sexta-feira, 30 de setembro de 2022

O Segredo das Fadas - 12 Meses com Minorin: Setembro


 

"Vamos cantar juntos no meu sonho

É uma melodia de fadas

vamos cantar


(...)


Até a manhã brilhante chegar

Um conto de fadas de uma noite só

A música suave nasce tão doce tempo bem-vindo

Com uma estrela cadente cruzando o céu noturno

colete seus desejos

Eu estou indo para sua cidade em breve"


(Fairy Tune - Minori Chihara)


***


O Reino das Fadas - paralelo, misturado e escondido do mundo dos humanos -, amanhece com uma notícia bombástica. A Rainha Iris, que está há séculos no comando das criaturas mágicas, estava finalmente procurando o seu sucessor. Ela não tinha nenhum herdeiro de sangue, então o critério para sucessão era outro, a ser definido pela própria.

Um dos requisitos era que o candidato devia ser diferente de todos os outros, mas exatamente o quê ninguém sabia, talvez nem a própria rainha. Porém, ao contrário do que pensavam, ela já sabia exatamente o que buscava: uma fagulha mágica.

A informação da sucessão foi enviada através de um decreto que circulou magicamente e rapidamente pelas árvores e flores que ficavam junto das casas das fadas.

Elas vivem reclusas e protegidas em florestas remotas, escondidas das grandes aglomerações e cidades humanas. Convivendo em harmonia com os pedaços restantes de natureza.

Possuem os mais diversos poderes, a maioria deles relacionados à natureza, como manipular flores, frutas e elementos. São pequenas, mas podem mudar de tamanho sempre que necessário, podendo até se misturar com a raça de tamanho maior.

É bem provável que exista uma fada vivendo bem ao seu lado e você não faz ideia! Ou você pode ser uma fada e não sabe! Assim como a fada desta história!


***


Elina cantarola distraída em seu ateliê, enquanto termina de confeccionar mais uma peça encomendada. Ela trabalha como artesã, com o seu pequeno próprio negócio já tem alguns meses. Fazia parte de uma grande corporação e fazia muitas coisas ditas comuns para os humanos, mas agora ela finalmente realizava o seu sonho de infância de trabalhar fazendo artesanato e ela gostava de tudo um pouco, desde pintura, bordado, pedrarias, tecidos. Se sentia mais do que realizada em seu novo trabalho, mesmo que ele não desse tanta dinheiro como outros gostariam.

Ela escuta Dalila, sua mãe, chamar do andar de baixo da casa, desce para atender e enquanto seus pés tocam cada um dos degraus, sente o cheiro delicioso de comida tomar conta de suas narinas.

- Que cheiro maravilhoso! O que está fazendo?

- O seu favorito: Bolo de chocolate.

- Mas, mãe, são duas da tarde, eu almocei há pouco tempo.

- Nunca é cedo demais para comer algum doce. E você tem trabalhado tanto, merece um descansinho. - sorriu - Aproveite que está quentinho! - indicou para a filha se sentar

A mais velha colocou um prato de sobremesa com uma fatia generosa de bolo cortada e repleta de cobertura do mesmo sabor. A filha agradeceu e Dalila retornou a seus afazeres. Porém, a mais jovem nunca deixava de observar a mãe na sua atividade favorita e que fazia muito bem: cozinhar. Ela sabia que daria uma ótima confeiteira, uma pena que não seguiu adiante, ficando apenas cuidando dela e de seu pai, que falecera anos antes.

Elina tinha uma noção de quantos anos sua mãe tinha, porém parecia que ela tinha parado no tempo, pelo menos desde a sua adolescência. Tinha alguns cabelos brancos, que aumentavam gradativamente e algumas rugas sutis, mas o rosto da juventude nunca sumiu. A artesã só esperava que o tempo fosse tão generoso assim com ela, já que haviam muitas coisas que queria realizar.

Tirou um pedaço do bolo com uso de um garfo e levou a boca, sentindo o doce se desfazer em sua boca, trazendo uma sensação de prazer que só o bolo de chocolate era capaz. Valeu a pena ter parado uns quinze minutinhos para aproveitar o bolo quentinho.

Elina estava tão absorta em seus pensamentos que quase não percebeu Dalila lhe chamando a atenção.

- Ah, oi, mãe. Desculpa!

- Sua Tia Venus!

- O que tem ela?

- Mandou uma carta para nós!

- Por que não faz como todo mundo hoje em dia e manda uma mensagem num aplicativo? Ou liga para você? É mais prático!

- Sabe que sua tia prefere métodos mais antigos, é com o que está acostumada.

- E o que ela disse? É a época do ano da visita né?

- Exatamente!

- Ela virá ou nós vamos?

- Desta vez, nós é que vamos! - sorriu - Tem tempo disponível nesta próxima semana?

- Tirando terminar essa encomenda, estarei livre.

- Ótimo! Vou avisá-la então!

Elina terminou de comer e retornou para seu ateliê. Ficou trabalhando ainda na peça, distraída ouvindo uma música e refletindo o quanto gostava de seu trabalho, mas, como toda pessoa comum, precisava de umas férias. Realmente passar uns dias reclusa na casa da tia que morava num sítio afastado era o melhor a se fazer. Aproveitar apenas a natureza e quem sabe até elaborar umas peças - descompromissadamente - e colocar para vender depois.

Sua vida tem sido apenas pegar encomendas e participar de feiras de artesanato, era tanto trabalho que parecia que a inspiração e aquela vontade de fazer simplesmente sumia, engolida pelo torrente de obrigações do hobby que virava trabalho.

A sessão de trabalho terminou assim que o sol sumiu da visão da janela, trazendo uma artesã animada para a sua viagem dali alguns dias.


***


A semana passou tão rápido que quando se deu conta, Elina estava desembarcando do carro junto com a mãe e de cara ao casebre simples da tia. O sítio não era tão grande, ficava um pouco afastado da cidadezinha, talvez uns 10 minutos andando, mas trazia o aconchego e distância suficiente de outros seres humanos, deixando que as plantas e outros animais imperassem.

A Tia já as esperava de braços abertos e ambas foram abraçá-la, ficando alguns minutos juntas, sem falar nada, apenas matando a saudade.

- Irmã querida, que saudade! - disse se voltando a mãe e logo falou como a outra - E como vai a minha sobrinha artesã?

- Vou bem, Tia. - sorriu - Saudade também!

Assim como sua mãe, a Tia Venus também parecia envelhecer devagar, trazendo apenas alguns grisalhos e marcas de expressão do tempo, mas bem leves. Só que como ela não via sempre aquela parente, essas sutis mudanças eram bem estranhas de não se notar tanto. Talvez fosse só coisa da cabeça dela e deixou para lá!

As três entraram para dentro da casa, se alojando e deixando suas malas nos lugares, pois aqueles próximos dias prometiam ser relaxantes.


