frase. Ele só pegou meu telefone e me deu o dele. Ele queria manter contato, queria me ter de volta em sua vida, nem que fosse só como amigo. Também queria! Saímos separados, para não levantar suspeitas.
Vesti-me e desci depois dele. Minhas amigas notaram minha ausência de meros vinte minutos - como a gente transa rápido quando faz na surdina né? - e vieram logo me perguntando:
- Você sumiu. Onde esteve? – Kim primeiro
- Se eu contar vocês desmaiam aqui mesmo.
- Conta logo, Ben!  - falou mais alto Mônica
- Bem... Sabe aquele meu amigo de infância? Bom... Acabou de rolar entre a gente, lá em cima.
- Que? Como? – ambas soltaram – Ele não era hétero?
- Até onde eu sabia: sim. Só que ele disse que nunca esqueceu aquele dia e se arrependeu de não ter correspondido. Quis recuperar o tempo perdido hoje.
- Sério, migo? – pulou Kim e depois continuou séria – Espero que seja verdade, que não seja uma pegadinha, nem nada do tipo. Sabe como é com a gente né?
- Eu sinto que é! Alias, trocamos os números de telefone. Ele quer manter contato. – sorri bobo – Nem que seja só para retomar a amizade, para mim já está ótimo.
- E se ele ficar realmente a fim de você? – Mônica indagou
- A gente vê como fica. Mas, só de voltar a falar com ele...
Ambas fizeram caretas felizes e trocamos de assuntos, aproveitando o resto da festa. Saímos algumas horas depois e as meninas me deixaram em casa. Eu dormi sonhando e rindo com o Henry.
Na manhã seguinte, acordei, comi e estava na sala assistindo a uma série quando meu telefone apitou e era uma mensagem. Nada além do normal, não é? Só que eu saltei no sofá, era uma mensagem do Henry, que dizia:
“Hey, Bem. Tá ocupado? Eu queria te ver para a gente conversar mais.”
Respondi:
“Vendo série posso me considerar ocupado? Haha Claro! Quer que nos encontremos aonde?”
Alguns minutos depois, veio a resposta.
“Na sua casa mesmo. Seus pais estão ai? Saudade deles.”
“Estão. E claro, pode vir aqui, sem problema algum. Te espero.”
Tem anos que ele sequer pensa em passar perto da minha casa e de um dia para o outro ele virá aqui. “Is this real life? Or just fantasy?” É tão repentino e surreal que nem ainda caiu a ficha direito.
Cerca de meia hora depois, Henry tocou a campainha. Minha mãe atendeu e tomou um susto ao vê-lo.
- Henry, quanto tempo.
- Olá, tia. Eu e o Bem voltamos a nos falar recentemente. – você quer dizer ontem né, querido? – Posso entrar?
- Claro! Ele está na sala.
Cumprimentamo-nos e subimos para o meu quarto. Apesar do que acontecera no dia anterior, o clima ainda estava meio esquisito entre a gente. Anos sem se falar e com uma relação terminada daquele jeito. Como quebrar o gelo? Alguém me ajuda!
- Então, o que você tem feito? – foi a única coisa que consegui perguntar
- Nem tenho me dedicado tanto a escola, maioria das vezes vou a festas e bem, pego umas garotas.
- E garotos? Você disse ontem que...
- Eu sei. Mas foi só com você.
- Quê? Sério? – sentei na cama com o baque dessa informação
- Falo sério!
Ele completou a frase sentando ao meu lado na cama e nos beijamos. Por muito pouco que não me deitei involuntariamente.
- Por que eu? – perguntei depois
- Nunca consegui esquecer você. – ele disse, olhando pra baixo, tímido – Perdoe-me ter sido um completo cuzão.  Eu quero me redimir!
- Como? – meu coração tava derretido completamente, mas eu tentava mostrar uma lua em aquário que nem tenho.
- Não sei. Só poder voltar a falar com você já me basta. E outra coisa: - ele respirou fundo – quero que tire minha virgindade de trás.
Se eu estivesse bebendo alguma coisa, eu teria me engasgado. Mas a minha própria saliva fez o favor de ir para o canal errado e sim, me engasguei.
- Eu nunca fui muito ativo nessas coisas, apenas algumas vezes, mas posso tentar. – soltei quando me recuperei e tive que indagar – Tem mais alguém além de mim que sabe?
- Não! Só você!
- Entendi.
