Essa história se passa no inverno,
mas não um inverno que a gente pensa naturalmente, ou melhor, o inverno que nos
vendem. Aqui não tem neve, boneco de neve, nem ação de graças e nem natal. O
inverno daqui é de 15°C, o suficiente para a gente tirar todos os casacos,
botas, gorros e luvas dos armários. Estamos no Rio de Janeiro, a minha cidade.
Não julguem o nosso inverno!
Eu sou a Luísa e ao me descrever
vocês diriam que eu sou a patricinha da turma. Eu só me considero normal,
ligada em moda, maquiagem, música, livros (algumas vezes), redes sociais. Sou
uma adolescente normal acima de tudo. Mas, para tudo a gente acaba recebendo
rótulo, principalmente na escola e no ensino médio, que é patricinha fútil. Tá,
o fútil é exagero! Estou no auge dos meus 15 anos, recém-completados no final
do último ano e estou no primeiro ano do ensino médio.
Confesso que foi uma experiência
diferente do que o segmento anterior, mesmo me mantendo na mesma escola. As
aulas já se mostraram diferentes e bem, saíram alunos antigos e entraram novos
no colégio, o que muda e muito a dinâmica da turma. Todos da turma até se
conversam, mas afinidades são bem poucas. E surgiu o chamamos carinhosamente de:
Turma Rebelde do Fundão da sala. É um grupo de garotos que apenas atrapalham
todas as aulas com suas brincadeiras não lá muito legais algumas vezes.
Eu passo meus dias na escola na
companhia das minhas duas melhores amigas: Jolynn e Marina. Estudamos juntas
desde sempre, pelo menos de onde eu me lembro. Jolynn é nossa gótica suave,
adora rock e roupas mais escuras. Ela escreve algumas coisas bem legais e
publica na internet, mas ninguém sabe que é ela. Marina é a nerd do grupo. Ela
nos ajuda a estudar para as matérias. Ela adora ler, especialmente os seus
quadrinhos e mangás.
E chegando próximo ao meio do ano,
além das férias, nessa escola tem mais uma coisa que é tradição: Festa Julina.
Evento onde todas as turmas são chamadas para apresentar uma atividade de
dança, que vale a nota do bimestre em Educação Física. Então, todo mundo acaba
participando porque não quer ficar com uma nota baixa manchando o boletim.
Fomos informados pelo diretor que
a tal época se aproximava novamente e devíamos decidir o que apresentaríamos, o
que seria feito numa reunião logo após o término das aulas do dia. Foi feita
uma votação e aconteceu o que eu e minhas amigas suponhamos: Quadrilha. Eu
preferia uma dança mais moderna, mais divertida, mas democracia é democracia.
Logo os superiores souberam de nossa decisão.
Na sexta-feira seguinte, a tarde,
nos reunimos novamente, dessa vez no pátio para o primeiro ensaio. Mas,
primeiro, devíamos decidir quais seriam os casais.
- Quer apostar que todo mundo vai
querer ser o par do Vitor? – comentou Marina
Ele é o crush de 90% das meninas
da nossa classe. Ele é bonitinho, simpático e claro, joga futebol muito bem. Eu
tive uma queda por ele no início do ano, mas não passou disso. Mesmo eu sendo
tecnicamente popular, ele nunca trocou nada além de bom dia comigo.
E minha amiga estava mais que
certa. Outra medida teve que ser tomada para que fosse justo. Afinal, pares
para dança precisavam ser formados o mais rápido possível. Nosso representante
de turma tomou a frente e disse:
- Meninas, não podem ficar todos
como par do Vitinho, assim não conseguimos formar uma quadrilha. O que acham de
fazermos um sorteio e tirar as duplas na sorte? Quem concorda levante a mão.
Aquilo tinha muito potencial para
dar muito bem ou muito errado, mas foi a única e melhor ideia que surgiu, então
eu, minhas amigas e mais um monte de gente levantou a mão e tínhamos um sorteio
para realizar agora. Cada um escreveu seu nome num papel e os nomes foram
separados em meninos e meninas. Somos uma turma mista o suficiente para que
nenhum par fosse de duas garotas ou de dois garotos, o que há meu ver não tem
problema algum.
E começou a retirada dos papéis
dos casais. Eu me senti muito em Jogos Vorazes, onde um menino e uma menina são
escolhidos como tributos, ou melhor, para uma sessão de tortura de cinco
minutos na frente da escola toda e dos seus familiares também. Não há
humilhação pior para um adolescente de classe média alta.