***


Já no Reino das Fadas, tudo se encontrava um verdadeiro caos, pelo menos perto do palácio da Rainha Iris. Todos os sóis, depois do anúncio da procura de um sucessor, havia uma fila enorme de fadas dos mais variados tipos e dos mais variados lugares, na esperança de serem escolhidos como o herdeiro do trono. É uma honra imensa ser o governante das fadas! Aliás, que criatura não iria querer isso?

A Rainha se encontrava em seu posto de costume e fazia questão de receber todos os que vinham se candidatar. Ela ouvia as aptidões, observava os talentos, porém, nenhuma fada até então tinha a fagulha que ela estava procurando.

Ao final de mais uma longa de maratona e com a chegada do anoitecer, Iris se preparava para se recolher a seus aposentos, até que um conselheiro a chamou:

- Rainha, já descobriu o que está procurando em seu sucessor?

- Sinceramente, conselheiro, eu não sei. Queria achar uma faísca, mas é raro uma fada ter.

- Faísca? Assim como o rei anterior viu em você?

- Exatamente! Esta faísca é a sua magia própria, a sua força. É difícil de achar!

- Mesmo com todas essas fadas que vieram hoje?

- Sim! São numerosas, mas nenhuma é especial. - passou a mão sobre o rosto - Meu medo é não conseguir encontrar.

- A senhora vai, não se preocupe. Ela virá até você!

- Assim espero! - agradeceu ao conselheiro - Vou me retirar, pode fazer o mesmo.

Os dois se despediram e foram cada um para seu lado. A Rainha não deixava de se preocupar com a sua sucessão, ela precisava encontrar alguém à altura para o reino que tanto amava.


***


Elina foi dar uma volta na cidade, aproveitar o período de final de tarde e ver também como eram os itens dos artesãos do local. Ela ficaria bastantes horas distraída, então as mais velhas poderiam colocar a conversa em dia, pois não dava para fazê-lo através das cartas que sempre tocavam.

Arrumaram a mesa do chá da tarde, com doces e bebidas próprias de sua infância, dando assim o pontapé inicial para a fofoca.

- Então, como vão as coisas no Reino das Fadas?

- A Rainha Iris finalmente declarou a busca do seu sucessor. O reino está uma loucura! Por isso que eu fugi para cá.

- Ela não teve filhos mesmo então? Uma pena! Assim deixava tudo mais fácil. - Dalila comentou - E por que está tudo uma loucura?

- Colocou um comunicado dizendo procurar uma fada com um atributo especial para que seja a nova governante por direito.

- Deixa eu adivinhar: Todos resolveram se candidatar e todo o dia tem filas e mais filas na porta do palácio e ela atende até o último.

- Exatamente! - a outra riu - Tem certeza que tem mais de 30 anos que saiu do reino?

- Algumas coisas nunca mudam, até da nossa amiga! - bebericou o chá - Eu não sei o que faria no lugar dela, sinceramente!

- E não sente falta de lá? - perguntou curiosa

- No começo sentia, mas me acostumei com a vida daqui. Encantei-me com os humanos e depois tive a Elina.

- E ela sabe sobre a origem dela?

- Não acho necessário contar, Venus! Ela vive muito bem sem a magia.

- Pode ser que ela descubra seu real potencial como uma fada. Já pensou nisso?

- Não sei como contaria… Pode ser um choque para ela!

- Ou será que você tem medo dela querer ir pro Reino e ficar?

- Ela nunca me abandonaria!

- Você não sabe…

- E nem quero descobrir!

- Sempre muito cética! - e riu - Não muda nunca, Dalila!

- Não me critique, sua indecisa. Passa uma temporada em cada reino e não decide a qual pertence.

- Já tivemos essa conversa! Pertenço aos dois, por isso fico lá e cá. Não tem nada de errado nisso. - cruzou os braços - Errado é privar a sua filha da verdade!

- Não vamos retornar a este assunto.

- Só peço que reflita, irmã! Pode não ser tão horrível quanto pensa.

- Pensarei então! - bufou

De repente, as duas viram um brilho imenso vindo do lado de fora, especificamente da caixa de correio. Era uma luz que só as fadas eram capazes de ver, simbolizando o uso da magia. Ambas foram até o lugar, que ficava perto do portão de entrada. Venus abriu o compartimento e puxou uma carta, esta que trazia o selo real. Rompeu o lacre e leu brevemente o conteúdo, depois comentando com a irmã.

- E tenho uma novidade! Daqui uns dias teremos uma visitante.

- Visitante? Quem? Achei que seríamos só nós, como sempre!

- Essa carta veio diretamente de sua majestade Iris. Ela quer descansar um pouco da loucura da sucessão... Ou talvez será colocar as ideias no lugar? - falou olhando novamente a carta - Isso não ficou tão claro!

- Então vão ser dias bastante agitados. - completou a outra - Ela virá sozinha?

- Sim e disfarçada, obviamente. Ninguém pode saber que a rainha sumiu nessa situação.

- Teremos que apresentar outra tia para minha filha agora.


***


Alguns dias depois, Elina estava distraída no pequeno ateliê improvisado que a Tia fez para ela. Depois do passeio na cidade, vendo os itens produzidos pelos locais e também em contato com a natureza, aconteceu um pequeno surto de inspiração na artesã, que ao descobrir haver uma pequena feira semanal na cidade, decidiu que ia participar dela. Ainda bem que tinha ouvido o seu instinto de trazer alguns materiais na mala e por sorte, sua nova ideia tinha como ser feita com os materiais que a parente distante tinha perdidos em casa. Ela até ficou surpresa quando soube que tinha justamente o que necessitava.

As mais velhas tinham saído para dar um passeio numa cidade vizinha e não retornariam tão cedo. O que deixava para a artesã profissional o dia todinho livre e em paz para trabalhar.

Assim como fazia em sua casa, pôs uma música alta, espalhou os materiais nas mesas e se colocou a trabalhar. Eram as mãos trabalhando e em alguns momentos o corpo curtindo as músicas e os cabelos batendo no ritmo da bateria.

No meio daquela bagunça e oficina criativa, nasceram as primeiras novas peças do novo item da grande coleção da Elina, mostrando sempre o lado mágico que o artesanato podia trazer. Ela sorriu satisfeita com o fruto da sua explosão criativa, orgulhosa das próprias ideias e construções.

Eis que então, ela teve a impressão de ouvir uma vozinha chamando… Tentou ignorar pois talvez fosse apenas impressão da sua cabeça. Porém, novamente a voz insistiu! Resolveu olhar pela janela e verificou que realmente tinha alguém gritando no portão. Mas, quem viria visitá-la naquele lugar super afastado? Ou melhor, será que a visita era para ela? Nenhuma das duas não comentou nada sobre alguém que ia chegar.

