sexta-feira, 4 de março de 2022

Capítulo 20 – Almoço dominical

Acabei conhecendo o amigo sem noção do G. E eu não consegui ficar dois minutos no mesmo ambiente, porque o jeito dele lembra todinho o do meu ex, além de claro, reproduzir os mesmos pensamentos de muitas pessoas que estão à minha volta. E a coisa que menos quero é ter que ficar lembrando e remoendo algo que, mesmo que tenha enfrentado, ainda me fragiliza de certa forma.

Pior que Gustavo tentou me alertar, dando a indireta para que eu fosse antes dele chegar. Porém, não conhecia a peça e deu no que deu. Apesar do desconforto, não fiquei com raiva do meu amigo colorido.

Aproveitei o resto da minha semana para adiantar coisas do blog e começar com a preparação do meu livro, que vai ser com alguns contos mesmo, mas serão inéditos só para os leitores, pois boa parte deles vou aproveitar do meu caderno. Como estes contos nunca vieram a público, mesmo alguns sendo bem antigos – eram até pequenas oneshots que eu escrevi quando adolescente – vão ser novidades. Claro que vou ter um trabalhão para poder transferir do manuscrito para o computador. Vou aproveitar esse processo para revisar e quem saber não acabar alterando e reescrevendo alguns.

Confesso que um dos meus sonhos desde que comecei a publicar algumas coisas na internet – sempre usando um pseudônimo, pois a família nem poderia pensar – é poder transformar todas essas coisas em um livro. Mas, o sonho foi sendo minado e destruído por todos ao meu redor. A começar pela família que dizia que isso não dava futuro, depois o namorado, que acabava com tudo o que tentava construir sem ele. Por fim, até fiz uma faculdade relacionada ao que gostava de fazer, que foi Jornalismo, e segui para um emprego que não tinha nada a ver comigo, mas não o odiava completamente. A hora do meu trabalho era quando podia descansar a minha cabeça dos meus problemas e ainda ser paga por isso. Sei que é esquisito falar isso, mas é a verdade.

Eu estava afundada numa vida triste, vivendo uma merda de relacionamento, sobrevivendo um dia de cada vez. Eu e o Pedro estávamos perto de casar e eu sabia que dali só iria pior, só não tinha ideia de como sair desse fundo do poço em que estava. Quem me ajudou muito foram as minhas amigas de trabalho – que sim eram uns anjos e tenho contato até hoje - me dando a força que eu precisava para sair daquilo tudo.

Primeiro terminei meu relacionamento e saí da casa dos meus pais, já que ainda morava com eles. Arrumei minhas coisas o mais depressa que deu e só sai, explicando para minha família toda a situação, que foi a briga feia com o Pedro e que eu não aguentava mais e eu sabia que ele iria me procurar ali. As mesmas amigas me ofereceram abrigo em suas casas, num revezamento, por um tempo, enquanto eu arrumava um lugar para ficar e comprava as coisas para poder morar sozinha. Foi nessa época em que a Contemporânea Erótica nasceu, como um escape para a minha virada na vida e deu muito certo. Em pouco mais de dois anos, a minha vida melhorou muito e eu agora vivo daquilo que eu gosto de fazer.

Acho que vou acabar escrever tudo isso no prefácio do meu livro. Fica com um ótimo tom de abertura para tal. Eu estou ansiosa para isso!

***

Logo o domingo do almoço da família do Gustavo chegou, tanto eu quanto ele ficamos trabalhando muito e precisávamos de um descanso. Eu espero que a família dele seja legal, porque de embuste já basta na minha.

Combinamos de nos encontrar no estacionamento. Como ele não dirige, fui guiando o carro conforme ele indicava, não reclamo.

É na mesma região em que passei a minha infância, a algumas quadras de distância da casa dos meus pais. Acabei pensando brevemente em como eu e Gustavo não nos conhecemos antes. Provável que frequentamos os mesmos ambientes na adolescência. O mais engraçado é a gente ter se encontrado numa região bem distante de onde nascemos e crescemos, por causa de uma encomenda por engano.

Logo chegamos na rua e ele apontou qual era o portão e dava para ver um casal feliz e animado acenar para nós da calçada. Obviamente os pais de Gustavo. Indicaram que eu deveria estacionar ali na frente mesmo, não tinha problema. O pai de Gustavo foi me guiando durante a baliza e coloquei o carro com as quatro rodas na calçada e descemos do carro em seguida.

G abraçou os pais apertado, dava para ver que tinha muito tempo que não se viam. Logo apareceu o irmão dele e ele tratou de me apresentar:

- Pessoal, esta é a Helena. Uma amiga minha lá do prédio.

- É um prazer! - disse o homem mais velho – Sou Éder.

- E eu sou Alexandra. - falou a mãe dele

- Já eu sou o irmão mais velho do Gustavo: Luís. Seja bem-vinda!