Minhas amigas foram logo tiradas.
Jolynn teve a sorte (ou seria inveja) de ficar com o Vitor. Já Marina ficou com
o Antônio, que é dá turma dos inteligentes da sala. Sorte a dela, ela tá a fim
dele tem um tempinho, pode ser uma boa chance para ela finalmente dar uma
investida nele.
E eu, bem, logo chegou a minha vez
e vi que aquela dança de festa julina poderia ser a pior da minha vida, com
direito a esse drama mesmo, eu posso. Me deixa! Quem ficou como meu par é
Otávio, que é da turma do fundão. Eu não me dou muito bem com eles, sendo
sincera. Eles já fizeram comentários sobre mim dos quais não gostei e acabei
tomando ranço mesmo.
Ele se aproximou de mim logo em
seguida, enquanto os outros nomes ainda eram tirados. Sorriu, meio sem graça,
por conta de todo o histórico e só falou:
- Olá, Luísa! Olha, eu sei que não
queria que fosse meu par. Na verdade, acho essa história de dança toda um saco,
só estou fazendo pela minha nota mesmo.
- Pelo menos nisso a gente concorda!
– cruzei os braços
- Quero também pedir desculpas
pelo que meus amigos falaram de você. Tem horas que eles são uns babacas!
- Tem horas? – ironizei
- Tá bom, eles sempre são. Admito
que pensava igual antes, mas agora sei que não se pode dizer isso de uma
garota.
- E com quem aprendeu isso?
- Com a minha irmã mais velha.
Quando comentei da história com ela, só faltou ela puxar a minha orelha. – riu
– Ela é toda engajada nessas coisas, acho legal!
E não falamos mais nada. Depois a
turma se reuniu novamente para decidirmos o que faríamos além de uma simples
quadrilha, porque nos chegou a informação de que também seria um concurso e a
melhor turma seria premiada com ainda não sabemos o quê. Mas, só de haver a
palavra competição e prêmio, muitas pessoas da sala levariam aquela
apresentação muito a sério. O que não
era o caso de mim e nem do meu par. Olhei para ele neste momento e percebi
indiferença no seu olhar, assim como ele percebeu no meu. Havia uma sintonia
estranha entre nós!
Em seguida, a classe se sentou em
roda no pátio e ficamos discutindo ideias de incrementar nossa dança. Sugeriram
acrescentar música moderna, misturar com outros tipos de dança como xaxado. E
veio uma ideia maluca, de uma garota – aluna nova que não lembro o nome - que
disse ter, há pouco tempo, começado dança de salão e que seria bem divertido a
gente colocar alguns estilos misturados a partes da quadrilha. Era uma ideia
legal mesmo, tanto que a maioria concordou com ela, inclusive eu. Porém, isso
acarretava que devíamos pagar por aulas particulares ou por coreógrafo para
colocar tudo junto. A mesma menina disse que falaria com a professora e que por
serem aulas comunitárias, ela podia até cobrar um preço mais em conta. Sendo
assim, a reunião terminou e todos se dispersaram. Eu fui com minhas amigas para
a minha casa, já que íamos fazer outro trabalho naquele mesmo dia.
***
No dia seguinte, a garota trouxe a
resposta de sua professora e poderia nos dar as aulas. Ela cobrou sim, mas um
valor até bom, levando em conta que ia ser pago por 40 pessoas. E havia outro
problema, o ensaio seria alguns dias da semana e no sábado. Média de três a
quatro por semana. Pelo que parece isso foi ordem dos mais interessados no
bendito prêmio. Ou seja, lá se vão às tardes e os finais de semana livres até
essa festa. Antes isso valesse só uma nota besta mesmo!
O primeiro ensaio era já no outro
dia, lá na escola mesmo. Todos levamos
roupas leves para usar na hora do ensaio. Primeiro, a professora se apresentou.
- Boa tarde, pessoal. Eu sou a
Joana e vou ajudar vocês com a parte de dança de salão e de coreografar a dança
de vocês. Então, quais ideias vocês tem exatamente para isto?
- Bom, queremos ao menos usar três
estilos diferentes durante a quadrilha. Nada que ultrapasse cinco ou seis
minutos.
- Entendi. E quem aqui sabe alguma
dança de salão? – poucos levantaram as mãos, meu par foi uma destas – Bem,
temos que começar pelo básico então. Em casais, por favor!