Por pura educação, a jovem resolveu atender ao chamado. Pausou sua música a muito contragosto - porque ela odiava ser interrompida -, se direcionou ao portão e abriu, dando de cara com uma mulher que parecia regular idade com sua mãe e tia, porém ela tinha lindos cabelos azuis e olhos da mesma cor! Parecia saída de uma história de fantasia, pois ela trajava um vestido que estava na moda uns 50 anos antes. Não que fosse feio, mas dava para ver o quanto era antigo! Trazendo também uma mala que parecia parada no tempo. E assim como ela tomou um susto, parecia que a misteriosa mulher também se impressionou com algo que viu.

- Bom dia, senhora! - cumprimentou-a

- Bom dia, jovem. - respondeu - Aqui é a casa da Venus?

- Ah, sim, é aqui. Mas ela não está agora, foi passear na cidade vizinha, com a minha mãe.

- E sua mãe é?

- Dalila!

- Por isso seu rosto me é tão familiar. Eu sou Iris, amiga das duas. Bem, fui convidada a passar uns dias aqui descansando.

- Bom, elas não me avisaram nada. Só que você deve ter vindo de longe né?

- Bem longe… - suspirou

- Pode entrar, fique à vontade! Está com fome? - sorriu, fechou o portão atrás de si - Ainda não almocei e logo ia preparar algo rápido para comer.

- Gostaria sim! Obrigada!

As duas entraram na casa, com a de cabelos azuis deixando a sua mala num canto da sala, acompanhando a anfitriã inesperada até a cozinha.

A mais velha observou a garota puxar um objeto engraçado do bolso da calça, acendendo uma luz em seu rosto e batendo os dedos na tela de vidro. Bom, ela não conhecia um celular! A mais nova estava mandando uma mensagem para a mãe, dizendo que a visitante - que simplesmente esqueceram de avisar que viria - chegara.

- O que faz? - indagou a mais velha, sentando-se à mesa

- Falando com a minha mãe. Avisando-a que você chegou!

- Ah, e isso é o quê? É um dispositivo mágico de comunicação?

- É só um celular! Mas, tecnicamente, para quem não entende parece magia mesmo. - e riu, pensando que talvez a visitante vivia numa realidade paralela, assim como a tia - Bom, vou preparar a comida. Já está tudo semipronto, então vai ser rápido. Assim, não é igual a da minha mãe, mas eu me esforço.

A mais jovem começou a tirar as coisas da geladeira, colocando as coisas para esquentar, enquanto preparava outras. Em alguns minutos, o cheiro começara a subir. A forasteira observava a cena simples maravilhada. Era realmente a primeira vez que a Rainha das Fadas visitava o universo dos humanos e conhecia coisas como celular, geladeira e fogão à gás. Era um mundo totalmente novo e incrível para ela, acostumada com o mundo das fadas. Resolveu puxar assunto com Elina, para quebrar um pouco o gelo:

- Sabe, eu nunca tinha vindo para o lado de cá, é tão bonito! E você? Quando passou a se esconder no mundo dos humanos?

- Oi? Não entendi! Esconder?

- Você nasceu aqui?

- Nasci onde moro com a minha mãe, vivíamos ela e meu pai até uns anos atrás. Hoje somos só eu e ela.

- Ah, é verdade, a Dalila se mudou faz muitos anos. Ela sempre gostou mais deste lado!

- E você? De onde veio? - questionou a mais nova

- Talvez vá rir, mas vim do Reino das Fadas. Sou a Rainha!

Elina gargalhou, aquilo só podia ser uma piada. Aquela mulher tinha aparecido simplesmente do nada e ficava fazendo perguntas e falando coisas sem o mínimo de sentido, sobre magia, sobre lado de cá, sobre reino das fadas.

- E eu sou de Fairytopia, amiga da Fada do Campo, aquela que nasceu sem asas. - ironizou

- Nunca ouvi falar de Fairytopia. É o nome da colônia de fadas escondidas por aqui?

- Moça, tem certeza que você não fugiu do hospício? Fica falando essa coisa de fadas e tudo o mais! - virou, quase bufando de raiva, porque não era possível

- Estou falando bastante sério, jovem. Não vim de tão longe para ser tão desrespeitada ou chamada de louca. Se estivesse em meu reino poderia te punir! - mudou o tom, deixando transparecer que estava falando a verdade

- Olha, me desculpe. É que eu realmente não entendo nada do que você está falando… Essas coisas de Fadas, de Reino, de Rainha, de Magia…

- Como não entende? Você é uma fada, assim como eu!

- Como é? - Elina se sentou em outra cadeira, na frente da convidada - Eu, uma fada?

- Dalila é uma fada, isso faz de você uma também. Mesmo que seja filha dela com um humano normal, ainda tem magia correndo em suas veias.

- Espera aí! - sacudiu a cabeça - Minha mãe e eu somos fadas?

- Ah, não, ela nunca te contou sobre isso? - Iris olhou com pena - Estique a sua mão para mim, por favor. E feche os olhos!

Fez conforme a mais velha pediu, com receio do que poderia acontecer. Ela estava nervosa, pois aquela mulher começou a falar sobre várias coisas e que ela não tinha como acreditar. Que história toda era aquela? Fada e filha de uma fada? Talvez só pudesse tirar a história a limpo com a mãe depois.

- Respire fundo e fique calma. Nossa comida não vai queimar, eu estou olhando. - tocou na mão da jovem - Pense naquilo que mais gosta de fazer, no que você se dedica, canalize a energia disso para as suas mãos.

Elina se viu em seu ateliê em casa, confeccionando as peças, fazendo cortes e costuras e a magia que só ela sabia dar às suas peças. A Rainha viu uma aura de cor rosada aparecer mais nitidamente e essa energia apareceu na mão esticada sobre a mesa.

- Pode abrir os olhos!

Abriu os olhos devagar, com bastante medo e tomou um susto com a pequena luz de cor rosa que parecia uma chama em sua mão.

-  O que é isso? - gaguejou

- Sua magia! - sorriu - E como foi bem fácil para jogar para suas mãos, deve trabalhar com elas. O que você faz?

- Eu sou artesã, produzo peças e vendo.

- Ah, um dos trabalhos mais bonitos de uma fada. Dar vidas a objetos que para outros não teriam utilidade e nem sentido. Transformando o mundo e as coisas ao seu redor.

- Exatamente isto!

- Agora acredita em mim? - perguntou a mais velha

- Sim! Só vou ter que conversar com a minha mãe mais tarde.

- Depois quero ver o que você faz com essas mãos.


***


Mais tarde, as mais velhas chegaram, pedindo todas as desculpas imagináveis por esquecerem de avisar a Elina sobre a visitante.

- Ah, mas ficou tudo bem, não se preocupem! - discursou a Rainha - Ela me recebeu muito bem. Até me falou sobre o trabalho dela, ainda verei o que ela faz.