- Mas, eu quero pressionar você a nada, se não quiser.
- Olha, Henry, eu já tirei a virgindade de um garoto uma vez. Não estou nervoso, não por isso. Melhor a gente deixar as coisas rolarem naturalmente. É ruim quando é forçado. Pelo menos, eu acho. – fui sincero
- Tudo bem.
Então, mudamos de assunto e resolvemos colocar a conversa em dia, porque não tivemos tempo na outra noite, porque né... Preciso mesmo explicar?
Passamos a tarde toda entre os diálogos e um beijo aqui e ali. Por mim, podia durar para sempre. Até que Henry retornou ao assunto: O que aconteceu no nosso passado.
- Sempre quis te perguntar: Como se sentiu depois daquilo que eu disse?
- Fiquei mal! Foi como levar um fora e perder o seu melhor amigo junto.
- E você ainda gosta de mim? Quero dizer... Como antes?
- Tem duvidas disso? Claro que sim! Nunca deixei em momento algum.
Ele sorriu, bobo, talvez se sentindo péssimo por ter agido da forma como agiu anos antes. Percebo que ele se arrepende mesmo do que fez e acabou ficando um pouco mal com meu comentário, só do jeito que estava se mexendo dava para notar. Resolvi quebrar este clima!
- Que tal cantarmos uma música?
- Nada de Cher ou Madonna, pelamor. Eu não gosto!
- Não vamos discutir divas pop. Alias, acho que você tá meio por fora delas né? Tem algumas novas também. – e ri – Mas, não. Vamos ouvir uma música brasileira.
- Brasileira? Qual?
- Calma. Deixa eu colocar aqui.
Destravei o celular e abri um streamer de música, digitei Tribalistas e coloquei a música Velha Infância:

“Você é assim
Um sonho pra mim
E quando eu não te vejo
Eu penso em você
Desde o amanhecer
Até quando eu me deito

Eu gosto de você
E gosto de ficar com você
Meu riso é tão feliz contigo
O meu melhor amigo
É o meu amor”

- Essa música me lembra você. – comentei enquanto a música tocava
- Por quê? – ele questionou sorrindo
- Fala sobre amigos que são namorados. Ou quase isso, não sou fluente em português. Foi só o que vi na tradução.
- Acho que está na hora de eu ir. – disse olhando as horas no celular
- Claro! Temos aula cedo amanhã.
Levei-o até a porta.
- Te vejo na escola amanhã? – Henry disse
- Como? – cocei a cabeça – O pessoal vai falar. Você sabe! Não quero destruir sua vida social na escola, Henry.
- Bem, minha vida social escolar não é tão boa quanto pensa ou aparenta ser. Eu preciso de companhias melhores.
- Isso é verdade! – concordei – Até amanhã então.
***
No dia seguinte, já na escola, minhas amigas levaram um susto quando ele veio falar comigo.
- Bom dia, Ben. Como está?
- Ótimo e você?
- Melhor agora. – sorriu
Claro, que no segundo seguinte já comentavam perto da gente. E Henry simplesmente não ligou. Despediu-se de mim e foi para sua aula.
- Migo, o que foi isso? – Kim quase num surto
- Vocês tão... – Mônica não completou
- Não! Por enquanto, estamos na amizade colorida.
- Que? Vocês... de novo? – Mônica tinha vergonha de dizer as palavras
- Não! Mas, daqui um tempo deve rolar de novo.
- Vejo que só com isso já está todo bobo, Ben. – comentou Kim – Mas, tome cuidado. Henry é um pouco popular e pode querer preservar a sua imagem em algum momento.
- Ele disse que não liga, mas sei que quando a coisa apertar... – segurei a mão de ambas – Vou precisar que estejam comigo para eu aguentar esse “Pé na Bunda parte 2”.
- Estamos aqui por você, migo. Assim como você por nós.
- Exatamente! Obrigado. Não trocaria vocês por ninguém dessa escola inteira.
- Só por seu ex-melhor amigo talvez?  - Mônica ironizou
- Isso nunca! Já avisei a ele que vão sair junto.
- Oba! Vamos andar com um popular. E houve boatos de que a gente tava na pior... – Kim, dessa vez
***
Os dias foram se passando e eu via o Henry cada dia mais. Eu, ele, Kim e Mônica saíamos juntos após o colégio. Fomos ao parque, ao shopping. As meninas não ligaram de segurar vela para mim, até porque já fiz isso por elas diversas vezes.