Nesse momento ainda estávamos
juntos em nossos grupinhos e após uma breve dispersão, todos estavam com seus
pares respectivos. Otávio me cumprimentou, já a gente mal se olhava na sala de
aula, ele perguntou, por educação, se estava tudo bem.
- Não sabia que já havia feito
dança de salão. – comentei
- Minha mãe é dançarina e bem,
agora que fiquei mais alto e a coluna do meu pai já não aguenta, ela treina
comigo. Então, eu sei um bocado.
- Que legal! – sorri, era uma
coisa interessante e inesperada sobre um garoto do fundão
Eis que a professora começou a
falar:
- Bem, o ideal e o que sugiro é
que façam a valsa, mais simples e vocês vão elevando o nível, com uma salsa e
um tango para fechar. – ninguém teve qualquer objeção, ela prosseguiu – Então,
casais, pose inicial. Uma das mãos unidas e meninas a outra mão de vocês vai no
ombro de seu par e a dos meninos vai na cintura. E por favor, sem gracinhas. –
todos riram – O básico da valsa. Ela simulou a pose no meio da roda que fizeram
e fez – Um, dois, três. Um, dois, três. E vão girando. Meninos guiando!
- Isso parece complicado. – olhei
o tutorial confusa – Como se faz isso?
- Não é tão complicado. Bom, eu
vou te guiar na dança, com o todo o respeito. – e riu – A dança de salão é um
pouco machista.
- Tudo bem, é só uma dança.
- Siga meus pés. Pode olhar para
baixo se quiser, prometo não pisar no seu pé.
Fiz conforme ele disse. E fizemos
perfeitamente algumas vezes, devagar, até que eu me embananei e pisei em seu
pé.
- Desculpa! – soltei enquanto ele
reclamava
- Faz parte! – voltamos a posição
inicial – Comigo: Um, dois, três. Um, dois,
três. Isso! De novo.
Dava para perceber que não era só
eu e Otávio que tínhamos dificuldades - ou melhor, eu tinha dificuldades – em
executar passos tão simples. Já ouvira reclamações de pisão de pé, gente
errando a direção dos passos. A professora passava nos olhando e vendo se
estávamos indo bem. Quando ela se aproximou de mim e do meu par, Otávio fez
algo que até me assustou, ele me fez dar um rodopio.
- Muito bem! Bom ver que já
pegaram o jeito e estão até explorando outros passos. – riu – Parece que você
tem um excelente condutor.
Quando ela se afastou, eu
resmunguei:
- Por que fez isto? Quase me mata
de susto.
- Quis fazer uma graça. Vai dizer
que não foi legal?
- Foi! Só não faça mais isso.
- Não posso prometer. – e eu
rodopiou de novo, me segurando pela cintura por fim, me provocando
Aquilo já chamara a atenção dos
colegas de classe. Que viam a facilidade com que a gente conseguiu. E bem,
pelos planos clichês de festa julina e que já tinha rolado esse papo durante a
aula de hoje, era que precisávamos de um noivo e uma noiva. E por que não os
que dançavam melhor?
Otávio ainda ousou me ensinar
alguns outros passos, nem tão elaborados na visão dele, mas bem difíceis para
mim, confesso. A professora gostou
bastante disso também!
Ficamos uns vinte minutos da valsa
e depois, ela ensinou a salsa, que era até mais animado e com o passo básico
para frente e para trás, diferente da valsa. O pessoal se animou com isso este
acho que todos pegaram mais rápido, inclusive eu.
E claro que meu par resolveu dar
de engraçadinho sem me avisar de novo. Ousou em alguns passos e que brilharam
os olhos da turma tudo de novo.
E a mesma coisa aconteceu quando
treinamos o tango. Mas, dessa vez, ele foi um pouco demais.
- Posso fazer uma coisa?
- O que? Vai fazer graça de novo,
garoto?
- Vou. Mas você confia em mim?
- Eu tenho escolha?
Ele riu e falou na sequência:
- Relaxe as pernas!
E algo surreal aconteceu. No
segundo seguinte, ele me jogou para cima, dando toques nas minhas pernas e eu
meio que flutuei até pousar no chão. Eu não tenho medo de altura nem nada do
tipo, mas o choque foi ser de repente. Pronto! Era o que eu mais precisava para
virar a noiva da quadrilha. Que desgraça!