- Tenho muito orgulho desta minha filha. - sorriu a mãe

Já era o horário do lanche, então todas se juntaram na cozinha para fazê-lo. As duas que foram passear trouxeram alguns quitutes da cidade vizinha, entre biscoitos, bolos e tudo mais. Coisas que levariam dias para serem consumidas! Passaram um café fresco, que espalhou o seu aroma no ar logo.

Puseram a mesa e logo todas estavam se servindo. A Rainha se serviu de um pouco de café puro na xícara, deixando as fadas mais velhas curiosas, pois aquela é uma bebida inexistente no mundo das fadas, sendo até muito amarga para algumas delas.

Ela levou o recipiente à boca e tomou um gole, fazendo uma careta horrível logo depois, o que arrancou uma gargalhada das outras.

- Argh! Como que vocês gostam disso? É amargo!

- Você esqueceu de adoçar. - falou Venus, dando o pote de açúcar - Vê se melhora!

Iris colocou umas três colheres de açúcar e tomou coragem para tomar novamente, dessa vez mostrando uma feição de que estava melhor.

- Bom, depois do açúcar é bem tragável. Mas temos coisas melhores no nosso Reino.

A Rainha só sentiu um chute em sua perna, vindo da amiga repreendendo-a por falar do mundo das fadas, pois pelo que ainda achava, sua filha não sabia da existência.

- Lamento informar, Dalila, mas a sua filha já sabe.

- Como é? - bufou - Quem te permitiu contar à ela, Iris?

- Ora, você não comentou nada sobre uma filha e sobre ela não saber que é como nós!

- Ah, não comecem a discussão, vocês. - falou a Tia, depois olhando para a outra - Eu disse que era para falar com ela…

- Oi, gente, eu tô aqui viu? - a mais jovem chamou atenção - E, mãe, precisamos conversar sobre isso… Mais tarde se der.

- Queria adiar isto, mas podemos conversar assim que terminarmos a refeição, tudo bem?

- Por mim, ótimo! - sorriu a filha

Por um lado, a filha estava com raiva pela mãe ter escondido aquilo por tanto tempo. Mas, por outro, ela queria entender se havia algum motivo para que a mãe mantivesse essa informação importante guardada.

Elas terminaram de comer, Iris e Venus foram arrumar a cozinha, enquanto a mãe e filha foram para o lado de fora, para finalmente passar a história a limpo. Sentaram-se no banco da varanda, viradas uma de frente para a outra.

- Então, filha, o que ela te contou?

- Nada demais. Na verdade, é que ela chegou e começou a falar coisas sem sentido… Sobre lado de cá, sobre Reino, sobre Fadas, sobre Magia. Eu achei que ela estava louca, mas disse que era a Rainha das Fadas e que eu era como ela e como você. Fiquei meio sem acreditar, até que ela mostrou que eu tenho magia, saindo uma energia rosa das mãos.

- Ah, filha, me perdoe. Eu queria proteger você! Por isso nunca te contei.

- Por que exatamente? Me explica!

- Bom, muitos anos atrás, eu e sua tia viemos passear no mundo dos humanos. Isso é normal, as fadas fazem bastante isso. Só que nisso acabei conhecendo o seu pai, nos apaixonamos e eu decidi me mudar definitivamente para cá.

- Até aí, nada de anormal, mãe.

- Um tempo depois, descobri que estava grávida de você. Eu fiquei tão desesperada, pois sempre disseram que uma fada não poderia ter filhos com humanos. Tanto que isso era uma coisa proibida, mas eu tive uma gestação tão normal… Então, percebi que tinha algo mais nessa história toda. Bem, só não querem que a nossa raça se misture com a humana. Eu fiquei com medo de ser punida pelo que fiz, por isso nunca mais retornei ao Reino das Fadas e tanto eu quanto seu pai escondemos sobre sua verdadeira origem.

- E de onde surgiu isso de que fadas não podem se misturar?

- Uma lei bem antiga e que era punida com a morte. - ficou cabisbaixa - E o que as pessoas falariam se você aparecesse soltando magia no colégio ou na rua? Por isso nunca te contei e guardei este segredo! - e depois sorriu - Só que eu sempre soube da sua magia, ainda mais quando descobriu o amor pelo artesanato. Assim como eu com a cozinha.

A filha sorriu de volta, dando depois uma resposta à mãe:

- Tudo bem mãe, eu entendo. Mas, se a Iris é agora a Rainha das Fadas, talvez ela não tenha mudado esta lei?

- Eu não sei. Pode falar com ela sobre isso.

- Contar a verdade mesmo? Será que ela entenderá?

- Imagino que sim! Desde que éramos jovens ela tinha a mente aberta, ela foi treinada para isso.

- Agora estou aqui pensando… Já que sou uma fada, tenho poderes e tudo o mais… Será que tenho asas também?

- Vai depender da sua forma como fada. Você é só meio-fada, nunca vi uma, então não sei como se apresentaria na forma mágica.

- Tantas coisas para eu aprender. - os olhinhos dela pareciam brilhar de empolgação

- Pode perguntar o que quiser. Eu te devo isso!

E assim, Elina passou longas perguntando à Dalila sobre como era ser uma fada, detalhes do mundo delas, tudo o que ela queria saber. Algumas coisas eram até parecidas com o que se via nos filmes… Fadas eram pequenas, mas podiam se mostrar numa forma maior e humana. Elas se escondiam nas florestas, trazendo harmonia para a natureza. E claro, como toda criatura mágica, elas foram caçadas por bastante tempo, até a humanidade ter outras coisas para se preocupar.

Já era bastante tarde quando a Tia chamou para ir dormir. Elina dormiu com uma vontade imensa de conhecer o reino em que a Iris era governante.


***


Na manhã seguinte após o desjejum, a Rainha foi no pequeno ateliê improvisado para ver as peças de Elina. O ambiente estava uma bagunça criativa, com coisas espalhadas por todos os lados, porém a artesã se encontrava ali.

- Este aqui era o que eu estava fazendo ontem quando você chegou. - disse mostrando uma figurinha pequena, com asas atrás - Chega a ser engraçado porque é uma fada.

- Isso é tão bonito, Elina! - sorriu Iris - Desde quando você faz isto?

- Desde criança, não necessariamente essas fadas, mas diversas outras coisas.

- E como foi a conversa com a sua mãe ontem?

- Foi ótima, Iris! Esclareceu bastantes coisas.

- Ela disse que queria falar comigo também.

- Ah, sim! Ela não chegou a comentar com você, mas eu sou Meio-Fada, pois meu pai é humano. Ela disse que tem uma lei que proíbe as Fadas de ter filhos com humanos.

- Tinha uma lei! No meu reinado, eu a revoguei. Foi uma coisa recente, então muitas pessoas não sabem.

