“Você é o destino, você é o trovão
dos cascos
Sendo a paixão do meu amor, você
me perseguiu através do céu gelado e do solo nevado
Uma polegada de luz, uma polegada
do meu amor
Uma flor de cereus, uma flor de
nuvem
Uma flor de floco de neve, uma
flor de sonhos
Realizada com cuidado no coração
da minha palma
Uma única semente de poeira, uma
árvore Bodhi
Uma única estrela cadente e apenas
você
Realizada com cuidado no coração
da minha palma”
(Heart of Palm - Shou Zhang Xin – Dorama: Prince of Lan Ling)
China Antiga, 776 a.c
Na vila de Xiangzuishan, as jovens moças em idade para casar
tem que confeccionar um robe para o futuro marido, que a escolhe na cerimônia
realizada na praça central da vila, onde todas as jovens se apresentam aos pretendentes.
Algumas passam meses e anos fazendo seus robes. As mais
pobres fazem de algodão, enquanto as mais ricas fazem com as sedas mais finas e
com auxílio das melhores escravas.
Hyuang Yi é filha do ferreiro da vila e nunca foi muito bem
aceita por ninguém. Ela sempre ajudou seu pai na loja em que produz armaduras e
espadas e outras peças com metal. Ela levava as encomendas, atendia aos
clientes e algumas vezes, quando a demanda era grande, ela também fazia o
trabalho diante da brasa.
A mãe da jovem falecera quando ela tinha sete anos e desde
então eram apenas ela, o irmão mais velho e o pai. Ela se lembrava de sua mãe
como uma mulher delicada e sempre disposta. De um dia para outro adoecera e
após poucos dias não resistira. O irmão entrara para o exército do imperador
havia uns anos e só aparecia em casa algumas vezes por ano.
Aproximava-se a época de Yi procurar um esposo e precisava
fazer seu robe. Porém, ela sabe que ninguém nunca a vai escolher. Só que seu
pai – Hyuang Ping – queria ajudar a filha.
- Filha, isto aqui é para você. – lhe estendeu uma sacola
lotada de moedas
- Mas, são suas economias, pai.
- Para você comprar o melhor tecido para tecer seu robe.
Precisa achar um bom marido, filha.
- Sabe que ninguém me escolherá.
- Não custa se esforça e tentar.
- Custa sim. As economias! – devolveu a sacola – Não preciso
disso.
- É uma ordem que use este dinheiro para comprar o precisa
para o robe.
- Pai... Por favor...
- Só faça o que lhe mando.
- Não precisava mesmo, mas... Che Che! – sorriu
A jovem Hyuang foi imediatamente ao mercado e comprou o que
de melhor podia com aquele dinheiro para seu novo projeto. Ela também nunca
fora muito jeitosa com bordados. Só lembrava o pouco que a mãe ensinou.
Contudo, o trabalho no fogo tirou toda a delicadeza e maciez das suas mãos, ela
rezava para não ter perdido a mão do bordado. Pelo menos a agulha doeria menos
se lhe espetasse os dedos. Afinal, lidava com ferro e calor. Uma agulha e uma
linha devia ser algo mais simples.
Outras jovens da mesma idade de Yi estavam fazendo compras e
não resistiram quando a viram:
- Olha lá, é a filha do ferreiro, ou devo dizer: a nova
ferreira. Alguém tem que seguir com o ofício daquele velho. – um coro de risos
– E por que compra tecidos tão finos? Eles não combinam com você.
- Não são para mim. É para eu fazer meu robe.
- E você acha que um homem vai querer algo feito por alguém
como você?
Mais uma risada uníssona, mas ela não respondeu. Há anos
aquilo se repetia e ela aprendeu que o melhor era deixá-las falando sozinhas
mesmo. Terminou o que tinha que fazer e voltou para casa. Com as medidas do
pai, ela começou a costurar o robe. Ela dedicava sempre o tempo livre que
tinha, após os afazeres da casa para continuar o belo bordado de dragões que
fazia nas mangas.