Todos aplaudiram, inclusive a
professora Joana. E claro, o que eu temia aconteceu:
- Já temos nosso casal de noivos
da quadrilha. – expressou o representante
- E o que iremos fazer afinal? –
Eu indaguei
- Isso que vocês fizeram. –
respondeu a menina que indicou a professora – Nem eu com meses de aulas fiz uma
coisa assim.
O ensaio com a parte da quadrilha,
onde estruturamos toda a coreografia junto com a professora. A quadrilha
ocupará a maior parte da dança, sendo alternada com as de salão, com uns 40
segundos casa, prosseguindo com a quadrilha. Sorte de quem vai ter que mixar
isso tudo! E outra coisa foi decidida,
com o destaque no ensaio, eu e Otávio seríamos o casal principal nas partes de
salão. Os outros ficarão em volta, em uma roda, enquanto eu e ele fazemos a
parte mais elaborada. A professora disse que pode nos ajudar nisso.
- Como vou aprender três estilos
de dança em um mês? - retruquei
- Olha o que você fez um dia,
menina. Imagine um mês.
- Podemos ensaiar nos outros dias
juntos, se quiser. – falou Otávio
Assenti, entre ombros. E lá se vão
às tardes livres que tinha. Eu tô muito fodida!
A professora nos passou a
coreografia e bom, podíamos ensaiar porque o Otávio sabia tudo. Ele disse que poderíamos ensaiar na academia
de dança da mãe dele, que ficava perto da escola. Começaríamos já no dia
seguinte!
***
Minhas amigas me perguntaram durante
a aula do outro dia:
- Então, amiga, que louco você ter
ficado como a noiva. – disse Jolynn
- Louco não? Meu par que ficou
fazendo aqueles passos comigo.
- E foi bem legal. – comentou
Marina – Muito da dança de salão é sobre o condutor, ele quem manda na dança.
Já o conduzido fica com as partes mais divertidas. O problema é seu parceiro
ser do Fundão da sala.
- Ele deve ser bem chato né amiga?
– Jolynn indagou
- Até que não! Ele é só um pouco
rebelde. – ri – Mas você sabia que a mãe dele é dançarina? Por isso que ele
sabe tudo isso de dança. O que foi inesperado.
- Mais um motivo para vocês dois
serem o noivo e a noiva. – Maria gargalhou – Vai ser engraçado no dia da festa.
- Nem me faça pensar nisso. Jogou
a responsabilidade de ganharmos toda nas nossas costas. Tô meio aflita com
isso, porque bem, eu não sei dançar isso.
- Sabe sim! Você viu o que fez
ontem, só treinar mais e vai aperfeiçoar. Tem uma espécie de dom nato em você.
Depois nós trocamos de assunto.
Encontrei-me com Otávio no final da aula, em frente ao portão da escola. Numa
situação normal, isto seria visto de maneira estranha pelo outros, mas em
virtude da Festa Julina, aquilo era normal e aceitável. Tem horas que o mundo é
bizarro!
- Olá, Luísa. – sorriu a me ver –
Podemos ir para o ensaio?
Assenti e seguimos para o estúdio
da mãe dele, que ficava uns dez minutos dali. O local parecia vazio e confesso
que fiquei apreensiva de ficar sozinha com ele naquele lugar. A gente menina
sempre tem esses medos. Inconscientemente! Por graça do destino, tinha uma
mulher lá nos esperando, era a mãe de Otávio, segundo a forma como ele a
cumprimentou.
- Olá, filho. – ela respondeu – E
você deve ser a Luísa. Prazer, eu sou a Luciana. – estendeu a mão e eu estendi
a minha – Bem, vou ficar por aqui, o estúdio está livre agora, mas daqui duas
horas tenho uma aula. Não podem passar desse horário, entenderam?
Assentimos e entramos na enorme
sala de piso de madeira escura com um espelho que cobria uma parede inteira.
Achei o lugar bem legal!
Eu e Otávio usamos os vestiários
para nos trocarmos e voltamos.
- Pronta?
- Claro!
Demos as mãos e ele segurou minha
cintura e eu pus a mão em seu ombro.
- Vamos começar pela valsa ok?
Lembra: 1, 2, 3. – falou isso marcando os passos bem firmes no chão, fizemos
algumas vezes e ele me fez rodopiar, depois continuamos no passo marcado e
rodando pela sala – A professora não botou nada muito complexo para fazermos.
Uns giros, umas passadas, coisa bem inicial nas três danças. Talvez por sua
falta de experiência!