- Mas, existem outras como eu?

- Não tem como saber, mas tenho certeza que sua mãe não foi a única que fugiu e procriou com um humano. - depois tocou na mão da menina - E essa revelação explica várias coisas.

- Que coisas? Não comece a falar o que não entendo.

- Estava conversando com a Venus ontem, sobre o que eu senti na primeira vez que te vi. Uma aura mágica bastante poderosa e diferente. Agora sabendo de sua origem mestiça faz bastante sentido.

- Poderosa e diferente?

- Sua metade fada e metade humana parecem se equilibrar e se complementar muito bem. Pode não parecer, mas humanos têm a sua própria magia, assim como as fadas, mas elas se manifestam de outras formas.

- Interessante! E tem mais uma coisa que queria saber: Quando retornar ao seu reino, posso ir com você?

- Claro que pode, Elina! - abriu um enorme sorriso - Será um prazer te apresentar o meu mundo.


***


Elina conversou com sua mãe sobre a sua vontade de visitar o Reino das Fadas. A mais velha ficou bastante feliz quanto a isto, o seu maior medo era que a sua filha a odiasse por ter escondido a verdade por tanto tempo, mas ela parecia lidar cada dia melhor com a descoberta de ser uma Fada.

Alguns dias se passaram e a Rainha Iris tinha que retornar a seu reino, Elina iria a acompanhar na viagem e ficaria uma semana lá com ela, para conhecer um pouco o Reino das Fadas. Ela fez uma pequena mala, com poucas roupas e coisas, já era a governante disse que disponibilizaria tudo o que fosse necessário, já que seria uma convidada especial no castelo.

Despediram-se da tia e da mãe, que falou:

- Aproveite a estadia, filha. Depois me conte como está tudo por lá.

- Pode deixar, mãe. Venho a tempo para a feira na cidade!

Então, as outras duas começaram a caminhada, se afastando cada vez mais da pequena casa e das mais velhas acenando no portão. Poucos minutos depois, elas já estavam numa parte bastante alta do mato e quase entrando em um bosque.

- É muito longe? Porque estamos indo a pé!

- Não! Logo chegaremos. Nós fadas, usamos portais para viajar para o mundo humano e estes também têm a propriedade de mudar a nossa forma, para humanoide ou fada, dependendo de para que lado estamos atravessando.

- Esses portais podem te levar onde quiser?

- Sim! Não tem limite de distância. Por isso que vim bem rápido quando sua Tia me convidou, só demorei mais porque precisei deixar uma coisas encaminhadas.

- Difícil ser rainha não é?

- Eu gosto, mas sinto que está na hora de me aposentar e quem sabe passar um tempo por aqui. - e riu

O comentário arrancou uma risada leve da mais jovem, ela já estava ciente da busca de uma sucessora da Rainha, pois elas conversaram sobre isto também. Talvez ser da realeza fosse como um trabalho sem fim, nada mais justo que passá-lo a outra pessoa o mais breve possível.

Caminharam mais alguns minutos, numa trilha já bem demarcada - por causa da Tia Venus - e alcançaram uma clareira. No centro dela, havia um pedaço do que um dia foi uma árvore imensa. Iris subiu na ex-árvore e se concentrou, fazendo sua mágica sem palavras, apenas com as energias azuis saindo de suas mãos.

-  Se aproxime, Elina, nós já vamos atravessar.

Ela fez conforme a outra falou e primeiro um enorme clarão veio a visão da jovem fada, depois se viu em um túnel flutuam junto a Rainha e as duas pequenas malas. Do outro lado, era possível ver um cômodo grande, que devia ser do palácio. Passaram pelo túnel colorido e outro clarão.

Quando deu por si, Elina estava caída no chão, a Rainha foi ajudá-la.

- É a sua primeira viagem, isso é normal. - e olhou com carinho para a garota - Tem um espelho ali, se quiser se ver como fada. E boas vindas ao Palácio e ao Reino das Fadas.

Iris continuava com os mesmos cabelos azulados, porém sua roupa agora era um vestido belíssimo, em um tom de azul diferente. Na sua cabeça já estava a coroa de rainha.

Imediatamente, uma serviçal entrou no recinto.

- Bem-vinda de volta, majestade. - se curvou - Seu banho está pronto.

- Ah, obrigada. Inclusive, preciso que prepare um quarto para a minha convidada.

- Claro! - e saiu para cumprir o pedido

Logo, um conselheiro adentrou a sala.

- Como ficou tudo durante minha ausência? - se dirigiu a ele

- Tudo nos conformes, menos o caos da sucessão. Muitos comentaram sobre a sua repentina ausência em um momento como este.

- O que importa é que agora retornei.

- Sim, majestade, mas os portões continuam lotados.

Enquanto isso, Elina foi finalmente matar a curiosidade de como era sua aparência como a sua outra metade. Foi até o espelho e se olhou, ficando maravilhada com o que vira. Seus cabelos continuaram do mesmo tom, castanhos, porém, suas roupas mudaram para tons rosados diferentes, assim como suas asas, bem grandes e que pareciam saídas direto de uma fantasia de carnaval por conta do brilho. Vestindo uma saia longa, um top com estrelas e os pés com sapatilhas com fitas que iam até as pernas. Até uma maquiagem mágica ela ganhou!

Foi o conselheiro que a tirou de seu devaneio de distração, pois perguntara dela para a Rainha:

- E quem é esta jovem? Nunca a vi por aqui.

- É minha convidada de honra, filha de uma amiga de longa data. Passara uma semana conosco antes de voltar para casa.

- Olá, senhor. - se aproximou para se apresentar - Sou Elina, é um prazer.

- Igualmente! - se curvou educadamente

- Logo irei atender a todos os que vieram, mas antes quero apresentar o palácio a minha convidada. Prometo não demorar.

- Claro, majestade.

O conselheiro saiu, deixando as duas sozinhas, assim começando uma pequena tour pelo palácio. A Rainha mostrou as partes principais, como o jardim, o salão de baile, a sala do conselho real, o seu escritório privado, além de muitos corredores entre estes lugares. Tudo era muito bem colorido e decorado, dando um ar mágico que ela não sabia descrever. Durante o breve passeio, ela resolveu perguntar a monarca:

- Não sabia que a sua sucessão estava tão complicada assim.

- Eu abri para qualquer pessoa se candidatar. Estou percebendo que isto foi um erro. Desde o dia do comunicado, passo horas e mais horas conhecendo fadas de todo o reino que querem ser reis ou rainhas.

- E o que procura do seu sucessor, majestade?

- Alguma coisa especial, um potencial, alguma fagulha mágica.

- Tipo o que viu comigo?

- Mais ou menos isso.

- A gente vai encontrar seu sucessor ou sucessora, posso ajudar enquanto estiver aqui. - sorriu - E estou louca para conhecer a cidade e tudo o mais sobre o Reino das Fadas.