***
Os dias se passaram e Hyuang Yi foi ao rio do lado de fora
da vila para passear, relaxar e pensar. Aproveitou que podia demorar um pouco
para voltar e continuou ajeitando os detalhes da roupa, pois já faltavam poucos
dias para a grande cerimônia. Até que ela ouviu um cavalo relinchar. Pensou ser
de algum viajante de passagem por ali apenas. Só que o som se repetiu, sem dar
a impressão de ter se afastado. Ela se virou e viu que o cavalo carregava um
homem ferido.
Apesar do medo, ela foi averiguar e viu o corte que vinha de
seu ombro. Tentou chamá-lo e ele estava semi-acordado.
- Muito bem, Ta Yue. – olhou para a garota - Senhorita, pode
me ajudar? Estou ferido.
- Claro! Tem como descer do cavalo?
- Sim. Mas me ajude!
Yi ajudou-o a descer e colocou-o sentado perto do rio,
encostado numa pedra. Amarrou o cavalo numa árvore e foi cuidar do homem.
Baixou a manga de sua roupa e viu que o corte fora comprido e bem feio.
- Onde arrumou isso?
- Uns ladrões me atacaram na estrada, perto daqui. Tentei me
defender, mas eles eram muitos. Eles levaram minhas coisas e me deixaram para
morrer. Sorte que tive forças para subir no meu fiel companheiro e ele lhe
achou.
- Talvez mais um pouco e você não estivesse mais entre os
vivos. – pegou a única coisa próxima para limpar o ferimento, seu robe em
construção – Isso vai doer!
- Não precisa limpar o ferimento de um forasteiro com um
tecido tão bonito desses.
- Eu não tenho outra coisa.
Ele reclamou um pouco de dor. Rapidamente o ferimento estava
limpo. A garota usou o tecido para também estancar o sangue, amarrando-o no
ombro do homem.
- Tem forças para caminhar agora?
- Sim.
- Você vai precisar de um lugar para ficar até se recuperar.
Pode ser na minha casa!
- Obrigado.
Assim, com o homem em um ombro e o cavalo sendo puxado por
outra mão, Yi trouxe o forasteiro para sua casa. Colocou-o sentado a mesa de refeição.
- Pode ficar no quarto do meu irmão. Ele é do exército e vem
pouco em casa.
- Filha, quem é este homem? – o pai apareceu
- Ah, é um forasteiro que encontrei ferido na estrada. Ele
pode ficar uns dias até se recuperar?
- Claro, sem problemas. Será bem tratado, senhor...
- Shen Wei. E você?
- Sou Hyuang Ping.
- E qual seu nome, senhorita?
- Hyuang Yi. – sorriu – Vou preparar a comida. Deve estar
com fome.
- Um pouco.
Hyaung foi acendendo o fogo à lenha, mexendo as panelas,
colocando os ingredientes. Enquanto isso o Wei só a observava em sua tarefa e
não resistiu ao impulso de perguntar:
- Qual o ofício de seu pai?
- Ele é ferreiro. O único da vila.
- E você? O que faz além da parte doméstica?
- Eu o ajudo com a ferraria. Levo encomendas, atendo e
também confecciono.
- Por isso são suas mãos são assim.
- Assim como? Não entendi. – virou-se para ele
- Calejadas. Não são as mãos de uma dama.
- Eu não sou uma dama, Senhor Shen.
- Para mim, você é. Pelo menos é tão bela como uma. – sorriu
- Ainda não viu as outras da vila. Elas são bem mais bonitas
do que eu. Eu não tenho tempo para metade das coisas que elas fazem, como cuidar
da aparência.
- Não as conheço, então não posso dizer nada.
- Preciso ver como está seu ferimento. – disse se
aproximando – Nossa! Se não fizer nada vai ficar feio. – e colocou, depressa,
uma espada para aquecer no fogo.
- E este robe aqui? – indagou Wei, olhando – Por que estava
com ele?
- É para meu futuro marido, que ainda não sei quem é. Aqui
na vila temos a tradição das moças fazerem um desses e o homem que quer
desposá-la aceita como presente.