Os comentários nos corredores aumentavam cada dia mais. Eu sabia que meu tempo com o Henry duraria muito tempo além disso. E sinceramente, não me importava. Eu tinha meu melhor amigo de infância de volta e não me importava quanto tempo pudesse estar ao lado. Ele não havia mudado nada comparado a antes. A gente ainda se dava muito bem e agora tinha uma química legal entre nós. Meu amigo estava descobrindo seu lado gay comigo, que ele ainda mesmo tentava entender. Engraçado ver que eu passara por algo muito parecido com isso pouco tempo antes.
Conforme recomendei, deixamos as coisas acontecerem em seu tempo e eu já sabia que logo ia acontecer de novo entre nós. Henry lidava com bloqueios fortes aos meus toques nas partes íntimas dele. Na nossa primeira vez, eu praticamente não toquei naquela área, agora que ele se acostumava ao toque de outro homem e não de uma garota, como costumava ser.
Num final de tarde, deixamos Kim e Mônica em suas casas e rumamos para as nossas. Henry ficaria por lá um pouco, antes dos meus pais chegarem. E se tem uma coisa que aprendi é: Não faça essas coisas em casa! Se fizer, cuidado triplicado.
Sim, rolou. Henry permitiu. Em meio às carícias e beijos, nossas peças de roupas foram se espalhando uma a uma e logo estávamos no ato. E o perfume de Henry me embebedava de prazer. Minutos depois, ficamos caídos na cama, ofegantes. Henry feliz e eu mais ainda.
Eu não quero que isso acabe! Quero ficar com ele! Para sempre!
Porém, ouvimos vozes. Meus pais haviam chegado. Henry e eu corremos para nos vestir. Por pouco não nos pegam pelados na cama, estirados, suados, fedendo a sexo. Disfarçamos muito mal, ou melhor, o Henry não experiência nisso. Eu consegui disfarçar melhor, porque não era nem a primeira, nem a segunda e nem a décima vez que fazia aquilo em casa.
Henry se despediu pouco depois. E claro, minha mãe veio ao meu quarto conversar comigo.
- Ben, filho. O que aconteceu? Você e o Henry estavam estranhos quando chegamos.
- Não foi nada, mãe. Sério! É só que está quente hoje.
- Está bem! – e saiu
Acho que meus pais lá no fundo sabem que eu sou, mas eu nunca tive coragem de contar a eles. Tenho medo de como eles reagiriam. Eles são bem abertos para muitas coisas, mas a gente sempre acaba tendo esse medo, lá no fundo.
Falei com Henry depois e ele disse que apesar da dor e do incômodo, ele tinha gostado da primeira vez de trás dele. Eu acho engraçado como ele chama isso.
Só que é claro, a vida resolveu me pregar uma peça poucos dias depois.
***
No meio de uns intervalos das aulas, estava com minhas amigas no corredor e vi Henry conversando com os amigos dele. E ele parecia alterado, gritando, esbravejando. Nós chegamos mais perto para ouvir.
- Cara, já disse, eu não tenho nada com ele.
- Sério, Henry? Tu tá exalando feminilidade.
- Já disse, não tenho nada com o viadinho do Ben. Eu sou homem porra!
- Por que está saindo com ele e as amigas esquisitas dele então?
- Tô querendo pegar a asiática.
Pois é! Aquilo que eu mais temi estava acontecendo. Ele estava cedendo a pressão e ia perdê-lo. Por sorte, não tinha me notado por ali ainda.
- Ela é esquisita, cara.
- Sabe aquela história de que pegar mulher feia tira azar?
- Sei. Mas, tem um limite.
- Tá. Eu achei ela bonita. Tem problema?
- Não. Gosto não se discute. Acharia estranho é você gostar de um cara.
- É, seria estranho.
Meu coração ficou despedaçado. Eu quebrei a minha invisibilidade ao chamar o Henry. Ele se virou e não sabia onde se esconder quando me viu.
- Que bom saber que pensa tudo isso de mim e das minhas amigas.
- Calma, Ben. Não é bem assim!
- É sim! Eu ouvi tudo. Para você é melhor estar interessado na minha amiga do que em mim. Tudo bem! Eu já sabia que isso ia acontecer. Você ia ceder a pressão e mentir. Mas, não tem problema, porque o trouxa sou eu. – já estava chorando – Como é possível que eu ainda consiga sentir algo por você? Talvez seja lembrando o passado, não o seu eu de agora. – bufei – Vamos, Kim e Mônica.