- Faremos um passeio por lá amanhã. Agora vamos à sala do trono, porque tenho súditos a atender.

Elina acompanhou a Rainha até a sala do trono e ficou de longe, por longas horas observando a monarca atender a todos os súditos. A maioria veio mesmo se candidatar para serem o próximo Rei ou Rainha, enquanto outros vinham pedir ajuda para questões problemáticas envolvendo os locais onde moravam. Uma fada de uma das províncias mais distantes veio pedir auxílio quanto a diversas casas de moradores simplesmente sucumbirem, por conta da destruição humana. A solução que a Rainha ofereceu foi aumentar as barreiras de proteção mágica da região e também colocando as criaturas mágicas da localidade para um local mais centralizado, longe das bordas do reino, que infelizmente acabam diminuindo cada dia mais.

Era algo temporário e inevitável, mas ainda assim era uma resolução.

O dia fora bastante longo e tanto a recém-descoberta fada quanto a regente apenas jantaram em seus quartos e se retiraram cedo.

Elina nem teve como comentar de tudo o que viu, pois ela mal falou com a rainha depois das audições diárias.

O dia seguinte prometia ser o do passeio pela capital do reino dos fadas.


***


Assim que o Sol despontou no céu, Iris e Elina se arrumaram e saíram para dar um passeio. Não haveriam visitas ao castelo, conforme solicitado pela monarca, então o dia todo seria apenas a nova Tia e Sobrinha.

Elina saiu com a sua roupa normal, enquanto a rainha foi obrigada a colocar um disfarce para que não fosse reconhecida nas ruas. Ela resolveram sair voando por ai, até para que a nova fada aprendesse a nova habilidade e só tinha um jeito eficiente: praticando.

A grande capital do Reino das Fadas até se parecia com uma cidade grande humana. Ruas lotadas, bastante barulhos, vendedores anunciando seus produtos a plenos pulmões, fadas carregando bolsas e mais bolsas de compras, apresentações nas ruas… Nada que não fosse atípico para Elina. Exceto que tinha uma enorme floresta em torno da cidade.

O primeiro ponto de parada foi o mercado ao ar livre, que costuma acontecer próximo ao palácio. Ela vieram conversando enquanto viam os mais variados tipos de itens, a Rainha começou:

- Então, o que achou de ontem?

- Achei bastante interessante, na verdade. Principalmente aquela que pediu ajuda para o desmatamento humano. É verdade mesmo que seu reino está diminuindo, Iris?

- Cada dia mais, Elina! A nossa raça vizinha não mede esforços para crescer, destruindo a natureza, enquanto nós tentamos viver em harmonia com ela. O problema é que as ações deles podem acabar na nossa extinção.

- É verdade! Imagino que isso não seja de agora e talvez seja por isso que tinha aquela lei?

- Exatamente! Porém, agora temos alguns aliados do lado de lá, inclusive a sua Tia Venus é quem me ajuda a manter contato com eles.

- Nossa, eu não sabia disso.

- Ela tem aptidões que você desconhece. - e mudou para um sussurro - Se ela não ficasse perambulando entre os dois reinos, ela seria a minha conselheira.

- Eu concordo plenamente! - sorriu Elina

- E ai? Gostando de ter asas? - mudou de assunto a Rainha

- Sim, só tenho que me… - e deu uma cambaleada pois uma das asas travou - Adaptar!

- Para quem nunca voou, está indo bastante bem! Devo pedir um professor para você.

- Professor de voo? E dá tempo? Não esqueça que eu só fico uma semana.

- Eu sei! Digamos que vai ser só para você pegar o básico do básico. A maior parte aprendemos durante a vida.

- Mas eu não tive uma vida de fada para aprender, Iris.

- Eu sei! - sorriu - Ainda bem que não ficou com raiva da sua mãe por conta dessa história.

- É que foi tão surreal que demorou a cair minha ficha. Agora que vejo como são as coisas, penso que ela fez bem em guardar por um tempo.

E o passeio prosseguiu, com Iris e Elina comprando algumas peças de tecidos, algumas frutas e poções. O resto do período de estadia parecia bastante promissor!

Depois das compras, foram fazer uma visita a praça central da cidade, que ficava bem próxima ao castelo, porém elas foram ao museu que tinha perto dali. Era o bastante conhecido Museu de História das Fadas, onde contavam desde as origens da espécie até o período atual, tendo uma parte bastante extensa sobre os antigos Reis e Rainhas das fadas, chegando até a atual rainha. A mais jovem se manteve atenta e observando todas as informações presentes, pois eram conhecimentos novos para ela.

Elina tomou um susto quando viu quanto tempo de reinado ela tinha, já passando dos séculos. E então, seus miolos fizeram algumas contas e ela se voltou para sua companheira e fez uma pergunta:

- Quantos anos uma fada vive? Não tinha essa informação por aqui.

- Vivemos por séculos, se bobear. Eu mesma tenho mais de 300 anos…

- Como é? - quase gaguejando - Então, a minha mãe… E a minha tia…

- Ah, sim, nós passamos nossa juventude juntas. Temos mais ou menos a mesma idade.

- E eu? Sou só metade fada… - disse num sussurro

- Não faz tanta diferença. Os genes mágicos são mais fortes e se sobrepõem aos humanos. Aliás, não perguntei, quantos anos tem, Elina?

- Farei trinta em pouco tempo. - respondeu a jovem

- É uma fadinha bebê, praticamente.

- Eu percebi. - fez careta

- Mas, não se preocupe, ainda vai aprender bastantes coisas nesta vida. - sorriu

E assim, o assunto se encerrou. Elas saíram do museu e retornaram ao castelo, subindo a enorme escadaria que ficava antes dele. Foi a primeira vez que Elina se atentou em observar a grande construção, com suas colunas trazendo um grande portal na entrada. O hall principal era decorado com diversas pinturas e outras artes, o que deixava seus olhos brilhando. Ela ainda iria conhecer cada cantinho daquele palácio até o momento de sua partida.


***


A semana de visita de Elina se passou mais depressa do que ela pudesse perceber. Passou aqueles dias observando um pouco do funcionamento do palácio, da rotina da Rainha e também das outras fadas dali. Teve contato com a cultura, com a mágica, com a habilidade de voar… E para este três ela teve algumas aulas, que a sua anfitriã fez questão de pedir para ela.

E muitas reflexões surgiram em sua mente, sobre a sua origem e em como coisas que ela já tinha pensado faziam um certo sentido agora: como a sua mãe não aparentar estar envelhecendo ou que a mesma colocava magia na comida, por isso tudo era tão gostoso. A jovem estava mudando a sua perspectiva de mundo num curto período de tempo e ela estava achando isto maravilhoso.