- Uma pena ter estragado algo tão lindo comigo. Você mesma
quem está fazendo?
- Sim! Minha mãe me ensinou um pouco quando era menor. Estou
usando o que me lembro. – ela limpou novamente o ferimento dele e finalmente
olhou a enorme mancha de sangue na roupa e sentou desolada – Como eu vou limpar
isso agora? Foi todo o dinheiro do pai nisso.
- Desculpe-me por isso.
– disse Wei – Tem algo que eu posso fazer para te ajudar?
- Não tem necessidade. Você está se recuperando. Eu darei um
jeito, não se preocupe.
- Você disse que isso é para dar de presente não é?
- Sim! – respondeu pegando a espada do fogo – Um pouco de
calor para seu machucado.
Normalmente, se colocava a espada na parte que era maior
para se cauterizar. Porém, marcava a pele. Hyuang aprendeu a fazer isso usando
a parte mais fina da lâmina. Por ser também um ferimento de espada, isso
ajudava. Calmamente, ela posicionou a parte fina da espada no corte e o calor
fez o forasteiro gritar de dor. Após esse grito que veio do lugar mais profundo
de sua garganta, o ferimento estava fechado e não sangraria mais.
- Continue o que ia dizer... – sorriu Yi
- Bom... – colocou a não no machucado – Não é muito, mas é
algo que pode complementar seu robe. – e lhe estendeu um belo pedaço de pano
vermelho
- Obrigada! - pegou – Combina perfeitamente com este marfim.
Usarei nas golas!
- Fará seu robe ser o mais bonito de todos!
- Não é uma competição! - riu
- Mas, talvez o melhor partido se interesse pelo robe mais
belo de todos.
- Acredito que isso seja mentira. As jovens mais ricas
atraem os mais ricos. – sentou-se desanimada – Eu não queria fazer isto, mas
meu pai insistiu tanto que...
- Eu entendo! – sorriu Wei – Também já fiz coisas só para
agradar meus pais.
- Sendo sincera, senhor Shen, casamento não é algo para mim.
Como você mesmo disse: Não sou uma dama.
- Pode vir a ser uma. Basta a senhorita querer.
Hyuang terminou a comida logo e serviu o hóspede, que saciou
a sua fome. Depois, a jovem o colocou para descansar no quarto do irmão e foi
terminar os outros afazeres da casa. Especialmente em dar um jeito de limpar o robe.
E assim, os dias foram passando, Hyuang e seu pai cuidavam
do enfermo. Seu ferimento não era tão grave, mas ele precisava se ficar com
braço em repouso por conta de ter caído do cavalo e o corte ter sido próximo a
um nervo. Wei se tornou a companhia de
Yi quando o pai estava ocupado demais trabalhando. Eles conversavam e riam,
sobre qualquer coisa. Um dia, foram ao mercado da cidade juntos, pois precisava
comprar coisas para repor o estoque da casa. Conversavam no caminho:
- Senhor Shen, você não me contou nada sobre você.
- Não tem muito o que saber sobre mim.
- Bem, eu prestei atenção nas roupas que você estava quando
apareceu lá no rio. É de família nobre, não?
- Sim, eu sou. – respondeu sem jeito – Não quero que me
trate diferente por conta disso.
- Claro que não. Só fiquei curiosa mesmo. Peço perdão por
isso.
- Não precisa se desculpar. Só saiba que eu estou a serviço
do Imperador assim como você.
- É soldado como meu irmão?
- Exatamente.
E chegaram ao mercado e logo as moças repararam naquele homem
que vinha junto da jovem Yi. Ele era um rosto diferente e novo por ali. Apesar
de trajar as roupas do irmão de Hyuang, Wei tinha uma aparência de nobre que
não conseguia de desvencilhar e os outros perceberam isso.
- Esse rapaz não é daqui. – disse um
- E por que está andando com a filha do Hyuang Ping? –
comentou outro
Eis que, uma das moças das classes altas abordou o
forasteiro.