Elas me pegaram, cada uma por braço e saímos dali. Eu precisava de um pote de sorvete e uma boa festa do pijama para esquecer o que aconteceu.
Não dei chance de resposta. Só sai com comentários alheios gritando nos meus ouvidos.
***
O resto da semana foi uma merda. O final de semana foi uma merda. Ou quase. Uma coisa boa aconteceu no meio de toda essa merda: Finalmente contei aos meus pais que sou gay.
Ele vieram perguntar a mim o que houve, logo depois que cheguei da escola no fatídico dia. E eu fui sincero. Contei porque briguei com Henry antes, porque a gente tinha voltado a se falar e também que a gente tinha “rompido” de novo. E que sempre foi assim e que Henry não foi o primeiro e nem será o último e que eu gostava de garotos.
- Nós já sabíamos, filho. – disse meu pai – Só não te pressionamos porque queríamos que você nos contasse nos seu tempo.
- Como descobriram?
- A gente percebia você olhando diferente pro Henry e tudo mais ficou quando vocês pararam de se falar. E claro, sabemos que você trouxe alguns rapazes aqui para casa. Usou camisinha pelo menos?
- Claro, mãe. – sorri, um peso a menos em meus ombros, ou melhor, dois ombros a mais para eu chorar quando precisasse.
Kim e Mônica vieram aqui em casa para uma festa do pijama e colocamos alguns assuntos em dias, porque estar com o Henry não nos permitia conversar como gostávamos. Elas falaram dos novos crushs e eu desafoguei minhas mágoas. Sabia bem que ia acontecer, mas mesmo assim eu senti o baque e foi dos grandes. E eu não fazia ideia de quanto tempo levaria para me recuperar.
Henry me mandou algumas mensagens, mas eu ignorei, não queria falar com ele, queria curtir minha fossa de bosta que ele me jogou. As meninas leram as mensagens e apenas disseram que eram desculpas, que ele não queria dizer nada daquilo, só estava irritado com o amigo. Tudo justificativas esfarrapadas!
A semana seguinte de aulas começou devagar e cada minuto dentro dos corredores parecia uma tortura, ainda mais com o pessoal falando do que aconteceu no pátio. Henry tentava falar comigo, mas eu fingia que nem era comigo, me fazia de surdo.
Eu tinha voltado para o estado decadente da minha vida social escolar, como se tivesse existido esperança para que ela melhorasse. Só vai melhorar quando sair daqui e começar a faculdade. Talvez mude alguma coisa! Talvez.
***
Mais um dia, cheguei sozinho na escola e não encontrara com as meninas ainda. E tudo bem. Era dos dias que precisava de uns minutos de solidão.
Corredores cheios de jovens, dos mais diversos estilos e tribos. E eu estava invisível, como gosto de ser. Fui ao meu armário e estava pegando meus livros, quando o corredor se comporta de uma forma diferente.
Todos abrem caminho para alguém passar. Talvez seja para uma líder de torcida e sua trupe passarem, mas me enganei. Vinha um garoto, com os cabelos compridos, tocando um violão, acompanhado de duas meninas. Eu reconheci os três, eram Henry, Kim e Mônica. E conhecia a melodia que ele tocava no violão, foi a música que dizia que me lembrava dele.
Mas, espera, Henry não toca violão. Cadê as provas do playback? Exijo!
Ele veio andando e cantando a música, com o sotaque carregado, como nós fazemos quando cantamos português:

“E a gente canta
A gente dança
A gente não se cansa
De ser criança
A gente brinca
Na nossa velha infância

Seus olhos, meu clarão
Me guiam dentro da escuridão
Seus pés me abrem o caminho
Eu sigo e nunca me sinto só”

O corredor se comoveu. Mas, para quem ele cantava essa música? Até eu me perguntava. Eu duvidava que fosse para mim. Só que todos ali sabiam bem para quem ele cantava e era eu!
Ele veio se aproximando, acompanhado em cada verso pelas meninas. E ao final cantou: “O meu melhor amigo é o meu amor”.
- Henry... Para que tudo isso?
- Queria me desculpar com você.
- E me fazer passar vergonha na frente da escola toda. – olhei para os lados e todos nos observavam
- Eu que tinha que ter vergonha por ter escondidos meus sentimentos de mim mesmo.
