sexta-feira, 22 de abril de 2022

Capítulo 34 - Colocando a cara no sol

 

Enquanto dirigia de volta, fiquei pensando no que mais poderia fazer para superar este acontecimento. Já sabia que pagaria mais caro pela terapia no final do mês, mas, o que mais? Queria algo que calasse logo a boca de todas aquelas pessoas que estavam me xingando, que aquietasse a boca dos vizinhos e dos familiares mais tradicionais. Não há nada de errado no que eu faço no blog. Sou uma mulher adulta e livre - também responsável - para fazer qualquer coisa, desde que não prejudique outra pessoa. 

Realmente só mantive a identidade anônima por um medo besta, um que tenho desde que era adolescente e quando ainda namorava o Pedro. Uma insegurança, um julgamento infinito, sempre com expectativas altas.

Ainda lembro o quanto eu me esforcei para ser a filha que a minha mãe pediu a bendita entidade - seja lá que nome tiver - que nos rege ou protege lá de cima. Porém, o meu comportamento nunca foi o de uma menina “santinha”, ainda mais quando cresci um pouco mais e meu corpo foi tomando sua forma e suas curvas. Sabia bem de tudo, mas queria manter as aparências. Aliás, acho que é isto que me prende até hoje: mantém essas benditas, justamente para satisfazer algo externo.

O quanto não fiquei mais livre quando terminei com meu ex?! E o quanto não fiquei mais livre quando comecei a escrever sobre os temas que gostava, no blog de um tema que eu tanto gostava?! Foram coisas que eu levei muitos anos para perceber e finalmente viver assim, não queria jogar fora. Por isso, eu precisava reverter aquela situação a meu favor. Só que, de que maneira?

A música tocava baixinho no carro, apenas como um fundo para não ficar no completo silêncio, enquanto eu pensava numa talvez solução rápida.

Confesso que ainda estou baqueada com tudo, se dissesse que não, estaria mentindo. Contudo, o meu choro já havia secado e estava até um pouco mais tranquila, me encontrando no ponto da aceitação de que era aquilo mesmo e eu que lutasse para resolver agora.

E uma ideia me veio! Se fosse desenho animado, com certeza teria aparecido uma lâmpada acima da minha cabeça. 

Era algo bem simples, apenas gravar um vídeo mostrando finalmente meu rosto e falando com os meus fãs. Ou seja, um vídeo revelando a minha identidade de verdade e para quem quisesse ver! Porém, como o faria? Só tinha uma câmera de celular e eu não queria que tivesse uma cara de improvisado. E então, eu lembrei dele, a pessoa que também é vítima de toda essa história igual a mim: Gustavo.

Minha barriga roncou quando a música trocou. Decidi então parar e comer naquele restaurante perto do condomínio. E qual não foi a minha surpresa ao encontrá-lo lá, sorrindo e acenando para mim.

Almoçamos juntos e depois fomos para a casa dele. Contei a ele sobre a minha ideia e ele gostou bastante, dizendo que me ajudaria a fazer. Meio caminho andado já, agora só falta a coragem de falar diante da câmera, e claro, conversar com minha terapeuta e mais umas pessoas sobre isso para ter certeza mesmo.

***

O dia seguinte começou mais tranquilo do que eu estou acostumada. Ficar em pausa no blog tira toda a minha agitação, porque eu tô zero preocupação para escrever nada. Até o bendito do meu livro continua parado. Inclusive, o meu editor entrou em contato comigo, demonstrando apoio a tudo o que está acontecendo e que o nosso contrato de publicação continua de pé. Até porque ele era das poucas pessoas que me conhecia pessoalmente desde antes… Na verdade, é um amigo e antigo colega de trabalho - eles sabiam que eu escrevia outras coisas - que foi para o ramo de livros e me convidou para a sua nova editora. Ele ficou surpreso quando mandei os primeiros contos - que ele prontamente recusou - e ligou os pontos imediatamente. Claro, ele prometeu guardar segredo e sei que o faz.