- Obrigada! - sorri

- Agora vamos e entrem logo que a comida está pronta só esperando vocês. E não quero que esfrie. - falou Éder

A casa da família, se comparada com a da minha, é bem menor, mas é muito bonita. Tem ainda o chão de caquinhos, em tons vermelhos, amarelos e azuis, que há muito se perdeu na casa de meus pais em meio a tantas reformas. Na verdade, aquela casa parecia que tinha parado no tempo, parecia uma casa que eu via na rua durante a minha infância. Confesso que acabei observando um pouco demais e o Gustavo percebeu.

- O que foi? Admirando a casa? - questionou

- Sim! É muito bonita. - respondi

- Ela é desse jeito deve ter uns 30 anos. Gostamos tanto dela que nunca quisemos mudar nada. - comentou o pai de Gustavo – Afinal, foi nessa casa que nossos meninos cresceram.

Adentramos a casa e a mesa já estava posta para nós cinco. Sentamo-nos de nos servimos da especiaria da Alexandra: Estrogonofe. Começamos a desfrutar da refeição, que estava uma delícia – e devo confessar que era melhor que o meu mesmo – quando o assunto a mesa se iniciou.

- Alias, filho, - a mãe desta vez – estamos muito felizes que anda trabalhando bastante.

- E achamos lindas as fotos daquela menina… Como é o nome mesmo, querida?

- Echii! – respondeu o irmão, desta vez – E como conseguiu o contato dela irmão? Ninguém sabe quem ela é!

- Bom, ela que acabou falando comigo. Disse que olhou meu perfil e gostou das fotos. Mesmo sendo um fotógrafo desconhecido, quis me dar uma chance.

- Pior que depois eu dei uma olhadinha nas outras coisas dela e fala sobre muita coisa interessante. Não acha, Helena?

- Sim, a Echii escreve sobre muitas coisas importantes. Eu acompanho trabalho dela desde o começo. - menti

- Acho que todas as moças deviam conhecer. Claro que a visão de alguns é bem diferente, acabei lendo alguns comentários, mas acho que ela faz um trabalho bem legal, dando força para muitas outras. Quem me dera na minha época tivesse algo desse tipo.

- Leu os contos, mãe? - Gustavo perguntou curioso

- Claro que li! E gostei muito. Ela escreve muito bem!

Eu estou ficando com o ego inflado com todos estes elogios. Sabe, tem horas que digo que sou super feminista, mas estou um pé atrás com tudo o que estão falando. Claro que eles vão ter orgulho do filho deles. Mas, não deixo de pensar se eles fossem meus pais e eu fosse a garota que tirou fotos seminua para a internet. Deve ser só a minha insegurança batendo, mas eu realmente fico pensando nessas coisas, até porque, vivo vendo um irmão sendo idolatrado.

Eu fiquei apenas observando aquela família conversando e sentindo até um pouco de inveja, pois eu nunca tive tanta abertura assim para falar com meus pais. Nunca tive coragem de falar o que estava pensando e até coisas simples, por exemplo, como tinha sido a escola, sobre tirar uma nota baixa. Todo o mínimo deslize, tanto meu (especialmente) e da minha irmã mais nova com o passar do tempo também, era motivo de comentários e sermões de horas. Mesmo já depois de adulta! Na verdade, se eu der mole, ainda recebo sermão da minha mãe, só reparar a insistência dela com o assunto do meu ex, mesmo que já tenha dois anos que terminei com ele.

O bate-papo a mesa estava leve e divertido. Nem se parecia com um almoço de família e logo num domingo. E eu me senti tão bem recebida e a vontade que mal senti a hora passar. 

Terminamos de comer e eu ajudei Alexandra a arrumar tudo, era o mínimo que podia fazer. Eu e ela estávamos na cozinha, enquanto os homens conversavam na sala, nós duas também falávamos sobre alguma coisa. E ela logo quis saber da vida amorosa do filho:

- Sua relação com meu filho, qual é? São só amigos mesmo?

- Sim, amigos coloridos, na verdade.

- Coloridos? - ela sorriu – Meu filho olha de um jeito tão bonito pra você.

- Você acha? - fiquei sem graça

- Do que eu conheço dele, com certeza te admira muito! Desde novo é assim com as meninas.

- Assim como?

- Paixões platônicas! Ele nunca teve muitas namoradinhas, sabe? Diferente do irmão!

- Gustavo chegou a me contar da época da adolescência. A minha também não foi nada fácil!

- Eu imagino. Mas, você é a primeira moça que ele traz aqui.

- Sério? - desacreditada

- Eu e meu marido estamos até surpresa. Nunca o vi tão feliz!

Apenas sorri. Aquela senhora queria era me deixar de ego inflado.

Não demorou para que terminássemos a limpeza e era a hora de ir embora. Gustavo e eu acordamos que não ficaríamos muito tempo. Despedi-me de todos e agradeci a hospitalidade.

Assim que eu e Gustavo fomos para a varanda e consequentemente para o portão para sair, eis que vejo a face conhecida dos meus pesadelos. Sim, aquele que não deve ser nomeado, mas só de citar já se sabe quem é.

Eu estava tão relaxada e alegre que eu simplesmente congelei, observando-o se aproximar. Não estava preparada – de novo – para outra aparição surpresa dele.

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