- O que quer dizer com isso?
- Que eu te amo! E eu simplesmente ignorei isso por um bom tempo. Quanto notei, quis recuperar o tempo perdido. Mas eu não havia melhorado como pessoa para estar com você. Na primeira pressão eu desmenti tudo e ainda falei mal de você e suas amigas. Eu ainda não aceitei direito como eu sou, então é difícil aceitar os outros algumas vezes.
- E vocês estão envolvidas nisso? – olhei para elas
- O que não fazemos pelos amigos. – ela sorriram
- Então, Ben. – ele me chamou – Sabe, essas últimas semanas que passamos juntos foram maravilhosas e eu não quero perder a pessoa com quem passei os melhores momentos da minha infância. – pegou em minhas mãos – Você me dá outra chance?
Era incrível como ele me conquistava em poucas frases. Eu tinha medo de estar sendo trouxa de novo, mas algo nos olhos dele diziam que era de verdade dessa vez. Ele teve a dor de me perder, igual tive antes. Respirei fundo e senti o cheiro pele penetrar minhas narinas.
- Só me promete uma coisa: Que nunca mais vamos nos separar. Se isso não der certo, continuaremos sendo amigos. Eu aprecio sua companhia!
- Isso é um sim?
- O que mais seria? – ri – Sim!
Todos aplaudiram e isso era a chamada perfeita para um beijo, que fez várias meninas surtarem no corredor. E bem, fomos parar na diretoria por isso. Mas, tudo bem, porque eu estou com Henry e Henry está comigo e é isso que importa!

Algum dia... Na chuva


“Naquele dia frio em que fiquei esperando
apenas por você, debaixo daquela forte chuva,
naquele momento, o medo não me tomou e até pensei que
mesmo que fosse meu ultimo suspiro,
não me importaria.”
(Rainy Day – Ayumi Hamasaki)
***
Era Março. Final do Verão. Época das chuvas. De todas as chuvas que nos dois meses anteriores não vieram.  Eu saia de mais um dia longo no trabalho, especialmente um em que novos estagiários começaram, então precisamos dar o máximo de atenção, ensinando todos os processos e respondendo todas as dúvidas.
Cada funcionário foi encarregado de dois a três estagiários. E bem, eles seriam meus “bebezinhos” pelas próximas duas semanas. Que alegria! Como que alguém me suportou quando eu era estagiária? Todos os anos é a mesma coisa, mais novos jovens inexperientes e com enorme vontade de aprender e um ego maior ainda. Por que essa geração se acha tanto? Alias, ainda sou da geração deles. Eu sou em média seis ou sete anos mais velha do que os que entraram hoje. Acho que foi o peso da vida profissional desgastante que caiu sobre mim e eu virei uma mulher desacreditada em qualquer coisa, sem sonhos, só levando um dia de cada vez e contando o salário no final do mês.
Até que os meus pupilos dessa vez são bem inteligentes e entenderam de primeira tudo aquilo que passei a eles. Isso já facilita bastante o meu trabalho! Ninguém merece ficar repetindo três vezes a mesma coisa só porque não entenderam. Não ligo de repetir uma segunda, mas uma terceira... Ai não!
Desci do prédio, já com guarda-chuva na mão porque lá de dentro eu já via a chuva torrencial e de final de tarde que caia. Podia chover um pouco mais tarde né? Mas, tudo bem, melhor chuva do que aquele calor infernal que a gente sai do ar condicionado já pedindo para voltar. Parei embaixo da marquise para abrir o guarda-chuva e foi quando ele apareceu, naquele momento ele era só um dos estagiários que começara naquele dia. Ele indagou:
- Com licença. Será que eu posso dividir com você? Eu esqueci o meu em casa.
- Claro. A questão é para onde você vai.
- Vou para o metrô e acredito que você também, senão teria descido no andar do estacionamento.
- De fato! Venha, vamos logo. Tomaremos um banho de qualquer jeito. – sorri, tentando ser simpática
O guarda-chuva era pequeno já para mim, imagine para nós dois. O rapaz era um pouco mais alto do que eu, com o perdão de estar usando um pequeno salto que me favorecia. Nossos corpos estavam um pouco próximos demais, ele segurava a bolsa com a alça que atravessava seu peito, colocando na frente, numa tentativa em vão de não molhá-la também. Não trocamos nenhuma palavra sequer no caminho. E por que faríamos isso se estávamos concentrados em não cair nas poças da rua? Por sorte, o metrô era uns cinco minutos dali num dia seco, com a chuva, demoravam uns sete a oito. Trajeto curto e rápido.