- Falta? Quer dizer zero né? – e
me recordei de uma coisa do dia anterior – E como fez aquilo ontem comigo? O
passo que me praticamente me arremessou?
- É um passo mais complexo e que
eu sempre fui doido para fazer, mas até a minha mãe tem um pouco de medo dele.
Dança de salão é uma coisa minuciosa e bem detalhada.
- A começar pelos passos base. –
ri – Enfim, acho que ficaria legal fazermos ele. – completei
- Só se você quiser.
- Apesar do susto, eu achei
divertido.
Estávamos conversando olhando um
para o outro e já tínhamos encaixado o ritmo da valsa. Otávio percebeu isso.
- Não sei que mágica é essa, mas
olha, já conseguimos dançar sem você olhar para baixo. Comparado a ontem, temos
um progresso.
- Talvez você seja um bom
professor.
- Ou você seja uma boa aluna. – e
sorriu
E assim, todas as tardes se
tornaram as de ensaio, fosse com toda a turma ou fosse com Otávio. E conforme
os dias passavam, a temperatura também caia e já se fazia necessário sair de
casaco em alguns dias.
***
Faltavam poucas semanas para a
festa! Tudo estava uma correria, era ajeitar os passos, os tempos das músicas,
ver as roupas para usar na dança e também chegou o período de provas junto com
os ensaios finais. Otávio e eu já tínhamos uma química na dança que acho que a
turma inteira notava. E claro que minhas amigas comentaram comigo sobre:
- Então, Luísa, você e o Otávio
estão ficando? – indagou Marina
- Claro que não! Cê tá louca? –
respondi logo
- A gente já percebeu o jeito que
vocês se olham. – completou Jolynn
- É coisa da dança, meninas.
- Você acha que nos engana? – em
uníssono
- Estou falando sério! – cruzei os
braços – Não tem nada rolando entre a gente.
- Tá bom. A gente acredita! – se
deram por vencidas
E eu tinha percebido uma outra
coisa nesse meio tempo. O quanto o Vitor olhava para nós três ali conversando
na sala. Ele e Jolynn, mesmo sendo um dos pares, não se davam lá muito bem.
Talvez ele estivesse olhando com raiva, mas ele olhava para mim, com aquele
olhar devorador que alguns garotos lançam. E na boa, isso me incomodou! Sentia-me
invadida com um simples olhar. Fingi que nem era comigo!
Mais tarde, quando a aula
terminou, eu e Otávio nos encontramos no portão da escola para mais um ensaio
no estúdio de sua mãe. Quem diria que cerca de um mês atrás todos me veriam
sair da escola com o garoto do fundão, que apenas zoava em 90% das aulas.
Otávio não era nada do que aparentava ser. Ele era bagunceiro sim, era zoeiro
sim. Mas, ele era do fundão só por gosto mesmo! Ele não é burro, ele estuda e
tira boas notas.
Naquele dia fazia um pouco mais de
frio e eu esqueci meu casaco em casa, até vim com uma blusa mais grossa, mas
não adiantou muito. Assim que pus o pé fora dos muros da escola, comecei a me
debater. Otávio imediatamente me ofereceu o seu casaco, que obviamente virou um
saco de batata em mim.
- Obrigada!
- Não é nada!
E ele me jogou seu olhar, aliás,
eu já estava acostumada com aquilo nesse pouco tempo de convivência com ele,
era o jeito dele falar qualquer coisa, sendo educado. Só que o que minhas
amigas comentaram comigo mais cedo estava ainda reverberando na minha cabeça e
vi umas notas de algo mais nesse olhar. E admito, eu fiquei prestando atenção
nisso durante todo nosso ensaio naquela tarde e isso estava me desconcentrando.
Eu estava errando mais que o normal.
- O que há com você hoje? – ele
perguntou se afastando um pouco – Você nunca errou esses passos.
- Talvez seja ansiedade. – dei uma
desculpa esfarrapada
- Ansiedade pelo quê?
- Todas essas nossas provas. É
muito matéria para estudarmos.
- Isso é verdade! – ele compreendeu
– Só que eu acho que não é isso. – disse me olhando nos olhos – Você está me
olhando demais hoje. Tem algo acontecendo que eu possa saber?
Ele tinha esse quê de sincerão e
jogar na lata logo, foi assim no primeiro dia.
- Pode falar. Você tá a fim de mim?
