Só pude ler
novamente quando voltei do trabalho. Troquei de roupa, peguei o
diário e me sentei no sofá. Li uma anotação bem semelhante à do
dia anterior. Quando acabei, Kazuko se sentou ao meu lado e ligou a
TV.
-Que parte você está
lendo? - disse espiando – Ah, essa parte. Eu não gosto muito de
lembrar desse dia.
Sabia bem a que dia
ela se referia, pois eu dei uma espiada em algumas linhas lá
embaixo. Comecei da linha seguinte.
“Diário,
Eu nem sei nem por
onde começar a dizer tudo o que aconteceu ontem à noite. As
lágrimas e a culpa não saem de mim.
Tive um dia bem
normal e estava me sentindo ótima. Eu adormeci rápido a noite e foi
então que este pesadelo começou. Na verdade, no início parecia um
sonho como qualquer outro.
Colocava o bebê
para dormir, carregava-o em meus braços. Os olhinhos dele abriam e
fechavam, até finalmente dormiu. Observei seu rosto sereno e uma
coisa estranha aconteceu. Uma brisa soprou atrás de nós e o bebê
começou a se desfazer, como se fosse areia.
Assustei-me e
perplexa, o vi sumir diante de mim. E não pude fazer nada. Tentei
gritar no sonho, mas aconteceu de eu acordar gritando. Foi tão forte
que me secou a garganta. Makoto levantou num pulo e perguntou:
-Kazuko, o que
houve? - então acendeu o abajur e pude ver uma expressão de aflição
em seu rosto quanto olhou em direção as cobertas.
Foi aí que eu
senti e vi. Uma sensação idêntica a quando minhas regras vêm e
sangue. Apesar da pouca luz dava para ver, nitidamente, que era
sangue, os lençóis são claros.
O desespero veio,
uma grande dor também e só consegui chorar. Makoto me chamou e
falou, segurando em meus ombros:
-Temos que ir ao
hospital agora. Se troque depressa e vamos.
Fiz conforme ele
mandou. Coloquei um vestido simples e saímos. As lágrimas e nem a
dor não paravam. Ele parou o carro, levantou me rosto e me disse:
-Kazuko, tá tudo
bem!
Assenti
concordando e seguimos.”
Eu
não queria pensar no pior nesse momento. Tinha esperanças de que
ela não abortara. Também estava desesperado e nervoso, porém eu
tinha que mostrar segurança e apoiar Kazuko.
“Por sorte, Rin
estava no hospital, pois uma de suas pacientes encontrava-se em
trabalho de parto. Durante a triagem, eles a chamaram para me
atender.
-Boa noite,
Kazuko, Makoto!
-Boa noite! -
respondemos em uníssono
-E o que
aconteceu? - indagou Rin, próxima de mim e me olhando
-Ela teve um
sangramento.
-Muito sangue?
Pouco sangue?
-Bom, o lençol
ficou razoavelmente sujo.
-Ok! Vamos ter que
ir a máquina de ultrassom para ver se está tudo bem.
Fizemos conforme
ela disse.
Eu me deitei na
maca e ela pôs aquilo na minha vagina. Mexeu por um tempo e pude
pressentir pelo olhar dela que vinha uma má notícia. Não tive
coragem de perguntar, quem o fez foi Makoto:
-E então?
-Eu lamento. - ela
virou-se para ele – Kazuko sofreu um aborto.
A única coisa que
consegui fazer foi chorar, apenas uma lágrima solitária caiu. Rin
discursou o resto dos procedimentos:
-Kazuko, vou te
colocar em observação até amanhã. Vamos ver se vai sair alguma
coisa, caso não mandarei fazer a curetagem para tirar o que ainda
estiver dentro de você e também para estancar esse sangramento. Com
licença! - e saiu
Então desabei de
novo. Makoto estava parado ao meu lado. Seu olhar parecia perdido e
triste.”
Eu
ainda estava em choque com a notícia repentina. Não sabia como
reagir, só não queria era chorar diante dela.
“-Makoto! -
chamei-o tocando em sua mão
-Oi, Kazuko. -
falou sentando-se na maca e olhando para mim
-Me desculpa.
-Pelo quê?
-Por ter perdido o
bebê.
-Kazuko, já te
disse que está tudo bem. - apertou a minha mão – Estamos juntos
nisso, lembra? - assenti – Então, não fiquei assim.
-Tentarei fazer o
meu melhor. - sorri um pouco
-Sendo assim está
bom.
E não falamos
mais nada. Ficamos nos olhando, um clima meio desconfortável até
chegarem para me levar ao quarto. Makoto me acompanhou até lá.
Fiquei algumas horas em observação e nada aconteceu. Acabaram me
levando para fazer a curetagem. Ele não pode ir comigo.”
Vi
Kazuko sendo levada na maca. Eu sai dali e fui ao banheiro, era o
único lugar onde poderia ficar sozinho.
Adentrei
em um dos boxes e, fora do meu controle, as lágrimas caíram em
silêncio. Todo o choro que segurei na frente dela caiu naquele
momento.