Descemos a escada da estação, fechei  a sombrinha e fomos em direção a roleta. Passamos os bilhetes e entramos. Um trem já despontava na estação, mas não parecia nem ser o meu e nem o dele. Ele disse por fim:
- Obrigado! Eu estaria encharcado se por fosse por seu chapéu.
- Sem problemas. – sorri, sem graça
- Eu sou Pedro. E você?
Pedro era um garoto bonito. Trajava uma camisa polo, calça jeans e um sapatênis. Mal tinha barba e seu cabelo estava preso num coque samurai. Ironicamente, com essa cara de bebê que ele tem, acabei me sentindo até atraída por ele.
- Luana. É um prazer!
- Você trabalha com os estagiários não? Eu te vi mais cedo na empresa.
- Sim. Faço parte da equipe de treinamento de vocês.
- Entendi. Se eu tiver uma dúvida, será que posso perguntar a você? É que a minha instrutora não foi muito com a minha cara.
- Claro! Se bem que também não me acho uma instrutora muito paciente.
- Mas você não pegou ranço de mim. – e riu, eu ri junto
- Então...  Até amanhã.
- Até!
Seguimos por caminhos diferentes, cada um para a sua casa. Enfrentei o metrô abarrotado, mais lotado que uma lata de sardinha e cheguei morta e faminta em casa.
Abri a porta, tirei meus sapatos, deixei a bolsa sob a mesa. Fui à cozinha e na geladeira peguei uma das comidas que deixo separadas para eu comer quando chego. Cinco minutos no micro-ondas – mais conhecido como a melhor invenção de todas – e voilá.
Coloquei uma das minhas séries favoritas para ver enquanto saboreava a refeição. Depois de um episódio, tomei um banho delicioso e assisti mais um dois episódios antes de pensar em ir dormir.
***
Fiz o mesmo trajeto de sempre para chegar ao trabalho. As chuvas da tarde e noite anterior deixaram as ruas ainda molhadas. Um sol bem forte já brilhava no céu, o que era o sinal de outro dia de calor e de tempestade no final, pouco antes de ir para casa.
Encontrei com Pedro no elevador, que me cumprimentou. Descemos no mesmo andar e adentramos o setor juntos, o gerou uma série de olhares dos funcionários e estagiários. Como se nunca na vida as pessoas chegassem juntas num lugar. O que eles estão pensando? Puta que pariu!
Eis que a vida resolveu me pregar uma outra peça. Marília, uma das funcionárias, ou melhor, ex-funcionária, veio chorando e se despedindo de todos. É uma pena quando alguém acaba sendo desligado assim de repente. Ela era parte da equipe que recepciona os estagiários. E com a saída dela, cada um dos restantes acabou de ganhar de presente mais um recém-saído-da-adolescência para ensinar. Puta que me pariu de novo! Obrigada, mundo corporativo, por foder com a minha vida... De novo!
E imediatamente, disseram quem era de quem. Meu novo pupilo? Pedro! Não sei se isso é bom ou ruim. Vamos descobrir!
Como todos recebem o mesmo treinamento só que com instrutores diferentes, prosseguimos com a sequência do dia anterior.  Pedro também era bem astuto como os seus colegas de equipe. Ele aprende até mais rápido, ouso dizer. Muitas coisas eu nem sequer precisei explicar, por lógica o garoto já ia fazendo. Engraçado, eu era exatamente assim, tentava mais ser autodidata do que ficar dependendo de algum superior para me ensinar a fazer o serviço. Colocava a mão na massa e a cara a tapa, se errar, tenta de novo. Acho que até hoje é assim!
***
Logo as semanas de treinamento passaram e com a conclusão desta etapa, todo mundo quis ir almoçar junto.  Prefiro aproveitar meu horário de almoço sozinha, mas é apenas um dia, então tudo bem.
Escolhemos um restaurante próximo e em conta, para dividir a conta entre quase umas quarenta pessoas. Percebi a grande separação da mesa: Funcionários de um lado, estagiários do outro. Os jovens só conversavam entre si e os adultos idem. Era meio estranho ver essa cena, apesar de tudo o que eu falo, ainda quero que tenhamos uma relação legal, que fique até um pouco além da hierarquia estabelecida dentro do escritório. Mas, como quebrar esse gelo? Eu sou péssima em puxar assunto com gente da minha idade.