- Senhor, bom dia. És novo por aqui? Nunca vi seu rosto.
- Sim, senhorita. Estou apenas de passagem, logo voltarei a
meu lar.
- Se quiser se hospedar em minha casa.
- Agradeço o convite, mas já estou instalado na casa de Hyuang
Ping.
- Está com eles? Sabe que eles são a pior família daqui não
é?
- Se são ou não, isso é opinião sua. A senhorita Hyuang me
resgatou na estrada, ferido.
- Ferido? Como?
- Uns ladrões me pegaram na estrada e só fiquei com minhas
roupas e meu cavalo. Estou me recuperando para poder terminar minha viagem.
A moça sorriu, desejando melhoras ao homem. E no mercado
também havia uma senhora mais velha, acompanhada de uma outra jovem. Todos a
cumprimentavam e se curvavam, pedindo bênçãos. Wei achou aqui estranho e
perguntou a Yi:
- Quem é aquela senhora? Deve ser importante por aqui.
- Sim, é nossa sacerdotisa Yin Jingyi, ela que cuida do
templo e também quem faz o ritual do robe todos os anos e aquela é a aprendiz
dela: (nome aprendiz).
Shen se afastou de Yi e foi conversar com a sacerdotisa.
- Bom dia, sacerdotisa. É uma honra conhecê-la.
- Quem és tu, meu jovem? Nunca lhe vi por aqui.
- Sou um forasteiro, apenas de passagem.
- Ora, seja bem-vindo.
- Bom dia, sacerdotisa Jingyi. – falou Hyuang, que se
aproximou
- Está acompanhada deste senhor, menina?
- Sim, senhora. Está hospedado em minha casa.
- E seu robe? Há quantas está?
- Estou terminando. Ficará pronto a tempo da cerimônia.
- Soube que gastou as economias de seu pai para comprar os
tecidos. – disse a sacerdotisa
- Ele me deu esse dinheiro com este propósito.
- Ainda lembro de quando seu pai escolheu o robe de sua mãe,
pois era o único que havia sobrado. Mesmo sua mãe sendo de uma família boa,
arrumou um pretendente como seu pai. Uma pena, ela tinha tanto potencial.
Espero que não lhe aconteça o mesmo, senhorita Hyuang.
- Não acontecerá, senhora. Até a cerimônia.
Despediram-se e os dois continuaram as compras. Yi ficava
triste quando lembravam que sua mãe havia sido a última a ser escolhida e pelo
pai dela. Não que ela odiasse o pai, mas as pessoas sempre faziam questão de
lembrar do “destino trágico” de sua família. Porém, Hyuang Yi sempre sentira o
amor em sua casa. Seus pais se amavam desde muito antes do ritual do robe.
Assim como Yi, sua mãe também não era a jovem mais adorada da vila. Por esses
motivos que a garota não queria fazer um robe. Ela tinha medo da história se
repetir ou até de acontecer algo pior: ninguém a escolher. Shen só conseguiu
comentar com este assunto sobre ela quando retornaram a casa.
- Agora eu entendo o porquê de tudo que sua família passa.
Eu lamento, senhorita Hyuang.
- Tudo bem. Eu já estou acostumada a ser tratada assim por
todos. Todos se lembram da minha mãe dessa forma: A jovem que largou tudo por
amor. – deixou escorrer uma lágrima – Mas, sabe, senhor Shen, o amor que vejo
nessa casa, como era meu pai com minha mãe, eu com meu irmão, acredito ser a
coisa mais nobre e rica que existe. Eu não trocaria nada disso por um status em
que as pessoas só querem se aproximar de mim pelo o que eu tenho, pela minha
posição e não por quem sou.
A jovem se permitiu chorar, era como tirar algo engasgado de
dentro de si. Wei ficou comovido e a abraçou. E nenhum dos dois se incomodou
com isso. Nunca, um homem e uma mulher, não casados, se abraçariam daquela
forma, ainda mais sozinhos em um ambiente.