Também
fiquei triste por ela ter perdido o bebê. Assim como ela, já estava
imaginando a vida com ele. Nós dois ainda estávamos assimilando e
acostumando a ideia de termos um filho juntos. Foi um choque ao
descobrir e outro choque ao perder.
Todos
esses sentimentos escorriam por meus olhos. Com certeza, isso foi um
grande trauma para mim e para Kazuko.
“Levaram-me para
uma espécie de sala de cirurgia e a própria Rin estava lá me
esperando. Ela veio me explicar o que faria:
-Kazuko, eu vou te
anestesiar. Vai dormir uma meia hora. Talvez acorde um pouco
dolorida, mas isso é normal. Alguma pergunta?
-Eu vou para o
quarto depois disso?
-Sim!
Então, ela me deu
a anestesia e eu apaguei.
Quando dei por mim
já estava no quarto. Makoto e Rin conversavam, mas só ouvi uma fala
da conversa:
-Quando a
menstruação dela voltar, podemos retornar com o anticoncepcional.
Rin saiu.
-Parece que
acordou. - falou ele – Como se sente?
-Bem, apesar de
meio sonolenta.
Ele se sentou na
cama e eu perguntei:
-O que a Rin tava
falando com você?
-Sobre o que
aconteceu. Ela me disse que o bebê ainda estava dentro de você. Só
que ele descolou na parede e foi parar no colo do seu útero.
-Por isso eu
sangrei daquele jeito.
-É! Foi!
-Ela disse em
quanto tempo eu posso me recuperar?
-Entre dois ou
três meses.
Ele baixou o olhar
e ficou acariciando a minha mão.
-Makoto, - soltei,
ele levantou a face – se quiser, podemos tentar de novo.
Por que eu falei
isso?
-Não precisa,
Kazuko. Lembra que eu não quero filhos agora?
-Lembro sim. Mas,
eu pensei que tivesse mudado de vontade.
-Eu só me
conformei com o houve. Aceitei a ideia de ter um filho.
-Eu também,
Makoto.
-É melhor
descansar, teve uma noite cansativa.
-Cansativa? Acabei
de acordar de um cochilo.
Foi só nesse
momento que eu notei, Makoto estava com os olhos vermelhos e
visualmente abatido. Não aparentava mesmo estar conformado com o
ocorrido. Parecia que também havia chorado.
-E esses olhos
vermelhos? - indaguei
-É só sono, só
isso.
-Melhor descansar
um pouco. - olhei as horas no relógio – E o seu trabalho?
-Eu falo com o meu
chefe, você sabe que ele é bem compreensivo.
Apenas concordei.
Makoto saiu em seguida e o ainda efeito da anestesia me fez dormir de
novo.”
Eu
liguei pro meu chefe na hora que costumo sair de casa para trabalhar
e lhe contei toda a história. Ele se mostrou triste por mim, afinal,
ele já passou por isso também.
“Acordei porque
o Sol me incomodava. Ele já estava razoavelmente alto no céu, pelo
que percebia. Cobri parte do rosto com a mão e olhei para o sofá
ali perto. Makoto dormia sentado, com uma postura firme e braços
cruzados.
A enfermeira
entrou no quarto trazendo meu café da manhã. Sua voz acabou
despertando Makoto abruptamente.
-Bom dia, Srta.
Hirasawa.
-Bom dia. -
respondi
Ele também
respondeu, entre dois bocejos.
A enfermeira
ajudou-me a me ajeitar na cama, posicionou a mesa e saiu. Foi então
que Makoto se levantou e veio falar comigo.
-Dormir bem?
-Sim. O efeito da
anestesia ajudou um pouco. E você?
-Mais ou menos.
Aquele sofá não é muito confortável.
Tentei um sorriso,
mas não estava com tanto ânimo para tal. Minha mãe veio a minha
cabeça.
-O que foi?
-Só queria a
minha mãe aqui. Queria conversar com ela.
-Eu posso trazê-la
aqui para te ver.
-Não, Makoto, não
precisa. Eu não quero incomodá-la.
Comi após isso.
Passei o resto do dia em observação, apenas para certificarem que
eu não voltaria a sangrar. Sai quase amanhecendo de novo. Viemos
direto para casa e Makoto teve que pedir folga ao chefe de novo.
Ao chegarmos, só
me veio uma vontade de ficar sozinha. Fui a caminho do meu quarto,
Makoto me interrompeu:
-Onde vai, Kazuko?
-Pro meu quarto.
Eu só quero ficar sozinha!
Ele não disse
nada e também não era para isso mesmo.
Eu já chorei
bastante e ainda preciso chorar. Não faço ideia de como tirar essa
tristeza e culpa de mim. Achei que desabafar aqui fosse melhorar,
mesmo que um pouco, mas não adiantou.
Só espero que o
tempo consiga curar esta ferida.”
Era o fim da anotação.
Eu permiti uma lágrima solitária cair, apenas por conta das
lembranças. Deixei o diário de lado e Kazuko me consolou.
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