Desde criança, sempre gostei de andar no jardim que ficava
na fazenda da minha vó. Passava longas horas sentado vendo as cores das flores,
das folhas. Com o vento mexendo meus cabelos. Eu vivia na cidade com meus pais
e sempre passava as férias na companhia dos meus avós e meus pais. Corria e me
sujava!
Minha avó tinha uma floricultura na pequena cidade onde
nasceu e onde meus pais cresceram. Quando fiquei mais velho, quis seguir
cuidando (27/10/2018)do pequeno negócio de família. Então, com o avanço da
idade da minha vó – que se tornou viúva – resolvi me engajar na loja com ela.
Tinha pouco mais de dois anos que tinha me formado na faculdade e era esse o
tempo que trabalhava na loja.
Lá nos vendemos todos os tipos de flores e plantas, fazemos
buquês ou as mudas que as pessoas queriam plantar em suas casas. E tem uma em especial, que eu é uma flor que
me encanta desde que era pequeno. Até hoje, elas ficam na varanda do casebre a
da minha vó. É a Amor Perfeito. Outra lembrança
que tenho com esta flor é que ela aparece em uma das minhas peças favoritas de
Shakespeare: Sonho de uma noite de verão. O suco extraído da flor é usado para
fazer a poção do amor. Ao se aplicar a poção nos olhos de uma pessoa
adormecida, ela se apaixonada pela primeira pessoa que vê assim que acorda.
Gostaria muito de ter essa poção na minha vida, de verdade, porque minha vida
amorosa é simplesmente um desastre.
Amor Perfeito é só a minha flor favorita. Uma pena que ela é
tão desvalorizada. Adoro como ela é pequena, tem diversas cores, cresce bem
devagarzinho depois de muito cuidado e paciência no cultivo, como qualquer
outra flor. Porém, nunca fiz nenhum buquê usando-as. Uma pena porque são flores
lindas!
Por conta disso, ela acaba vendendo até pouco. Ficam apenas
umas mudinhas dela em miúdos vasinhos no caixa da nossa loja. Algumas vezes, uns
interessados as acham bonitas e levam um. Contudo, ninguém nunca mesmo
conseguiu nomear a tal flor.
Até que um dia, mais um cliente veio para fechar a sua compra.
Cumprimentou-me e enquanto eu batia os itens e ele parou e olhou as pequenas
florezinhas.
- Nossa! Que amores-perfeitos mais lindas. Vou querer levar
uma para colocar na minha casa. – disse e depois indagou – São vocês mesmo que
criam essas mudas?
- Sim. Criamos na nossa estufa e também no jardim da
fazenda. – esse detalhe é importante, pois a loja fica praticamente ao lado da
entrada da fazenda.
- Sempre quis ter dessa florzinha em casa, ainda mais depois
de ter lido Sonho de uma Noite de Verão.
- Porque é com o líquido dessa flor se faz a poção do amor.
– soltamos ao mesmo tempo
Nós rimos e depois trocamos um olhar meio comedido. Uma
pequena tensão e atração surgiu, pelo menos do meu lado.
Terminei de passar a compra, recebi o pagamento e a pessoa
se despediu. Continuei o meu trabalho normalmente naquele dia, porém sem deixar
de pensar naquele que despertou o meu interesse. Eu nunca o tinha visto na
região, talvez estivesse só de passagem ou fosse recém-chegado. A cidade era
pequena demais e eu conhecia todo mundo, sabia bem que era um rosto novo.
***
Uns dias depois, tive que ir ao centro da cidade para comprar
algumas coisas para abastecer o estoque da casa. E numa das casas, eu vi, num
canteiro, algumas amores-perfeitos e eu tenho a percepção de reconhecer as
flores que eu cultivo mesmo depois de um bom tempo. Sabia bem quem era o dono.
E não foi surpresa ele aparecer na janela e acenar ao me avistar. Eu já estava
voltando com as sacolas lotadas de compras.
- Ei, precisa de ajuda com isso? – indagou
Nem precisei responder. Saiu imediatamente e pegou as bolsas
que carregava em uma das mãos.
- Não tem carro para levar isso? A sua loja não é assim tão
perto daqui.
- Tenho sim. É que estacionei um pouco longe, a cidade está
cheia de turistas.
- Então, vou com você até o carro.
- Agradeço.
- Não é nada!
Era uma breve caminhada de cinco minutos, mas foi o
suficiente para perguntar o que eu queria saber.
- Você é novo na cidade? Nunca lhe vi.
- Sou sim! Mudei tem pouco mais de uma semana.
- E por quê?
- Bem, minha mãe morava naquela casa e eu vim para o enterro
dela. Resolvi me instalar por aqui também.
- E com o que você trabalha?
- Sou escritor. – falou sorrindo, sem graça
- Nossa, que legal. Sempre quis escrever um livro.
- O segredo é começar. Até tem técnica, mas só se aprende
com o tempo. O início é com o que você sente.