- Senhorita Hyuang, - ele falou – saiba que é a pessoa mais
nobre que já cruzou meu caminho. Ninguém teria a coragem de sair às ruas todos
os dias e ser tratada dessa maneira, inclusive pela pessoa de maior importância
neste local. E você tem a honra de levantar sua cabeça e seguir em frente. Isso
é algo que ninguém lhe deu, você conquistou sozinha e ninguém também poderá
tirar.
- Obrigada, senhor Shen.
- Pode me chamar de Wei, senhorita.
- Chama-me de Yi então.
Eles se olharam, sorrindo. Era algo diferente nascendo
naquele momento e que nem eles mesmos entendiam o que era.
***
Na manhã seguinte, Hyuang e Ping tomaram um susto, pois o
seu irmão Hyuang Bao apareceu de repente em casa.
- Irmão, o que houve? Veio antes do tempo.
- Sim, eu sei. Mas, é que a minha tropa foi dispensada,
nosso general está desaparecido. Como são tempos de paz, nos deixaram voltar
para casa.
- O que aconteceu com ele?
- Estávamos acampados um uma planície perto daqui, fazendo
reconhecimento das terras do imperador. Ele saiu para uma ronda e não voltou.
Acreditamos que tenha se ferido no caminho.
- Seu general está bem, Soldado Bao. Ele foi atacado por
ladrões na estrada, mas foi ajudado por esta jovem. – disse Wei aparecendo na
cozinha
- General Shen! – exclamou o soldado, se ajoelhando
- Pode se levantar. Afinal, é sua casa.
- Por isso o cavalo não me era estranho. É Ta Yue.
- Sim. Graças a ele que consegui fugir.
- Conte-me senhor, o que lhe aconteceu.
Shen e Bao sentaram-se, enquanto Yi terminava a refeição, e
soube com detalhes do incidente que colocou seu general dentro de sua casa.
- Seu pai e irmã têm sido ótimos anfitriões, soldado. Logo
estarei melhor e poderei voltar ao comando.
- É uma ótima notícia, general Shen. Aviso aos outros?
- Não. Aproveite e descanse!
Então, Bao viu o robe de Hyuang pendurado e a mostra.
- Que robe é aquele? Você quem está fazendo, irmã?
- Sim. Papai insistiu. – sorriu amarelo – A cerimônia é
daqui dois dias.
- Gostei do detalhe vermelho na gola e na ponta das mangas e
estes dragões belíssimos. – comentou olhando mais de perto
- Agradeça a seu general, foi ele quem me cedeu este belo
tecido como recompensa por tê-lo salvo.
Todos os membros presentes na casa se sentaram a mesa, momentos
depois para a refeição.
***
Shen Wei já estava muito melhor e partiria em um dia ou até
dois. Hyuang Yi sabia disso e começou a sentir um vazio só de pensar em perder
uma ótima companhia e voltar a ficar sozinha enquanto o pai trabalha. Ela
decidiu, como uma singela lembrança, confeccionar uma pequena adaga para o
homem.
Era uma final de tarde e Yi estava nos fundos da casa, na
ferraria, em frente a fornalha. Com uma marreta, ela batia no ferro quente para
dar o formato. Ela era até habilidosa, mas não se comparava em nada com o que o
pai fazia. O irmão, ao procura-la, a encontrou ali.
- O que está fazendo, Yi?
- Uma adaga. É um presente ao seu general.
- Você sabe que ele partirá logo não é?
- Sim. O corte dele, mesmo que superficial, já se curou e
seu braço está quase perfeitamente bom.
- Sentirá falta dele?
- Acho que sim. Ele é uma boa companhia.
- O general Shen é um ótimo partido. Várias mulheres no
reino o cobiçam.
- Eu sei. Isso aconteceu até aqui. Tinha que ver quando foi
ao mercado comigo, mesmo usando suas roupas, ele atraio as jovens.
- A presença dele faz isso! Não é algo proposital. – uma
pausa constrangedora – Enfim, não vou lhe incomodar. Pode deixar que eu faço o
jantar hoje.
- Che Che. Assim posso terminar mais rápido aqui.