Tomei o meu café na maior paz do mundo, peguei o carro e dirigi até o consultório da minha terapeuta que já estava me esperando para a sessão extra. Conversamos bastante sobre este último episódio e falei sobre todas as minhas frustrações e sentimentos quanto ao ocorrido. Da maior parte ela já sabia, só dei mais detalhes e desabafei. Confesso que acabei chorando de novo, contando a situação de climão que ficou na casa da minha mãe naquele quase-almoço. Sobre isto, a psicóloga comentou:

- Fez bem em falar finalmente sobre isto. Não foi da melhor forma e da mais assertiva, mas começar a expor os seus pensamentos e opiniões é um começo.

E claro, pedi a opinião sobre a minha ideia de gravar o vídeo…

- É uma excelente ideia. Mas, será preciso uma dose a mais de coragem. Tudo o que você passou anos tentando esconder virá à tona de uma vez. Então, esteja certa de sua decisão, porque com a popularidade do seu blog seu anonimato vai terminar.

- Ele já foi abruptamente acabado. Com a minha declaração no blog, o pessoal já sabe a verdade.

- Sim, é mesmo! Contudo, fazer o vídeo talvez até pare com os comentários, porque vai dar um rosto mais definido para a Echii. E mostre que realmente segue aquilo que fala no blog: não tenha vergonha do que lhe aconteceu, use isso para falar sobre o assunto.

Depois deste ótimo conselho, a sessão terminou e eu voltei para casa. Como não estava com vontade de cozinhar, resolvi ir ao restaurante comprar uma refeição para viagem. Como era ali perto, ia andando mesmo. Qual não foi a minha surpresa ao ver quem estava parado diante do portão do condomínio: Pedro. Não tinha só como fingir que não o vi, era onde ia passar. O que ele queria agora? Se bem que, percebi algo diferente na atitude dele.

- Olá, Pedro. - cumprimentei seca

- Helena… - pausa dramática - Fiquei sabendo da história do vídeo e das fotos suas que vazaram. É você mesmo? Eu não acreditei quando o Arthur me mandou.

- Sim, sou eu mesma. - cruzei os braços - O que tem?

- Eu não esperava isso de você, não se dá ao respeito mesmo. Ainda mais porque escreve naquele blog… Achei que tivesse parado quando tirei o computador daquela vez.

Lê-se “tirei o computador” como “quebrei o seu computador”. Era só o que me faltava agora, mais um para me dar sermão da moral e dos bons costumes e do que eu devo ou não fazer por ser mulher.

- Eu sempre gostei de escrever sobre este assunto. Nunca precisei da permissão de ninguém! - eu já estava ficando sem paciência - Afinal, Pedro, o que é que você quer? Veio aqui e está falando todas essas coisas por que motivo?

- Não dá para ter mais nada entre a gente. Não posso ficar com uma mulher tão sem vergonha quanto você.

- Era isso?! - bufei - Veio me avisar que vai desistir de mim, quando eu já virei essa página há tempos? Ora, não precisava. - joguei todo o meu sarcasmo - Quando eu fazia o que você queria estava tudo bem, quando eu sofria calada estava tudo bem… Agora que não sou mais “direita”, não sirvo mais! - respirei fundo, segurando as emoções para falar o que estava entalado - Pedro, já tinha tempos que essa relação não dava certo. Eu estava sufocada e presa. Não suportava mais e você ficou me perseguindo por meses, querendo me forçar a voltar com você. Olha, se eu soubesse que era só eu revelar que era a Echii para você desistir de mim… Tinha feito antes!

- Francamente, Helena… Você…

- Eu o quê? Agora fala!

