Passaram-se
alguns dias e eu não tive tanto tempo para ler o diário. As coisas
no escritório me deixavam cansado. Só tinha disposição para ler
uma anotação por dia. Minha sorte é que elas eram bem pequenas.
Kazuko
estava passando por um momento depressivo, ainda se mostrava muito
abatida com a perda do bebê. Os dias dela já eram sempre os mesmos,
depois do acontecido ela não tinha ânimo para nada. Ela se
comportava bem diferente do que realmente é. Agora ela está
brincando com o nosso filho e ele só sorrisos.
Tirei
o diário da gaveta, sentei na cama e fui ler outra anotação.
“Querido diário,
Os meus dias
parecem cada vez mais arrastados. Os minutos e as horas passam muito
mais devagar do que realmente eu sinto. Fico bastante tempo
devaneando ou tentando me distrair, quando acho que se passaram horas
foram apenas alguns minutos.
O que aconteceu
alguns dias atrás ainda perturba a minha mente. O pesadelo e depois
todo aquele acontecimento onde perdi o bebê. Makoto em momento algum
me culpou ou me deu um sermão, dizendo que não me cuidei direito e
contrariei as regras explícitas dele.
Ele também não
tem me chamado para o quarto nos últimos dias. Nós mal temos
conversado, só nos cumprimentamos.”
Eu
sabia que ela precisava desse tempo, desse espaço. O baque que ela
tomou foi bem mais forte que o meu. Afinal, foi ela quem engravidou e
perdeu depois. Eu apenas assisti tudo. Não queria importuná-la
fazendo-a ficar no quarto comigo. Era óbvio, por conta das
circunstâncias, que era algo que ela não gostava.
Ela
realmente precisava de um tempo, mas já começava a achar que era
“tempo demais”.
“Ele até
pergunta como estou e eu respondo com um “Bem”. Monossilábico,
seco e que acaba com qualquer possibilidade de continuar a conversa.
Apenas assente e continua a comer.
Apesar de tudo, a
Keiko ainda é uma ótima companhia. Com ela o tempo não é uma
coisa amarga como quando estou tentando pegar no sono. Keiko consegue
arrancar alguns sorrisos e risadas minhas, porém ela sabe bem o
quanto estou abatida. Até tenta me animar, só não adianta muito.
E desta forma,
como descrevi nos outros dias, meus dias se passaram.
Eu realmente estou
em um momento depressivo e não tenho ideia de como sair.”
Eu
já não aguentava mais vê-la dessa forma. Kazuko sempre foi
sorridente e cheia de palavras. Mesmo sendo pobre e ter virado
escrava, ainda encontrava maneiras de sorrir. Não suportava mais
vê-la com aquela cara triste, se arrastando daquele jeito. Sentia
saudade do sorriso e da risada dela, daquelas palavras animadas que
dizia.
Agora
ela ficava com aquela cara fechada, monossilábica e séria. E até
eu estava começando a ficar mal com aquilo. Tinha que fazer algo
antes que começasse mesmo a me afetar ou Kazuko tomasse uma medida
drástica.
“Com tudo isso,
eu também perdi noção do tempo. Olhei o calendário e notei que
meu aniversário de dezoito anos é daqui alguns dias. E pela
primeira vez na minha vida não estou nem um pouco animada quanto a
isso.
Meu aniversário
sempre me foi motivo de alegria. Pessoas reunidas por minha causa,
presentes e bastante comida. A única ocasião onde os pobres não
tem miséria, porque sempre queremos que sejam coisas inesquecíveis.
Um momento para esquecer a nossa vida ruim, mesmo que só um pouco.
Mas, este ano, o que eu tenho a comemorar? Eu sou escrava e acabei de
passar por uma situação horrível.
Gostaria muito de
poder voltar no tempo e mudar o que aconteceu. Não o que aconteceu
na semana passada, mas sim o que foi há quase seis meses. Queria de
alguma forma impedir que Makoto viesse e me comprasse. Com certeza
tudo seria diferente se aquele dia fosse diferente. Estaria animada
como sempre fui e muito empolgada cursando a faculdade.
Eu queria passar o
aniversário com a minha mãe e com as minhas amigas. Poder ficar
jogando conversa fora, rindo de coisas bobas e esquecer dos
problemas. E mais tarde, poder abrir os meus presentes e me sentir
mais feliz ainda.
Pena que nunca
acontece como queremos. Agora eu estou aqui presa. Tudo o que mais
quero é minha liberdade, só isso! Voltar a ser aquela Kazuko feliz,
sorridente e livre.
Infelizmente, nada
disso depende de mim.”
Segui
para a anotação seguinte, que diferente da que acabara de ler, era
pequena.
“Querido diário,
perdoe-me o
desabafo ontem, estava precisando. É só com você que posso fazer
este tipo de coisa. Só me sinto confortável aqui.
Meu dia de hoje
foi como sempre, acordei, tomei café da manhã, ajudei Keiko nos
serviços de casa... Uma coisa estranha é que Makoto chegou bem mais
tarde do que o habitual. Ele disse a Keiko que acabou ficando um
bocado ocupado no escritório. Eu não acreditei muito não! Não sei
o porquê, mas eu senti que ele mentiu. Ele não aparentava cansaço
como descreveu.
Aí tem algo!
Agora, eu
dormirei.”
Neste
e em mais alguns dias que se seguiram, eu cheguei um pouco mais tarde
em casa. Justamente porque estava tomando uma atitude. Uma atitude
pelo bem de Kazuko.
Ela
iria ter um aniversário que nunca esqueceu.
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