Mais tarde, Yi retornou a casa, já na hora da comida ser
servida e Wei estranhou o sumiço dela e indagou:
- Onde estava, Yi? Não lhe vi a tarde toda.
- Estava ocupada na frente da fornalha, confeccionando uma
encomenda.
- Vá se limpar para comermos, espero que a comida do soldado
Bao seja tão boa quanto a sua.
Não era uma época muito cheia para o ferreiro, mas a
desculpa foi boa para enganar o outro. E o pai sabia que a filha, às vezes,
gostava de ficar em frente ao fogo apenas para praticar.
Os quatro comeram num clima agradável. Bao e Shen estavam
contando histórias do exército e estavam divertindo os outros dois. Histórias
sobre treinamentos, concubinas, noites de banquete após batalhas. Histórias,
apenas histórias. E Wei resolveu falar algo importante em seguida:
- Senhor Hyuang, obrigado por sua hospitalidade, mas acho
que estou em plenas condições de seguir o meu caminho.
- Claro, Senhor Shen. Eu compreendo e imaginei que assim que
melhorasse você partiria. O que é uma pena, pois adoramos a sua presença aqui
conosco.
- Quem sabe não retorne outras vezes?
- Quando partirá?
- Depois de amanhã.
- No dia da cerimônia do robe. – falou Hyuang
- Eu sei. Uma pena que não poderei ver quem será seu futuro
esposo.
- Talvez ninguém. – ela respondeu, desanimada
- Não pense assim, filha. – falou o pai – Deve ter alguém
por ai.
- Assim espero.
***
Dois dias depois, a família se preparava tanto para a filha
que participaria da cerimônia do robe, quanto para se despedir do viajante que
se hospedara em sua casa. Shen Wei iria embora pouco antes de cerimônia
começar. Eles foram a frente da casa para se despedirem.
- Foi um prazer conhece-lo, Senhor Shen.
- Igualmente. – sorriu para o pai da família
- Este é um presente para você, Wei. – disse a jovem
estendendo a adaga
O general a retirou da bainha e observou o quão bem polida e
brilhante estava. E observou os entalhes do cabo. Mesmo simples, era uma bela
adaga.
- Você quem fez? – ele perguntou
- Sim. – escondeu o rosto
- Che che! Guardarei com carinho. – disse dando um beijo na
testa da moça – Boa sorte em sua cerimônia.
Assim, ele subiu no cavalo e partiu para fora da aldeia.
Os outros três membros se arrumaram e logo estavam na praça
central da vila, prontos para assistir a cerimônia do robe. O pai e o irmão
estavam animados e esperançosos de que Yi fosse escolhida. A garota colocou a
melhor roupa que tinha, uma antiga da mãe, a mesma que ela usou na sua
cerimônia, quando Ping a escolheu como pretendente.
As jovens noivas fizeram uma roda em volta da sacerdotisa Yin
Jingyi que as aguardava para poderem começar. Primeiro surgiram comentários, em
sussurros pela plateia, por Yi estar ali e que ela estava louca de fazer isso.
Então, a sacerdotisa começou:
- Mais um ano e mais uma Cerimônia do Robe. Estas jovens
moças passaram o último ano construindo este objeto, que é representação da
força de um casamento. É um presente aos seus futuros maridos, que as irão
escolher com base no quanto se dedicaram em fazê-lo e é assim que se dedicarão
ao casamento vindouro. Jovens senhoritas, vamos fazer uma pequena oração e
então, estendam seu robe a sua frente e os interessados olharam. Se ele lhe
escolher, você deverá vesti-lo com o robe, simbolizando assim o compromisso
assumido entre vocês.
A prece foi um pedido de proteção e o desejo ao que ali
aconteceria. Agradecendo aos deuses as fortunas e as dificuldades que passavam
em suas vidas, que nenhuma delas era em vão, que lhes traria algo a aprender,
assim como o casamento também o era.