Eis que alguém tenta fazer isso. Ele mesmo: Pedro. O pior de tudo? Ele puxou assunto comigo. Primeiro contou ao pessoal sobre o dia que dividimos o guarda-chuva até a estação. O pessoal acabou rindo dele. Eles começaram a contar sobre o curso que faziam, sobre a própria faculdade, como eram as aulas. Diversos jovens diferentes, com diversos sonhos diferentes, mas todos ali, em busca de algo que nem eles mesmos ainda tinham certeza. Por que colocam essa coisa besta na nossa cabeça de que devemos decidir o que fazer pelo resto da vida aos vinte anos?
O clima no almoço melhorou bastante e voltamos bastante animados para o segundo turno de trabalho.
Mais tarde, na hora de ir embora, mais uma chuva de final de tarde resolveu dar o ar de sua graça. E Pedro apareceu novamente pedindo socorro, pois esquecera novamente o chapéu.
- Como é possível que você não tenha um guarda-chuva? Algum parente seu não fala: Olha, Pedro, vai chover, leva uma sombrinha. – reclamei no começo de nossa caminhada
- Falam. Eu que sou esquecido.
- Não pode ser. Pode ter um dia que eu não esteja aqui para te acudir.
- Acho difícil. – ele riu – Você tem cara de ser tão certinha e que não falta o trabalho.
Esse garoto perder a noção do perigo é? O quanto ele me conhece para saber o que eu sou ou deixo de ser. Eu hein!
- Você não me conhece para falar isso. – bufei
- Talvez não. Mas, de uma coisa sei: você é uma tia legal. - ironizou
- Que? – oficialmente sou a tiazona no meio dos estagiários – Tia? Tá de sacanagem?
O momento permitia um papo mais informal, mesmo que eu estivesse mordendo a língua para não mandá-lo a merda e o caralho a quatro por me chamar de tia. Nem sobrinho eu tenho ainda. Ser chamada de tia por um cara que é só uns cinco, seis anos mais novo é o fim da picada.
- Quantos anos têm? Sei que isso não é pergunta que se faça, mas não consigo mesmo estimar sua idade.
- 26. Apesar dessa cara.
- Só? Achei que tivesse mais. – tossiu para disfarçar - Quer dizer, parece até que tem mais.
- Definitivamente não foi um elogio. Mas, e você, quantos anos?
- 20. Faço 21 daqui uns meses.
Na flor da idade. Que saudade dos meus 20, 21. Olha a idosa falando né, Luana?
Logo nosso trajeto terminou e seguimos cada um para um lado, direto para casa.
***
Os meses foram passando, as estações também. A época das chuvas se foi, veio a dos ventos e depois a das flores. Porém, uma coisa não mudara desde então: tinha companhia para ir a até a estação de metrô. Pedro era meu subordinado na empresa, mas um colega de caminho de volta. Por aqueles menos de dez minutos de caminhada já conversávamos sobre várias coisas.
Ele, mesmo mais novo e brincalhão, era bem maduro para sua idade e acabávamos tendo uns papos até mais complexos e cabeça. Discutíamos quase tudo em poucos minutos. Engraçado que a gente se entendia muito bem, até enxergava minha versão mais nova nele. E isso acaba me fazendo ficar mais atraída por ele. Só que isso era perigo. Era um relacionamento no trabalho e eu sei que isso não pega muito bem, especialmente com um estagiário. Eu tinha medo de investir por causa disso.
Já ele jogava umas cantadas para mim quase na cara de pau. Ele soltava umas graças, ficava me olhando, sorrindo. Se eu fosse da idade dele, eu estaria mais derretida que manteiga. Sempre me chamava para sair depois do expediente, contudo sempre recusava por um medo besta, ele respeitava meu espaço quando eu dizia que não.
Eu não comentava sobre isso com ninguém. Imagina o que meus colegas falariam.
Até que um dia, com essa persistência dele, aceitei. E sim, fomos tomar um café ali perto. Numa sexta, eu não tinha compromisso e nem ele tinha aula. Tínhamos todo o tempo do mundo para conversar. E o garoto foi direto ao assunto:
- Sabe por que eu insisti tanto para que viéssemos aqui?
- Por quê?
- Porque eu gosto de você, Luana. Desde o dia em que você estava parada, na porta do prédio, abrindo seu guarda-chuva. Antes era só atração, mas agora...
- Idem, comigo. – sorri, boba – Mas, você sabe que não daria certo né?
- E por que não? Por causa da hierarquia?
- Não pega bem eu ficar com um estagiário. Já vi acontecer outras vezes e não acabou bem.
- Eu disse que você era certinha.
- Eu não sou. Eu só tenho medo.
- Nem se a gente tentar? – pegou em minha mão – Só uma vez. Longe daqui... – olhou para mim – Eu quero e eu acho que você também.
- Assim você me deixa completamente sem defesa, garoto. – resmunguei e ele riu
Não tinha mais volta. A vontade já era enorme. O desejo já o era também. Nem que fosse só uma noite, uma tarde, uns cinco minutos, uma caminhada até a estação, tínhamos que ficar ao menos uma vez.
- Vamos para a minha casa então. – concordei
- Agora? Posso só terminar o café?
- Pode. – e sorri
Fizemos nosso caminho habitual do final da tarde. Dessa vez, pegamos o mesmo caminho, o caminho da minha casa. Eu já não estava pensando direito, meu coração pulava de ansiedade. Sabe o pior? Acho que eu sou certinha mesmo. Eu tô me sentindo esquisita de estar com um garoto mais novo, que tem idade para ser meu irmão caçula.
Tanto eu quanto ele nos deixamos levar. Pelo certo ou pelo errado, não sabemos. Era o que a gente queria. Acabou que ele dormiu na minha cama comigo. Tomamos café da manhã juntos, nos despedimos e ele voltou para sua casa.
Algumas semanas se passaram e era o amigo oculto de final de ano, ou melhor, inimigo oculto. Quem eu tirei? O Pedro. O que dei de presente a ele? Exatamente, um guarda-chuva. Ninguém entendeu nada, mas nossa troca de olhares e risada explicou tudo, revivendo a história da chuva de fim de tarde.
Mesmo depois daquele noite, o clima não ficou esquisito entre nós. Como adultos, entendemos que aquilo foi só uma vez e não teria mais. Talvez num futuro a gente pudesse tentar para valer.
O ano virou e mais uns meses correram e com isso era o final do período do estágio dos jovens. Houve uma festa de despedida. E sim, o Pedro veio aqui em casa mais uma vez. Por quê? Nem eu e nem ele sabemos. Talvez uma noite de despedida.  Um até logo, não sei.
Vai ser triste não poder mais trabalhar e nem dividir algumas discussões com ele. Sentirei saudades desse garoto.
***
Os anos correram - cinco para ser exata -, nem estou mais naquela mesma empresa. Agora eu sou a dona da minha própria. Sempre gostei de moda e finalmente acordei para o meu sonho de trabalhar com isso. Agora tudo tem o ar mais leve. Eu acordo animada para trabalhar, para ser a líder da minha equipe e não a chefe que apenas dá ordens, mas sim aquela que está lá, trabalhando e junto aos funcionários com a mão na massa. Estamos ainda no começo, mas estou certa de que vamos crescer.
É Março novamente. Com as suas chuvas torrenciais. Alias, elas sempre me lembram alguém, um alguém que viva sem guarda-chuva. Ainda acredito que ele esqueceu de propósito para se aproximar de mim. Sempre me pego pensando nele quando olho a chuva cair através da janela.
Preparo-me para encarrar mais uma tempestade a caminho de ir para casa. Pego meu guarda-chuva na bolsa, ajeito-o e abro. Eis que escuto uma voz masculina dizer, se aproximando de mim:
- Com licença. Será que eu posso dividir com você? Eu esqueci o meu em casa.
Olhei para ver quem era e encarei aquele rosto um pouco mais velho do que me lembrava, com o cabelo um pouco mais curto, mas com mais barba.  Olhei sua mão direita e vi que ele segurava o presente que lhe dera no inimigo oculto.
- Claro. – sorri – É bom te ver de novo, Pedro.
- É bom te ver de novo, Luana.
***
“Você chega calmamente de algum lugar
e sempre me diz
da felicidade que está perto de mim.

Apoiar e ser apoiada,
chego perto de você, pouco a pouco.
Proteger e ser protegida,
eu fico convencida que
mesmo tentando me afastar do amor,
fui salva por ele.”
(RAINBOW – Ayumi Hamasaki)
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