– soltou
E eu fiquei muda, olhando para ele
sem expressar reação. Eu não podia! Minhas amigas me abriram para um pensamento
que nem tinha cogitado até então.
- Talvez. – falei, por fim
- Podemos tirar isso à prova. –
disse me olhando, maliciosamente – Que tal?
Assenti, me cagando de medo. O
aconteceu em seguida, bem, era esperado, mas não da maneira que foi. Esperava
que Otávio fosse me puxar pela cintura e de uma vez entrelaçar nossos lábios
num beijo, de um jeito selvagem. Não sei adjetivo melhor! Mas não! Ele sorriu,
gentilmente pegou na minha mão e a beijou, sem tirar os olhos de mim. Pôs a mão
livre em minha cintura, o puxando para perto de mim e só então, ele me beijou.
Parecia mais uma das nossas danças e eu me senti bem assim!
Um pequeno estalo separou-nos
quando a mãe de Otávio apareceu na porta da sala.
- O que estão fazendo ai? – sua
voz ecoou na sala vazia – Achei que estavam ensaiando.
- E estamos. – ele respondeu –
Demos uma pausa.
- Para namorar? – riu
Eu não sei de qual cor eu estava,
mas eu só queria era me esconder embaixo da terra igual avestruz. Ser flagrada pela
mãe independente de qual seja é extremamente constrangedor. Eu só queria era
sair correndo dali o mais rápido possível. A mãe dele disse enfim:
- Só vim avisar-lhes do horário.
Falta meia hora.
- Obrigado.
E assim, ela saiu. Eu e Otávio ficamos nos
olhando, naquele momento pós-beijo-interrompido-por-uma-mãe sem saber o que
fazer.
- Otávio, eu preciso ir.
- Mas nosso horário ainda não
acabou.
- Eu sei. Mas... – fiquei quieta
- Mas o quê? Pode falar: Não
gostou do beijo né? Tudo bem, faz parte.
- Não é isso. – eu tinha gostado e
não queria falar, era isso – Eu preciso mesmo ir.
- Tudo bem. – ele se deu por
vencido – Eu te levo até lá na frente.
Só que eu tinha esquecido aquele friaca
de 15°C que veio logo nesse dia. Preciso de blusas mais grossas para essa
temperatura.
- Pode levar meu casaco. Tá frio
para você voltar para casa assim. Minha parceira não pode ficar resfriada tão
perto da festa.
- Obrigada! Eu te devolvo amanhã,
quando vier devidamente agasalhada.
- Claro! Ah, desculpa pela minha
mãe.
- Foi uma cena meio, sei lá, mas
acho que ela vai entender.
- Sim. Bom, até amanhã.
Acho que ele percebeu que eu não
queria tocar no assunto beijo e obviamente deixaria esse acontecimento como
segredo, até das minhas amigas. Porque ninguém merece ter que reviver isso ao
recontar.
***
E realmente o acontecido ficou
intocado entre mim e o Otávio. Ensaiamos no dia seguinte com a turma como se
não tivesse acontecido nada. Alias, era
o dia de mostrar as nossas partes para a professora e para o resto da turma.
As três músicas dos três estilos
foram encaixadas em sequência e assim fizemos as coreografias de uma só vez. Eu
sinceramente apaguei a minha mente, só me deixei levar pelos passos, pelas
músicas, pelas mãos de meu condutor. E eu praticamente flutuei ali!
No final, foram aplausos e o maior
alvoroço!
- Isso! Esse prêmio é nosso! –
gritou Vitor
- Arrasou, amiga. – Jolynn e
Marina disseram
- Ótimo! Maravilhoso! Vocês estão
impecáveis, vão arrebentar no dia da festa. Continuem apenas ensaiando para não
perder o ritmo.
***
O resto do tempo passou depressa.
Vieram às provas do bimestre e para nos curar da ressaca das provas, a festa
seria no dia seguinte. Fui fazer a última prova da minha roupa de noiva junto
com o resto da turma, até porque mandamos fazer tudo no mesmo lugar. Eu só
fiquei imaginando o quanto de frio iria passar com meus ombros de fora.
Incluindo nisso eu e as outras meninas. Os garotos estavam felizes com suas
roupas com mangas.
Eis que chegou o sábado! O sábado
da festa! Estávamos ansiosos e nervosos! E claro, a ironia do destino fez com
que a temperatura caísse mais por conta da chuva que apareceu. Ou seja, era
estar com frio e molhada.