Então, as jovens estenderam os robes em seguida. Vários
rapazes, incluindo Bao foram observar e escolher. Imediatamente, as moças mais
ricas foram escolhidas pelos rapazes mais ricos. Talvez já fosse algo combinado
entre as famílias, o robe era só a conclusão disto. Outras foram escolhidas. E
os sorrisos e a alegria de vestir o robe em seu futuro marido era algo que não
podia ser mensurado. O número de escolhas ia diminuindo e o Yi só se lembrava
de que não tinha conseguido tirar a mancha de sangue completamente, restando um
pouco de pigmento quase imperceptível, talvez que só ela visse, pois ela
soubera a mancha que esteve ali.
Até que restou só uma! Era Hyuang Yi. Parada. De braços
estendidos. Segurando com robe feito com as medidas de seu pai. Não havia mais
pretendentes. O que ela mais temia aconteceu: Ninguém a queria como esposa! Ela
sabia deste fato há muito, mas constatá-lo, diante e toda a aldeia era algo
lastimável e vergonhoso. Era uma humilhação do pior tipo, até mesmo das
inúmeras que já sofrera. Sentiu o fundo de seus olhos arderem e uma vontade de
sair correndo dali e chorar copiosamente, abraçada no fruto do seu fracasso. E
talvez, nunca mais voltar àquela vila, vivendo isolada no topo de uma montanha
se possível.
Porém, todos se alarmaram, pois viram um homem se aproximar.
Ele trajava belas roupas. As roupas de um nobre, mas tinha algo mais, ele vinha
com sua armadura de bronze, que reluzia com a luz do sol de meio-dia.
- Quem é ele? Quem é esse homem? – começou o burburinho
Ele estava com seu rosto escondido por trás do elmo e uma
máscara, que lembrava uma criatura demoníaca. Ele retirou ambos e as moças
daquele dia do mercado se assustaram.
- É o forasteiro. Ele é um nobre? – disse uma
- Ele vai mesmo escolher a Hyuang Yi? – falou outra
Yi não podia se virar para ver quem vinha, uma das regras
era se mexer apenas quando falassem e lhe escolhessem.
Shen Wei caminhou e parou diante dela, sorrindo.
- Parece que só sobrou a senhorita. – comentou irônico – Era
justamente a que eu queria.
Ela sorriu em resposta. Wei retirou a parte de cima da
armadura para que o robe coubesse sem problemas. Todos os outros olhavam
perplexos e sem entender nada.
- Sacerdotisa? – a moça que sempre a acompanhava perguntou –
Um forasteiro pode escolher uma pretendente? Eu nunca vi nada disso nos livros
que estudei.
- É porque nunca aconteceu. Mas, o que diz é que ele precisa
aceitar o presente da moça, independente de quem ele seja ou de onde venha.
- Por que eu? – questinou Yi a Wei
- Eu já aceitei o seu presente, mas não foi um robe. – ele
retirou algo da cintura – Foi esta adaga. Mas, como gostei do robe, ficarei com
ele também.
- A gente mal se conhece.
- Eu já te conheço o suficiente para isso. Não é qualquer
Dama que é delicada e faz um belo robe de seda como esse e ao mesmo tempo faz
uma adaga tão bonita.
- Pena que não sei fazer armaduras, general. Mas acho que
não conseguiria fazer algo tão nobre quanto este cobre. – disse rindo – Quer
dizer então que...
- Sim, você é minha noiva, Hyuang Yi.
- E você é meu noivo, Shen Wei. Ou melhor, qual seu título
além de general?
- Eu sou apenas o quarto irmão.
- Quarto irmão da linha de sucessão. – completou Hyuang Bao
- O Quarto Príncipe está entre nós. – falou a sacerdotisa
E todos se curvaram diante dele. Até Hyuang Yi.
- Não, Yi. Levante-se.
***
Alguns meses se passaram e no palácio do imperador acontecia
do casamento entre Hyuang Yi e Shen Wei, o quarto irmão. Ele trajava o robe que
aceitou de presente na Cerimônia do Robe e a jovem vestia a roupa de casamento
da mãe.
E assim, a Dama e o Forasteiro finalmente se casaram!
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