Porém, a fantasia de conto de fadas - e de que ela era uma fada - ficaria logo para trás, pois logo retornaria para o Reino dos Humanos e com a sua mãe para sua casa, o seu ateliê e os seus artesanatos. Ela ainda não sabia o que ia fazer, talvez deixasse que o tempo pudesse lhe responder.

Elina encontrava-se distraída  em seu quarto, quando foi chamada para jantar com a Rainha. Então, ela foi atender ao pedido da monarca, que já a esperava sentada na longa mesa de refeições.

- Elina, querida, sente-se. Fiz questão que os cozinheiros do castelo preparassem um dos meus pratos humanos favoritos. - sorriu - Bom para a sobremesa.

- Que seria?

- Ah, é pudim! - riu

- Não sabia que a grande Rainha das Fadas gostava de pudim.

- A sua tia, num dos períodos de estadia por aqui, fez para mim e eu fiquei apaixonada. Peguei a receita e de vez em quando como.

- Tem muitos outros doces humanos que são maravilhosos. - e mudou de assunto - Imagino que queria falar algo importante comigo… Você não me chamou aqui para falar só do pudim.

- Sabia que não ia conseguir esconder… Sei que amanhã será o dia de seu retorno ao seu outro Reino e bom… Já tínhamos um baile programado para esta data e eu gostaria muito que participasse. Será o Baile da Primavera, a estação favorita das fadas.

- Um baile no Reino das Fadas? Isso sim é promissor e uma ótima despedida! Posso adiar meu retorno em algumas horas. - sorriu, animada

- Que bom que gostou! Mandei preparar uma bela roupa para usar amanhã. As criadas levarão para a hora da festa, espero que seja do seu agrado.

- Todas as roupas que fez para mim já foram, este não será diferente.

Assim, o jantar chegou e elas ficaram conversando sobre outros assuntos.

Elina ficou animada, pois agora ela tinha uma festa mágica para ir. Ela não poderia estar mais empolgada!


***


O dia seguinte inteiro foi uma agitação sem fim no castelo, por conta dos preparativos para a festa da noite.

Elina passou o dia em locais mais escondidos, a fim de evitar um pouco da confusão, já que ia interagir com bastantes indivíduos à noite.

Próximo do horário, ela retornou ao quarto e lá estava uma das serva da rainha esperando-a com a roupa para o Baile. Era tudo da mesma cor que aquela mesma fagulha que acendeu de suas mãos na cozinha: rosa. Um saia longa e esvoaçante, com um corpete da mesma cor e uma renda por cima, com sapatos finos que se amarravam as pernas. Ironicamente, as peças combinavam também com suas asas, da mesma coloração.

Fez questão de fazer uma maquiagem especial para complementar o visual. Depois, se olhou no espelho e ficou se admirando mais uma vez naquela forma de Fada, com a qual ainda estava se acostumando.

Um outro criado veio chamá-la para comparecer ao salão, pois a festa já começara. Ela foi conduzida pelos corredores, percebendo o som da música aumentar a cada passo que dava. Lá ela se encontrou com a Rainha, usando o seu belo traje de gala, junto com a sua coroa, que era bem não convencional - se for pensar numa coroa de rei humano. Ela estava parada diante de uma cortina grande.

- Que bom que chegou! Está linda!

- Achei que já estava na festa.

- Eu vou entrar agora e você é minha convidada de honra e virá comigo.

E logo depois, a música deu uma pausa e o anúncio foi feito:

- A sua Majestade, Rainha de Todas as Fadas: Iris. E sua convidada de honra: Elina.

As cortinas abriram e finalmente ambas foram reveladas ao público, que saudavam com palmas. Todos os olhares do salão estavam para as duas, mas Elina esperava que fosse por conta da Rainha e não dela.

A música foi retornando, enquanto elas desciam os inúmeros degraus da escadaria do salão, ainda sendo observadas. Quando alcançaram o piso, cada uma das duas foi puxada para dançar por um cavaleiro no recinto. Foi só mesmo para que aproveitassem a música e a festa.

E foi assim que a noite se seguiu, com bastante alegria, dança, comida e bebida. Era a comemoração da chegada da melhor estação do ano para aquela espécie, com suas flores e seu frescor.

Muitos convidados observaram a acompanhante da Rainha e ficaram se perguntando quem era aquela jovem fada, pois ela nunca havia sido vista por ali. Alguns ainda tiveram cara de pau para perguntar à Rainha sobre quem era ela, apenas para ouvirem de resposta:

- É minha sobrinha, filha de uma amiga muito especial. Mas, ela está só de passagem e vai voltar para casa em breve.

Outros mais incisivos e preocupados com a questão da sucessão lançaram a pergunta de se Elina era a possível sucessora do Reino. A Rainha disse:

- Quando a isso já fui bem clara: ainda não escolhi o meu herdeiro e sucessor. E não, a minha sobrinha não veio para cá só para isto.

As falas da Rainha não aquietaram, apenas atiçaram ainda mais os outros, pois viram alguma coisa diferente e especial naquela jovem fada que desceu as escadarias ao lado da monarca.

O baile durou por bastantes horas, indo acabar quase ao amanhecer. Elina e Iris se recolheram bem cedo, pois a mais nova retornaria para casa na manhã seguinte.


***


O dia seguinte começou no mundo das fadas e também no mundo humano e era hora de Elina se despedir. A Rainha Iris a levou até a mesma sala em que elas chegaram uma semana antes. A recém-descoberta fada olhou para aquele lugar uma última vez, pensando em tanta coisa que havia passado em tão pouco tempo. Quem diria que poucos dias antes, ela estava em casa, no seu ateliê e agora estava indo embora do Reino das Fadas? E que ela mesma era uma fada?

A Rainha chamou a jovem por uma última vez e falou:

- Vai saber voltar mesmo sozinha?

- Sei! Eu prestei atenção no caminho e a casa da Tia não é tão longe dali assim.

- Vou mandar uma carta mágica a Venus para eu saber que chegou bem.

- Mande para mamãe também. Ela sente saudades das suas cartas.

- Pode deixa, Elina. Agora, você carrega o segredo de ser uma fada.

- Sinto-me honrada com isso. Vou exercitar bastante a minha magia quando voltar para casa.

- Vai desenvolver este seu potencial., tenho certeza.

- E obrigada por ter me apresentado o Reino. - sorriu

- Pode vir sempre que quiser! É bom ter a companhia de uma fada tão especial quanto você.

Elas se abraçaram como se fossem conhecidas de longa data. 

A Rainha Iris novamente conjurou a magia do portal, que se abriu para que Elina pudesse atravessar. Da mesma forma, ela viu um clarão, depois passou por um túnel e chegou ao outro lado, de novo com a sua estatura grande e sem as suas asas.

Observou a bela manhã que surgia na clareira na floresta, o canto dos pássaros misturado com o som dos ventos percorrendo os corredores entre as árvores. Ela respirou fundo, absorvendo aqueles últimos segundos do que pareciam um sonho.