- E sobre o que escreve?
- Eu escrevo para a coluna de um jornal e para uma revista.
Mas, fui convidado a publicar um livro, então vim para cá buscar inspiração.
Foi aqui que vivi na infância.
- Deve ser um lugar ótimo para tal. Ainda mais porque a
cidade é tranquila.
- Sim.
- Obrigado pela ajuda. – chegamos ao carro – Bem que você
podia me dar umas dicas para começar o meu livro?
- De nada. E claro que posso! Só marcarmos um dia.
Nos despedimos e entrei no carro, liguei o carro e sai,
vendo ele ficar cada vez menor no retrovisor do carro.
***
Não foi muito difícil a gente se reencontrar, mesmo sem
trocar os números de telefone. Cidade pequena, pouco gente, acabamos nos
cruzando de novo. Novamente no centro, porque eu fui ver uma amiga que estava
viajando por ali. Eu e minha amiga estávamos sentados conversando num barzinho,
até que ele apareceu e ao me ver me chamou e eu, sorrindo, respondi:
- Que bom lhe ver de novo.
Apresentei-o a minha amiga e vice-versa. Ele se juntou a nós na mesa e se juntou a
nossa conversa. Era legal ter contato com pessoas diferentes, porque aqui é
tudo muito a mesma coisa. A mesma rotina e as mesmas pessoas. Eu não reclamo,
até gosto, mas tem momentos em que sinto saudade da cidade.
E claro, fiquei observando o novo escritor presente na
cidade, ou melhor, presente naquela conversa. E como tudo nele me atraia de uma
forma que eu não sabia explicar. Os trejeitos, o jeito de falar, a risada. Eu
estava observando encantado. Ainda bem que nem ele e nem minha amiga
perceberam.
Depois de algumas horas de conversa, cada um de nós seguiu
para sua casa, sendo que minha amiga foi ao hotel em que estava hospedada.
***
Mais alguns dias passaram. Minha amiga já retornara para a
cidade, mas sem antes vir conhecer a fazenda e a loja que mantenho com a minha
avó.
E também recebi mais uma visita ilustre naquele dia, o do
meu mais novo crush. Ele tinha ligado e conversado com a minha vó e pediu para
ir lá para poder pegar algumas inspirações para seu novo livro, além de
conseguir algumas informações sobre as flores. Não pude evitar de perguntar:
- Vai escrever sobre flores?
- Sim. Alias, esse é um elemento muito importante para
história que tive.
Posso me derreter agora?
- Que legal! – sorri
- Não se preocupe que vou lhe ajudar a escrever o seu
também.
- Bem, na verdade, eu já tenho um livro, mas nunca mostrei a
ninguém.
- Sério? E sobre o que é?
- Sobre minha adolescência na cidade e em como decidir vir
morar nesse “fim de mundo”. – frisei as aspas no ar
- É pessoal, como um diário?
- Não. É mais inspirado do que qualquer outra coisa. É que
você disse que era escritor e vi como uma oportunidade de alguém lê-lo
finalmente e dar uma opinião concreta sobre. Desculpe!
- Que isso. Não tem problema nenhum. Vai ser um prazer ler o
seu.
- Espero ter o prazer de ler o seu também. – confessei
- Isso só quando ele for lançado. Meu editor vai ver
primeiro.
Então, junto com vovó, passeamos com o visitante e ele
perguntava tudo e anotava também.
E bem, como precisava de uma opinião sobre o que escrevi.
Peguei uma cópia do meu manuscrito e dei a ele. Ele disse que não atrapalharia
a escrita do livro. Trocamos os contatos para podermos nos comunicar melhor se
necessário.
***
Eis que ele me chamou para ir a casa dele em uma tarde.
Acredito que ele finalmente terminara de ler o meu escrito. E eu estava nervoso
quanto ao que ele ia achar! E eu estava certo. Cumprimentamo-nos e ele foi
direto ao assunto.
- Bem, aqui está seu manuscrito. – devolveu-me e percebia
que tinha algo de diferente nele - Como
vou dizer isso? Olha, tá bem... Ruim. – ao ouvir isso, eu fiquei devastado –
Como explicar? A história está rasa, corrida, mas eu adorei os personagens. Só
talvez dar uma revisada e alterar algumas coisas.
Era uma crítica normal, mas ouvi-la vir do meu mais novo
crush, quebrou todo o encanto que eu tinha por ele. Eu me abri para ele, no
sentido de mostrar algo que escrevi num dos momentos mais difíceis da minha
vida, que foi quando decidi me mudar para o interior. Aquilo me pegou de um
lado pessoal e eu senti mesmo. E eu não queria ficar lá nem mais um segundo,
porque aquilo me magoou e muito.
Ele continuou falando e eu simplesmente abstrai, fingia que
estava ali, mas não estava. Chamou-me para tomar um café e eu recusei, dizendo
ter um outro compromisso. Era mentira!