- É uma vagabunda! - despejou e eu ri por dentro

- Ora, que bom! Pelo menos agora posso ser a vagabunda - enchi a boca para falar o adjetivo que me dera - que eu quiser em paz! Até mais ver, Pedro! - e segui meu caminho

Não pude evitar de rir de nervoso dessa situação toda. Tanto tempo sofrendo por causa dele - no caso, fugindo - e ele faz isso. Ah, se tivesse sido tão simples desde o começo! Só achei ridícula esta cena que ele fez como se eu fosse a errada e ele o certo, infelizmente, é algo que não irá mudar!

Pela primeira vez em um bom tempo, olhei para trás e vi que não tinha ninguém me seguindo. Meu meu ex simplesmente entrou no carro dele e saiu.

Comprei o almoço para viagem e logo voltei. Eu estava tão feliz que eu até pedi uma sobremesa e me deliciei com a comida ouvindo a minha playlist o mais alto que deu. E depois fui trabalhar neste mesmo ritmo! Aproveitei para montar o roteiro do vídeo, combinando junto com Gustavo um horário já naquele dia para gravarmos. Claro que seria logo após o jantar, que eu iria cozinhar.

No horário marcado, ele bateu à minha porta e eu atendi. Ele estava com os braços muito ocupados por causa dos equipamentos. Por sorte, a câmera dele também filmava e ele tinha alguns equipamentos de som bem simples, mas que iam servir ao nosso propósito.

Jantamos primeiro, conversando no mesmo clima de sempre, porém dessa vez a gente não podia ir para a cama na sequência. Tínhamos um trabalho a fazer!

- Animada com a gravação? - ele perguntou

- Nervosa, na verdade. Eu montei um roteiro, mas nunca falei na frente de uma câmera. - respondi

- Nem eu! Mas, eu te ajudo no que der. Faremos no seu escritório, H?

- Onde achar melhor, G!

Ele apenas assentiu.

Fui lavar a louça e deixar tudo arrumado enquanto Gustavo organizava o cenário para a gravação. O local escolhido foi o escritório mesmo!

Quando voltei ao ambiente, já havia uma cadeira posicionada diante da câmera. Duas softboxes fazendo a função de iluminar tudo, sem deixar uma sombra sequer. Ele pediu que me sentasse e foi ajustando mais alguns detalhes no aparelho. Quando estava com tudo pronto, disse:

- Tudo nos conformes, podemos começar quando você quiser. Não se importe em ter que fazer tudo de uma vez e numa tomada só. Tem bastante espaço nesse cartão de memória para usar. Se errar, pode voltar e repetir, que depois arrumo na edição.

- Não sabia que fazia vídeos também.

- Quando se é freela, tem que saber fazer de tudo um pouco. E creio que a sua edição vai ser o mais simples possível, então dá para eu fazer.

- Obrigada de novo!

- Disponha, Echii, - e riu - quero dizer, Helena.

- Pode começar a gravar.

Ele apertou o botão e ficou me observando falar. Até consegui falar com a câmera sem muitas dificuldades, o Gustavo nos deixa sempre a vontade diante das lentes e eu podia confiar, pois era ele quem estava me olhando por trás delas. Falei resumidamente sobre mim, sobre o ocorrido da última semana e revelei que tudo aquilo era verdade, contando também sobre os meus motivos de ter me mantido no anonimato, além de pedir a compreensão e o apoio de todos os que acessam o Contemporânea Erótica.

Gustavo parou a gravação e eu soltei um suspiro longo.

- E ai? Ficou bom?

- Ficou excelente! - sorriu, se aproximando - Até parece que faz isso há muito tempo.

- E quanto tempo leva para editar? - questionei

- Como você quer com urgência, posso trazer já amanhã. O que acha?

- Perfeito! - levantei-me

Estávamos de frente um para o outro e aquela proximidade sempre aflorava-nos, então, a visita à cama foi adiada só pelo tempo que o vídeo estava sendo gravado.

Eu espero que meu objetivo com ele seja alcançado e que fique tudo bem!

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