***


Alguns meses se passaram, Elina e sua mãe retornaram para a sua casa na cidade, porém tudo estava completamente diferente. Agora elas compartilhavam mais uma coisa em comum e estavam bem mais próximas por causa disto.

A visita ao Reino das Fadas deixou a jovem bastante inspirada, tanto que ela agora conseguia produzir muitas peças sem parar… Talvez fosse o efeito de sua magia.

As lembranças daquele mundo ainda estavam vívidas em sua mente, principalmente a visita ao mercado e o Baile da Primavera. Era um local colorido e repleto de uma coisa que ela não sabia explicar o que era.

Naquele final de semana, Elina se preparava para ir outra vez à cidade do interior, para participar da feira como artesã, expondo todos os seus itens novos.

Ela e a mãe ficaram numa correira a semana toda, pois queriam ter bastantes peças para vender. A jovem estava animada com a viagem, pois ficara com muita saudade da Tia.

Numa sexta de manhã, as duas entraram no carro e foram para o destino, chegando a mesma casinha distante e que era próxima à floresta que dava passagem para o Reino das Fadas e provavelmente Venus tinha vindo de lá.

Encontraram a Tia no portão, feliz em vê-las. Elas se abraçaram e foram comer, pois a viagem fora longa e pedia uma refeição. E no meio da conversa, Elina perguntou:

- E a Rainha, como ela está? Ela já conseguiu um sucessor?

- Ela está bem! E não, ela ainda não encontrou.

- Poxa, espero que ache logo.

O resto do dia correu normalmente, até que fossem dormir.

Acordaram no dia seguinte e Elina carregou as bolsas para montar a sua tenda na feira, tudo com ajuda das outras mais velhas.

O local ainda não estava cheio, mas prometia que ficaria mais tarde. Arrumaram tudo e ficaram as três trabalhando na barraca, como um negócio em família.

A feira começou oficialmente e as horas do dia foram passando, diversas pessoas pararam, olharam e algumas levaram um dos itens confeccionado pelas mãos de Elina. E o que mais estava fazendo sucesso eram justamente as fadinhas inspiradas nas de verdade.

Em certo momento, as duas mais velhas saíram para comer alguma coisa, deixando a mais nova sozinha. Ela estava distraída atendendo uma cliente, quando uma mulher com os cabelos azuis apareceu, chamando atenção de todos ali em volta, pois era uma cor tão forte que quase ofuscava a visão. O que despertava ainda mais a curiosidade era o seu belo vestido, num tom mais escuro de azul e que era de um modelo datado.

Ela reconheceu imediatamente quem era, terminou de atender a cliente e cumprimentou a outra figura.

- É um prazer vê-la novamente, majestade. - o vocativo num sussurro para que ninguém ouvisse

- Igualmente, Elina. - sorriu

- Veio dar mais uma escapadinha no mundo dos homens?

- Na verdade, não! Eu vim atrás da minha sucessora.

- Ah, quer dizer que encontrou então. - falou animada

- Sim! Ela está bem na minha frente!

- Como é? - o sorriso se desmanchou na boca de Elina - Eu?

- Sim, você. Eu fiquei meses procurando uma fada especial por todas as províncias do mundo das fadas, só que eu não achei. A Fada Especial que procuro e a futura Rainha das Fadas é você!

- Ainda não entendo o por que de ser eu.

- Sua magia é especial, o fato de você ter uma parte humana e uma parte fada. E olha o que você faz… - apontou para a mesa - Não podia ser outra!

- Eu não sei se serei capaz de exercer esta função. Tenho medo de não conseguir! - confessou

- Justamente por isso que também é perfeita. Você foi a única que não me pediu! E não se preocupe que lhe ensinarei tudo o que precisar!

Dalila e Venus retornaram para a barraca. A Tia comentou:

- Todas as fadas morreriam de inveja de você agora.

- Vocês sabiam disso né? - Elina jogou

- Sim, nós duas sabíamos da intenção da Rainha. - respondeu a mãe

- Eu comentei com elas em cartas sobre a sua visita.

- E você voltou tão empolgada, tão animada, tão inspirada, filha. - falou Dalila - Eu me arrependo de ter guardado isso de você.

- Imagino o que você não fará quando for a Rainha. - acrescentou Venus

- E eu devo aceitar, majestade? - disse olhando para as três

- Acho que sim! - disse a monarca

- Então, eu aceito ser a sua sucessora!


***


O Reino das Fadas entrou em festa quando descobriu que a Rainha finalmente havia escolhido quem seguiria o seu legado. Alguns não gostaram por Elina ser uma forasteira, uma meio-fada. Outros, principalmente aqueles que a viram no baile, adoraram a notícia.

A jovem fada tinha um brilho que não dava para descrever e que tinha realmente algo de especial.

Ela abandonou toda a sua vida no mundo humano para ser a nova Rainha das Fadas. Passou meses treinando, aprendendo sobre a cultura, política, como se portar, tudo o que era necessário.

No dia de sua coroação, o Reino inteiro foi para o baile de comemoração. Até Dalila, que fazia décadas que não pisava ali, apareceu.

Usando a mesma roupa do Baile da Primavera, Elina recebeu a coroa dourada com a pedra, que passou de azul - a cor da Rainha Iris - para rosa - a sua cor.

A festa de sua coroação durou por dias, deixando o reino com novas esperanças para a nova era que começava.


***


Alguns anos depois


- Aonde vai, majestade? - perguntou o conselheiro, enquanto ela entrava no salão

- Vou visitar minhas tias e minha mãe. Ficarei uns dias fora. - discursou a monarca - Volto em breve, consegue cuidar do reino até lá?

- Claro! - sorriu o conselheiro

- Ótimo! Deixei uma lista das prioridades para cuidar.

A Rainha Elina fechou os olhos, se concentrou e se transportou para o outro lado, perdendo as asas e crescendo de tamanho. Respirou fundo, sentindo o ar puro e bastante diferente do reino que fazia parte de metade do seu ser.

Chegou na clareira e caminhou algum tempo até chegar naquela casinha afastada da cidade do interior. Bateu e chamou no portão, sua mãe a atendeu.

- Finalmente chegou, filha! A gente já estava achando que não viria, filha.

- Eu não ia perder nossa reunião anual por nada, mãe.

- Onde estão minhas tias?

- Estão lá dentro, arrumando a mesa. Elas têm bastante coisa para contar.

- E eu também! - disse entrando pelo portão


***


"Essas asas vão além do céu

não voar para longe

O último momento, a pessoa que eu sinto falta

é para embrulhar


(...)


o destino está à frente

A vida é escolhida?

Se você continuar desejando, para qualquer um

o futuro pode ser mudado"


(Celestial Diva - Minori Chihara)

 
 
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