E desde então, dava desculpas para não ir a todos os
convites dele. Até que houve um momento em que ele percebeu e simplesmente
parou.
Umas semanas depois, soube que o escritor tinha retornado a
cidade e eu respirei em paz. Não precisaria mais ficar me esquivando e me
escondendo. Continuei levando minha vida um dia de cada vez. Uma flor de cada
vez!
***
Mais semanas depois, finalmente tomei coragem para
finalmente olhar aquele manuscrito que o meu ex-crush rejeitara. E folheando as
páginas percebi que ele fez diversos rabiscos e apontamentos, quem ele pensava
que era? Opa, eu quem pedi a ajuda dele. E na primeira negativa e reprovação,
eu não gostei. Como eu era ridículo!
Fui relendo o texto e os comentários e notei que tudo aquilo
fazia muito sentido. Ele tinha mais experiência que eu. Acho que fiquei tão
cego pela atração dele, que levei a rejeição ao meu texto como uma rejeição a
mim. Como a gente exagera! Decidi que pegaria e reescreveria o texto inteiro,
tentando seguir as dicas.
Eis que, ao fazer isso, senti que a escrita fluía de uma
forma que nunca fora antes. Lembro de todo o tempo que levei para escrever da
primeira vez. Da segunda vez, foi em pouco mais de um mês. E claro, em muitos
momentos pensando no meu ajudante de escrita. Eu tinha agora um segundo
rascunho, mas não sei se mandaria esse.
Minha vó me chama, pois havia chegado alguma encomenda para
mim. Olhei o embrulho e abri, era um livro chamado “Amores Perfeitos”. E ele
estava autografado pelo autor, que eu sabia bem quem era. Tinha uma dedicatória
grande, escrita numa carta. E estava assim:
“Querido ex-crush,
Você deve estar se perguntando por que diabos recebeu uma
cópia do meu livro depois de tanto tempo se nos falarmos?
Eu senti que precisava lhe enviar o livro. Pois,
ironicamente você foi a minha inspiração nele. Você e aquela pequena muda de
Amor-perfeito que eu comprei.
Fui a sua cidade com o intuito de enterrar a minha mãe e
aproveitei para tentar conseguir escrever o meu livro. Meu editor já estava me
pressionando e eu não tinha escrito uma linha sequer. Estava bloqueado e tinha
um prazo.
E ai, apareceu você. Com seu sorriso e que me lembrou sobre
a Poção do amor que se faz com a suco da Amor Perfeito. E esse foi o estalo que
eu precisava. O choque de nossas mãos me deu uma energia, mas foi tanta, que eu
escrevi tantas páginas que perdi a conta. Pensar em você fazia com que meu
livro fluísse e a história dele fosse contada. E você é minha inspiração nesse
detalhe também.
Imaginei um homem simples do interior, que depois de um
tempo percebi que era alguém que era da cidade e decidiu morar no campo. Aquilo
me incendiou por dentro, um fogo para continuar a escrever que eu virei a
noite.
E então, você pediu para ler o seu livro. E eu, com todo o
carinho que passei a nutrir por você, fui ler. E bem, não foi o melhor livro
que li em minha vida, mas tinha muito potencial para ser excelente. Só que eu
não consegui te falar isso naquela tarde que devolvi o manuscrito. O jeito que
você reagiu acabou comigo. Mas, me fez acordar para outra coisa: Te tirar do
pedestal da perfeição que lhe coloquei, ou melhor, coloquei o personagem.
Tentei retomar o contato, mas vi que havia lhe magoado de
uma forma sem volta, então, lhe dei o seu espaço. Dediquei-me a terminar o meu
livro e apenas isso.
Com o livro pronto. Fiz minhas malas e parti, talvez para
nunca mais voltar. Voltar aqui e ter que lhe ver de novo e me olhando com
aquela cara? Melhor não!
Meu editor amou o livro do início ao fim, não queria mudar
nada. E foi ai que eu percebi outra coisa, eu tinha menosprezado algo que me
deu muito: Você. Eu disse que o seu livro não era bom e não você, mas acabei
dando a entender as duas coisas juntas. Até então o livro não tinha título e
ganhou este que esta vendo, por causa de tudo isso.
Não quero que me perdoe. Eu só queria escrever e lhe contar
o meu ponto de vista de tudo.
Espero que tenham lido o manuscrito que alterei, pois ali
lhe dei muitas dicas e espero que as tenha usado para reescrever o livro. E se
tiver feito isto, terei o prazer de reler.
Admito também que me apaixonei por você. E foi horrível ter
que deixar você ir embora.
Qualquer coisa, se quiser me ver, estarei numa sessão de
autógrafos esta noite lá no centro da cidade.
Beijos!”
Ao ler a aquela carta de amor, não pensei nem duas vezes.
Fui me arrumar para ir ao centro da cidade, porque eu precisava vê-lo de novo e
lhe entregar o novo manuscrito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário