quarta-feira, 30 de março de 2022

Na mesma Estação - 12 Meses com Minorin: Março


“Nós no mesmo trem.

É o destino!

Onde é o final da jornada?“


(Vogayer Train - Minori Chihara)


***


Já é tão cedo e eu estou parado na mesma plataforma, da mesma estação, esperando o mesmo trem, como em todos os outros dias. É segunda-feira e é dia de voltar a labuta.

E quando se anda muito de transporte público você se acostuma com algumas coisas. Os horários; onde desembarcar para não precisar andar muito; atividades para passar o tempo da viagem; as mesmas pessoas. E o pior que isto é o que eu mais presto atenção: nas pessoas que estão presentes. Tão diferentes de tamanhos, tons de peles e de estilos. E claro, por sempre estar aqui na mesma faixa de horário, as figurinhas sempre se repetem. Raramente acontece algo diferente, até mesmo os atrasos dos ramais são algo bem comum.

Só que hoje, descendo pelas escadas e indo em direção a plataforma, vem uma garota, creio que na mesma faixa de idade que eu, trajando uma camiseta de banda, uma calça escura e tênis. Seu cabelo era de um roxo bem escuro e ela parecia distraída ouvindo música em seus fones de ouvido, carregando sua mochila na frente do corpo.

Sua imagem é bem distinta de quem costumo ver por aqui, sempre usando uniformes de trabalho e cabelos no máximo no espectro castanho/loiro/ruivo. Não vou mentir, realmente a garota chama a minha atenção!

A vontade é de puxar conversa com ela, mas uma coisa que alguém que usa fone de ouvido já informa de cara é que não quer que a perturbem. Recolhi-me apenas a ficar admirando-a até que o trem chegasse à plataforma e todos que esperavam finalmente embarcassem.

Presto atenção na garota roxa - se é que posso chamar assim - e vejo que ela desceu algumas estações antes de mim.

Talvez seja a primeira e única vez que a tenha visto!


***


Já no dia seguinte, fico distraído, mexendo no celular, enquanto espero o bendito do trem - que resolveu atrasar vinte minutos, logo hoje que tem uma reunião importante - e sou surpreendido por ver aquele cabelo roxo novamente. Ela está com um vestido preto, usando os mesmos tênis, mochila e claro, os fones.

Continuo a observando de longe e admirando seja lá o que for que achei de interessante nela.

E então, tenho outra surpresa! Ela olha para minha direção e nossos olhares se encontram por um segundo. Foi um olhar sem nada demais, talvez ela tenha me olhado, porém não me visto. Aqueles olhos castanhos não sairiam da minha mente pelo resto do dia.

Logo se ouviu a buzina de um trem que apenas passou direto, levantando vento por todo o caminho. Vários cabelos e roupas voaram no processo, incluindo o cabelo roxo e o vestido, que teve que ser segurado para não mostrar nada constrangedor.

Confesso que dei uma risadinha por dentro com a cena.

Logo o nosso trem chegou, entramos e cada um seguiu para o seu destino.

Durante o resto daquela semana, a menina dos cabelos roxos continuou aparecendo no mesmo horário. Variando suas roupas pretas e no máximo para um cinza mais escuro. Sempre com o fone de ouvido, o que me dava zero abertura para tentar puxar assunto ainda. E nem seria a coisa mais legal do mundo um cara sem noção, em plena seis da manhã, querer conversar com você.

Restou para mim observá-la e admirá-la de longe mesmo!

A menina dos cabelos coloridos logo se transformou em mais uma das figurinhas que faziam parte da minha paisagem matinal, porém ela era a que mais se destacava. Sempre via ela vindo de longe, com aquele cabelo que logo foi desbotando para um lilás pastel, depois ela trocou a cor para azul, verde, rosa. Vi diversas de suas fases à distância!

E sempre ficava pensando naquela garota durante os finais de semana, secretamente esperando reencontrá-la na estação, mesmo que eu nunca fosse falar com ela.


***


E o final de semana passou bem rápido, como sempre. E esta é a maior tristeza do trabalhador: o final de semana sempre passa rápido demais.

O despertador da segunda-feira tocou, para o meu desgosto, levantei, me arrumei e logo fui caminhando para a estação.

Desço as escadas e a plataforma está lotada, como de costume. O alto-falante já anuncia que alguns trens estão circulando com atraso por culpa de um acidente na via.

Já percebo que muitos dos outros passageiros estão reclamando, seja com quem também está ali ou com alguém no celular. Mas o fato é que há um alvoroço no local!

Claro que sinto falta da figura colorida que sempre aparece naquelas manhãs. Será que ela se atrasou?

A buzina do trem surge! Acho que dei sorte, pelo menos! O trem se aproxima, para e abre as portas. Todos conseguem entrar, já que este é um especial que disponibilizaram por conta da situação. Eu deixei para embarcar depois dos outros, para poder ficar na porta, já que não desço tão longe assim.

Quando o trem estava com as portas para fechar, vejo lá de cima ela, com os cabelos da vez, que são amarelos, gritando:

- Segura o trem!

Imediatamente, coloquei meu pé na frente e impedi que a porta fechasse. Ninguém sabia quando outro trem passaria, então tive que fazer algo.

Todas as outras portas fecharam e só a que estava segurando ficou aberta. Todo mundo do meu vagão olhando puto para mim - porque eu estava atrasando ainda mais a viagem.

Ela desceu as escadas correndo, agarrada na bolsa.

- Ei, entra aqui! - atendi ao seu pedido desesperado

Nossos olhares se cruzaram e ela continuou a corrida até chegar a mim, finalmente entrando e respirando ofegante pelo exercício forçado. Ela se encaixou num cantinho que ficou sobrando bem do meu lado, já que estava abarrotado. Tirei o meu pé, a porta trancou e o trem partiu.

- Obrigada! - falou entre os suspiros

- Nada. Acho que se perdesse este, nem sei que horas passaria outro.

- Ramal atrasado de novo?

- Sim! Ao que parece foi acidente, não tinha muito tempo que eu cheguei na estação.

- Entendi. - ela sorriu

Num situação normal, nosso assunto acabaria aqui, mas ela prosseguiu:

- Você está sempre por aqui neste horário, né?

- Sim! Pego geralmente esta hora. - desconversei

- Te encontro na estação todo dia quase. - ela foi direta

- E eu te vejo de vez em quando. - menti

- E onde você trabalha? Tá sempre arrumado! - ela questionou

- Eu trabalho numa multinacional e lá tem que sempre estar bem vestido. E você?

- Sou tatuadora! Por enquanto, estou num estúdio de uma amiga.

- Que legal! Eu sempre quis fazer uma.

- E qual você faria?

- Isso, eu não sei. Talvez representando algo que goste, alguma frase.

- Quando for fazer, não se esqueça de mim. - e riu

A nossa conversa seguiu enquanto as portas da locomoção, que estavam bem do nosso lado, iam parando em outras estações e mais pessoas saiam e entravam, mantendo a pequena caixa de lata ainda lotada. Porém, a gente não se importou com isto, estávamos isolados numa pequena bolha.

Ela me contou sobre como começou na carreira de tatuadora, que tinha pouco mais de dois anos e ela trabalhava em estúdio de amigos e agora estava neste da amiga e estava adorando fazer tattoos dos mais variados estilos.

Já eu nem tive nada muito interessante para contar, só sobre a minha formação e como eu ingressei na empresa em que trabalho, onde cuido da área financeira. Mas, como toda pessoa jovem da nossa geração, eu tenho o sonho de construir e ter o meu próprio negócio.

Ficamos tão distraídos que quase que ela perde a estação para saltar. Antes dela descer, eu perguntei a coisa mais importante e que eu tinha esquecido completamente:

- Eu sou o Henrique! E o seu nome, qual é?

Neste segundo, a porta se abriu e ela saiu. Numa cena que parecia saída de um filme, ela só me responde:

- A gente se vê amanhã, Henrique!

Então, o trem partiu e eu fiquei me martirizando pelo resto do dia por ter conversado por meia hora com esta garota e sequer saber o nome dela.


***


Eu mal dormi, ansioso para reencontrar com a moça dos cabelos coloridos na estação. Aliás, a preocupação foi tanta que eu mal me concentrei no trabalho também. A minha sorte foi ter sido um dia mais tranquilo. 

E ela estava lá de novo, sorriu ao me ver e foi falar comigo:

- Bom dia, Henrique!

- Bom dia… Eu não sei o seu nome, desculpa.

- Cristal. - e riu - Perdão não ter falado ontem.

- Tranquilo! Eu que escolhi a pior hora para perguntar. - cocei a cabeça, constrangido

- Acho que ficamos tão envolvidos na conversa que a gente só esqueceu.

- Verdade! - mudei de assunto - E ai? Que tatuagens legais fez ontem?

- Vou te mostrar. Peraí! - disse pegando o celular e abrindo a galeria

Ela mostrou uma bela rosa que fez no pé de uma mulher, uma espada num antebraço de um cara e um gatinho que fez em um pulso.

- Ficaram lindas!

- Obrigada! Uma pena que são desenhos prontos, raramente gostam de algo original.

- Tem desenhos originais? Posso ver?

- Claro!

Nesse meio tempo, nosso trem chegou na plataforma e tivemos que empurrar bastante para conseguir entrar. Estava cheio, mas ainda era possível mexer um braço aqui ou ali, ou seja, dava para usar o celular.

Ela abriu outro álbum do celular e foi me mostrando as ilustrações originais. Algumas estavam ainda no papel, outras estavam em suas telas vivas, mas todas eram muito bonitas.

- Tem certeza que faz dois anos que tatua?!

E ela só riu da minha brincadeira.

- Nem minha amiga acredita. Sempre gostei disso e de desenhar.

- Pena que meu trabalho envolva números e não tenha uma foto legal para te mostrar. Talvez só de algum gráfico ou algo do gênero.

- Cada pessoa tem a sua aptidão, não se rebaixe por isso. Todos os trabalhos são importantes!

- Você só diz isso porque trabalha com o que gosta!

- Só digo isso porque fui desacreditada e com o que faço muitas vezes. Geralmente são as profissões que envolvem arte que são as mais menosprezadas.

- É verdade! - concordei

A conversa fluiu de novo e ficamos falando sobre os nossos problemas de autoestima. Eu não me achando tão bom assim no trabalho e ela que nunca tinha apoio da família.

Logo chegou a estação dela e nos despedimos. Dessa vez, o meu martírio foi não pedir o número dela ou outra forma de contato.

Só esperava que nos reencontrássemos de novo na mesma estação.


***


Já no dia seguinte, assim que encontrei com a Cristal na estação, tratei de pedir o seu número de telefone - assim como ela pegou o meu -, usando a possível desculpa de que pretendia fazer uma tatuagem. Eu sabia muito bem minhas reais intenções e acho que ela também, mas a gente só fingiu que não era sobre isto e sim uma relação profissional.

Ou será que eu ainda estava criando coragem para chamá-la para sair?

Então, eu percebi uma coisa. Cristal era tatuadora e não tinha nenhum desenho na pele aparente. Pelo menos não nos braços, pernas ou partes que as roupas revelassem. Ela notou o meu olhar pensativo e indagou:

- O que foi, Henrique?

- É só que… Eu percebi agora… Você não parece que tem tatuagem. - e já tratei logo de explicar - Não significa que a sua profissão implica que deva ter uma, é só um detalhe que me atentei agora e achei curioso.

- Não se preocupe! - disse sorrindo - Não é regra, mas eu tenho sim, mas em partes que nem todos podem ver.

- Entendi! - sorri amarelo - Desculpe pela pergunta inconveniente!

- Não foi! - disse tocando em meu braço

A buzina do trem ecoou e logo a locomoção chegou e parou na plataforma. Nós entramos e eu fiquei tão sem graça que a gente nem conversou no caminho.

Antes dela descer, se despediu apenas com o olhar e eu idem.

Mais tarde, na hora do almoço, recebi uma mensagem dela, dizendo o seguinte:

“Henrique, senti que ficou um pouco sem graça hoje de manhã. Não foi por algo que eu disse né? Enfim, bom resto de dia de trabalho e a gente se vê, amanhã quem sabe.”

E eu respondi:

“Não foi você, eu que fui muito invasivo ao conversar hoje. Ai fiquei sem graça!”

“Ficou com vergonha de ter deixado claras demais suas intenções comigo?”

“Como é?”

“Henrique, não finja que você só pegou meu número porque quer uma tatuadora. Eu sei que está a fim de mim!”

Encarei a tela do celular sem saber como retrucar aquilo, ela era mesmo muito direta. Resolvi confessar, pois já não tinha tanta saída:

“Estou sim!”

“Que tal a gente sair então no próximo sábado? E finalmente fazer a sua tatuagem? Que tal?”

“Acho uma ótima ideia!”

“Vou marcar um horário para você aqui. Vá pensando numa ideia, vendo inspirações e tudo o mais.”

“Onde nos encontramos?”

“Na estação, às 9h.”

“Ok! Até lá!”

E a conversa acabou ali. Acho que nunca na vida fiquei tão interessado numa mulher que toma a iniciativa deste jeito. Eu não soube nem como reagir e eu ia pra um “encontro” com ela e ainda fazer uma tatuagem.

Eu tava era ferrado, com F bem grande.


***


Logo o sábado chegou e fiz algo fora da rotina. Arrumei-me com uma roupa mais casual e caminhei até à estação. O sol estava mais alto no céu do que de costume e a quantidade de pessoas paradas era bem menor.

E lá estava ela, usando os mesmo tênis e usando um vestido cinza escuro, com uma bolsa pequena a tiracolo. Acenou para mim quando me viu e eu me aproximei. Nos cumprimentamos e ela perguntou:

- E ai? Pensou no que quer fazer e onde?

- Talvez faça no braço. - disse apontando - Agora, quanto ao desenho… Talvez um dos seus!

Ela sorriu, talvez feliz, talvez admirada. Eu não sei! Mas eu realmente pesquisei e não encontrei nada que me agradasse. Só pensei que uma arte original dela ficaria de bom tamanho.

- A gente decide lá então, quando ver a pasta com desenhos.

- Ótimo!

Demorou um pouco mais que o normal, mas logo o trem chegou. Entramos e por um milagre de final de semana, conseguimos ir sentados.

Viemos conversando sobre coisas banais no trajeto, como foi o meu trabalho durante a semana e o dela. Eu estava sorridente por fora, mas por dentro estava ansioso.

Descemos no nosso destino e saímos da estação, andando algumas quadras até o estúdio. 

Cristal pegou a chave e abriu o portão de lata, jogando-o para cima. E com outra chave, ela abriu a porta de vidro, revelando finalmente o local em que trabalhava.

Para quem não soubesse pensaria que era só mais uma loja, mas as paredes pichadas e grafitadas chamavam bastante a atenção para o lugar. Era tudo muito bem decorado e até colorido, dando totalmente um ar de estúdio de tatuagem.

- É bem legal aqui! - comentei

- É mesmo! Todos esses grafites nas paredes me inspiram muito.

- Vai ser só a gente aqui? - perguntei

- Por enquanto sim. No sábado as pessoas costumam marcar para mais tarde, então acaba abrindo mais tarde. Mas, como eu tinha um cliente às 10h de um sábado, minha chefe me deu a chave!

- Posso escolher meu desenho já?

- Pode! - respondeu ela, pegando atrás do balcão uma pasta com o seu nome escrito nela

- Fique à vontade para escolher, já que temos tempo.

Sentei-me num dos sofás localizados ali e comecei a folhear as páginas com os desenhos protegidos por uma capa de plástico.

Cristal perguntou se eu tinha tomado café e disse que ia comprar algo para a gente comer, já que talvez a tatuagem demorasse e com certeza teríamos fome. Por sorte, tem uma padaria bem na frente.

Os desenhos da Cristal eram bem variados, entre coisas mais elaboradas e minimalistas. Mas, todas eram muito bonitas. Contudo, uma me chamou bastante atenção, era um casal, parados um dos lado do outro, apenas com os traços básicos. E de uma forma muito estranha, aquilo lembrou a mim, a Cristal e nosso encontro doido numa estação de trem.

Talvez no futuro me arrependesse muito de fazer um desenho no meu corpo relacionado a alguém que só conheço há pouco mais de algumas semanas. Fora isso, eu só a observava de longe. Mas, foi a vontade que me deu na hora e vai ser esta!

Assim que ela voltou, trouxe uns pães, biscoitos e suco.

- Já decidiu? - indagou

- Sim! - apontei

- Esta… Interessante! É uma das mais novas que desenhei. Fiz no dia em que você segurou a porta do trem para mim.

- Sério?

Ela assentiu. Então, era essa mesmo que ia querer.

- É mesmo! Bom, vou preparar tudo aqui para podermos começar. Vai ser no braço mesmo?

- Sim!

Ela arrumou tudo. Higienizou o local que iríamos usar, pegou instrumentos estéreis e descartáveis e passou aquele desenho para uma espécie de papel carbono para poder marcar na minha pele e se guiar durante a tatuagem.

Pediu para eu sentar numa das cadeiras e ela foi para a outra. Entre nós estava um tipo de maca, que as pessoas precisam para quando vão fazer em outros lugares. Só coloquei meu braço ali (o direito) e Cristal usou o papel para deixar o traço de guia na minha pele.

- Não vai demorar, já que ela não é grande. Deixa eu só colocar uma música para ajudar a passar o tempo e a dor. - disse, se virando em direção a TV pendurada no teto, ligando-a.

Colocou uma playlist de músicas de animes antigos para tocar.  Vestiu as luvas, ligou a máquina, que fazia um barulho chatinho, igual broca de dentista.

Lá se foi mais de uma hora daquele aparelho marcando a minha pele pela primeira vez. A dor não era tão grande, talvez pelo local que escolhi, era apenas uma cosquinha um pouco persistente, mas nada dentro do insuportável.

Primeiro ela fez os traços básicos, sempre com as mãos firmes, para que todas as linhas ficassem retas. Durante o processo, a gente continuou as nossas conversas iguais as das viagens no trem.

E de repente, ela perguntou:

- Vai querer colorido ou em preto e branco?

- Como é o seu desenho?

- Colorido! O homem tem cabelos castanhos e a mulher tem…

- Cabelos roxos!

- É, roxo! - sorriu - Ainda bem que interpretamos o desenho da mesma forma.

- Dos personagens sermos eu e você é?

- É…

- Acho que tá bem na sua cara também que você tá a fim de mim!

- Eu nunca disse que não. - riu, sem graça - Sabe, eu ficava te olhando na estação todo dia.

- Eu também ficava! Desde o primeiro dia que apareceu.

Ela se levantou e pegou as tintas coloridas, falando assim que retornou à cadeira.

- Vamos fazer assim: mantenho as roupas com preto e branco e os cabelos coloridos, que tal?

- Acho ótimo!

- E depois vem o branco…

- Por que branco?

- Pontos de luz e tudo o mais.

- Claro!

Levou mais um tempo, mas ela coloriu tudo e passou o branco, que parece que doeu mais que o resto da tatuagem toda. No fim, ela limpou, passou o gel e pediu para que olhasse no espelho, para ver melhor.

Dirigi-me ao espelho e vi como a tatuagem ficou ornando com o resto de mim e ficou muito bom. Agora eu era um gado que fez uma tatuagem para agradar uma crush. Tem hora que a gente é bem otário né? Confesso que ri deste pensamento e a Cristal perguntou, curiosa:

- O que houve, Henrique?

- É que… Isso é tão ridículo!

- O que é ridículo?! - disse, passando o plástico filme no meu braço para proteger

- Não é da tatuagem, eu adorei! Mas, eu deixei você fazer em mim só para te impressionar ou quase isso. Como eu sou besta! - e ri de novo

- Besta sou eu, que convidei um cara para vir fazer uma tatuagem comigo só como desculpa para marcar um encontro com ele.

- Isso é um encontro então? Estou surpreso!

- Não finja que não sabia.

Após dizer isso, nós não resistimos ao impulso e nos beijamos. Nossos lábios se encontraram em um desejo já há muito contido. A coisa foi um bocado violenta, porque a gente veio tropeçando em algumas das coisas que estavam naquele enorme salão, até ela sentar na mesma maca que nos separava minutos antes. Enlaçou suas pernas nas minhas costas e a minha mão foi direto pras suas coxas. Porém, nós dois fomos surpreendidos por uma voz chegando, era a amiga e chefe de Cristal.

- Bom dia, Cristal!

- Ah, bom dia! - falou descendo e indo arrumar a bagunça

- Sabe que não pode ficar namorando os clientes, né? - ironizou

- Sou o Henrique, é um prazer! - me apresentei

- Sou a Juliana, dona do estúdio. Não sei de onde conhece a Cristal, mas melhor nem perguntar.

- Nos conhecemos na estação de trem. - respondi mesmo assim

- Você é o cara que segurou a porta pra ela naquele dia?

- Eu mesmo!

- Ela fala de você o tempo todo!

- Ju, por favor! - deu para ouvir a voz de Cristal lá do fundo

Eu e Juliana rimos. Logo Cristal retornou e eu fiz questão de pagar pelo serviço, mesmo que fosse o nosso encontro.

O estômago deu aquela roncada básica, por causa do horário. Cristal e eu decidimos almoçar (e prosseguir com o nosso encontro), deixando a Juliana no estúdio, já que o cliente que ela marcou já estava chegando.

Tinha um restaurante ali perto e iríamos comer lá, mas com certeza isso não ia acabar no almoço, não depois do que a gente começou lá no estúdio. Então, assim que saímos, falei com ela:

- Quer ir lá para casa depois?

Ela sorriu e assentiu, dizendo sim.


***


Alguns anos depois


Muito tempo se passou desde que conheci a Cristal, porém algumas coisas nunca mudam.

A nossa estação continua a mesma e no mesmo lugar, só que agora nós sempre pegamos o trem juntos, porque trabalhamos juntos.

Depois daquele encontro e mais alguns outros, começamos a namorar e a caminhar juntos com nossos sonhos. Ela com o seu próprio estúdio e eu com meu próprio negócio. 

Primeiro ela continuou um tempo no estúdio da Juliana, juntando dinheiro para conseguir algum espaço, por mínimo que fosse. Já eu continuei trabalhando na mesma empresa, também para juntar uma grana, pensando em ideias do que poderia fazer.

Na verdade, nós juntamos as duas ideias. Inauguramos poucos meses atrás, o estúdio junto com a nossa marca de roupas. Por enquanto, apenas fazemos apenas camisetas simples, mas logo vamos incluir outras peças.

O estúdio da Cristal também abriga os amigos mais jovens e iniciantes, assim como ela foi recebida. E é gratificante ver tudo acontecendo conforme a gente planeja. 

Os trens e as estações continuam as mesmas, só que agora eu tenho alguém com quem fazer esta jornada.

Não me importa o amanhã, desde que esteja com ela ao meu lado.


***


“Um grito de coração que cresce cada vez maior na hesitação

Eu quero um lugar onde eu sinta que não estou sozinho


(...)


Eu quero conhecer uma paixão indelével

Meus pensamentos se sobrepõem e estou indo para amanhã

Vamos apostar tudo no futuro

Mesmo se você for atingido por um vento contrário ou se molhar na chuva fria

Vamos correr com uma paixão indelével

Desejos iluminam o amanhã como a luz”


(Mukaikaze ni Utare Nagara - Minori Chihara)

 
  
 

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