Fiquei a maior parte do tempo com
minhas amigas, comendo, conversando, rindo e tentando esquecer o que faria logo
na frente da escola inteira. Todas nós estávamos nervosas, mas ainda acho que
eu mais.
Logo a nossa turma se reuniu nos
bastidores, pois se aproximava a nossa vez de nos apresentar. O pessoal trocou
de roupa e ficamos no enorme camarim conversando e repassando uma última vez os
passos. Afinal, um prêmio especial estava em jogo. Foi lá que eu encontrei com Otávio, não tinha
visto ele a festa toda.
- Nervosa, Luísa?
- Bastante admito!
- Normal. Eu também estou. Mas,
estamos juntos nessa lembra?
- Sim. – sorri, sem graça
Uma coisa que martirizava naqueles
últimos dias, era sim o beijo e que não tocamos mais nele. Ele estava ocupando
a minha mente. E eu senti que, com o final da apresentação, talvez não
conseguisse falar com Otávio sobre o que eu realmente achei do beijo. Eu sentia
que minha chance ia escapar e se perder. E talvez eu passasse o resto do ano
com uma paixonite besta no garoto do fundão da sala. Eu tinha que falar, eu precisava
falar.
- Otávio, eu posso te falar uma
coisa.
- Atenção, alunos da 1B, está na
hora de vocês. – nos chamaram
- Pode ser depois da dança? – me
estendeu a mão
- Claro. – segurei, não querendo
soltar
Eis que fomos para o palco, ou
melhor, a quadra e ficamos em nossas posições.
A música começou a tocar e todos
começaram a quadrilha, bem tradicional mesmo. Seguindo nossa ideia, eu e Otávio
fizemos as três danças e salão, como uma grande dança dos noivos, enquanto os
colegas, em roda, apenas batiam palmas enquanto dançávamos. Quem assistia a
apresentação vibrava com cada passo mais elaborado que fazíamos. Fizemos uma
valsa alegre, uma salsa divertida e um tango apaixonante. E terminamos!
Aplausos! Gritos! Tudo isso
misturado. Uma euforia. Coração acelerado. Eu e Otávio sorrindo um para o
outro. Não precisamos falar, sabíamos que tínhamos ido muito bem.
A turma voltou ao camarim animada
e vibrando muito, mas eu, eu não estava feliz. Todos se dispersaram logo depois
e em poucos minutos, de volta com minhas amigas, eu percebi que minha vida escolar
voltaria ao normal logo.
Jolynn e Marina – junto com
Antônio - conversavam alegremente. Todos nós, sentados na área externa para se
recuperar do calor da dança com o vento mais gelado de fora. Eu olhava melancólica
para a quadra, onde outra turma se apresentava. Queria parar naquele momento e
vivê-lo para sempre se possível. Logo anunciariam o resultado do Concurso de
Dança da festa e ninguém fazia ideia do prêmio ainda.
Tão distraída e eu nem notei que
minhas amigas tinha simplesmente saído de lá e eu fiquei sozinha. Aproveitei um
pouco essa solidão, eu estava necessitada. Até que, de repente, começou a cair uma chuva
fina, típica desta época e que marcava pequenas presenças desde a manhã. Não
queria dar o mole de pegar um resfriado, então decidi retornar a parte coberta.
No caminho, esbarrei com alguém. Um alguém que estava nos meus pensamentos
minutos antes. Acabei caindo no chão, de tão grande que foi o impacto.
- Você está bem? – Otávio indagou,
me estendendo a mão
- Sim. – levantei-me com sua ajuda
- Que bom.
Ele ia seguir seu caminho, mas eu
o chamei.
- Posso falar aquilo que queria
com você?
- Claro. E o que é?
- Eu gostei do beijo naquele dia.
Só não consegui falar.
- Quer dizer que você tá a fim de mim?
- Não. Acho que gosto de você.
- Isso é muito melhor de ouvir.
Se aproximando, ele me beijou
daquele jeito de novo.
Pensei que a quadrilha fosse ser a
pior coisa desse ano, mas acabou sendo a melhor. Pensei ser o inferno, mas
acabei no céu no final das contas. Mesmo com o frio, eu não importei de ficar o
resto da festa com o Otávio, afinal, ele me emprestou o casado de novo.
Ah, e quanto ao prêmio? Bem, a
minha turma ganhou e veja só, era uma viagem, talvez no final do ano.
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