sexta-feira, 28 de março de 2014

Capítulo 5 - Liberdade

Tive algumas ocupações no resto do fim de semana que me impediram de continuar a ler o diário. Então, na segunda seguinte, ao chegar do trabalho, fui tomar um banho. Saindo, falei com minha esposa, que cuidava de Takumi. Fiquei um tempo conversando com ela. De repente, ela me pergunta:
–Não vai ler o diário hoje?
Fiz uma careta e Kazuko continuou:
–Pega lá e senta aqui. Leia do meu lado, quero ver suas reações.
Fiz conforme ela falou. Saberei com detalhes o que ela fez no seu primeiro dia livre na casa. Acomodei-me ao lado de Kazuko e abri o diário na data do dia seguinte.

“Querido diário,
diferente dos outros dias, agora o Sol está se pondo na janela.
Daqui a pouco Makoto chegará do trabalho e certeza que irei ao quarto dele novamente hoje.
Como Makoto me disse que me deixaria livre durante o dia, aproveitei bem. Fiquei feliz só de não estar trancada no quarto. Eu e Makoto tomamos café-da-manhã. Ele saiu para o trabalho.
E eu? Bem... Fui logo explorar aquela biblioteca que tanto me encantara só de ouvir falar. Sempre gostei muito de ler, apesar de ser da classe baixa, que dizem ser “sem cultura”, já li alguns livros clássicos. Considero-me uma boa leitora.”

Isso é verdade! Kazuko devora aquela biblioteca até hoje.
Soltei este comentário em voz alta e ela caiu na gargalhada dizendo “É mesmo!”.

“Pedi licença a empregada e fui caçar a tal biblioteca. Como o apartamento é grande, demorei a achar. Mas quando eu achei, quase tive um infarto e cai para trás. A biblioteca é enorme! Tem várias prateleiras até o teto e ainda tem um segundo andar com mais prateleiras. Tem muitos livros lá! Eu nem sabia por onde começar.
Senti-me uma criança com todos os brinquedos do mundo. Não sabia com o que brincar primeiro, eram um milhão de possibilidades.
Dei uma volta, tentando procurar algo para ao menos começar. Em uma das prateleiras do “segundo andar” havia um livro branco com letras vermelhas, sua cor me chamou atenção. O nome dele é A filha do Conselho*. É uma história de uma jovem da era medieval que foi criado pelo conselho que comandava em seu reino. Ainda estou bem no início, mas estou gostando, mesmo o livro sendo pequeno.”

A filha do Conselho foi um dos livros que li na adolescência. Meu pai quem me deu. Acho que eu gosto deste livro até hoje.

“Peguei o livro e nem consegui começar a ler, era a hora do almoço.
Comi e acabei ficando pela sala assistindo a um filme e algumas outras coisas. A empregada me ofereceu o lanche da tarde e assim que acabei retornei a biblioteca e finalmente li o livro.
Li uns três capítulos e a empregada disse que Makoto já estava a caminho de casa e pediu para cumprir as ordens. Deixei o livro sobre a mesa da biblioteca e vim para cá.
Agora diário, preciso ir. Tenho que tomar um banho, logo Makoto chega.”

Assim, acabou essa parte. Olhei para Kazuko que me observava atentamente.
–Já acabou?
–Já! Cada anotação é bem pequena.
–Leia mais uma, por favor. Você parece estar gostando.
Eu ri e lhe dei um beijo.
Takumi estava dormindo, então ela o colocou no berço, voltou ao meu lado e me abraçou. Virei a página e continuei lendo.

“Olá diário,
Pois é, é a manhã do dia seguinte agora.
Makoto acabou de sair para o trabalho. E bem... Eu fiquei no quarto com ele novamente. E... Ele me fez chupar aquilo de novo. Eu tenho nojo!
Quando estou perto dele me sinto pressionada, esperando que ele me dê ordens e eu faça. Com ele, eu me sinto mesmo uma escrava: vulnerável e a mercê dele.
No momento em que ele bate a porta da sala, eu solto um suspiro de alívio. Posso ter um tempo para mim, para fazer o que quiser. Ser eu mesma. Ficar comigo mesma.
Não estou dizendo isso porque o Makoto me trata mal. Pelo contrário, ele me trata cordialmente e educadamente. Chama-me pelo nome; não grita comigo; não me empurra e nem me bate. (sim, isso acontece com algumas escravas.) Ele só pede as piores coisas no quarto. Mas isso, eu até já esperava.
Eu devo me sentir desse jeito por conta da hierarquia que há entre nós: Ele é meu dono e eu sou escrava dele.
Acho que sinto o reflexo da guerra com isso. Sinto-me em perigo e por isso fico com medo.
Porém, devo manter isso guardado comigo e não demonstrar. Eu não devo esboçar nenhum sentimento em momento algum. Sou apenas um pedaço de carne que satisfaz o meu dono.
Eu sou uma escrava! Não sou uma pessoa. Para ele, não sou uma pessoa!”

Eu acabei de ler chocado! Não sabia e nem imaginava que Kazuko sentia aquilo tudo.
Mas eu até entendo (ou pelo menos tento entender). Ela tinha 17 anos e já estava quase definitivamente livre. Eu cheguei, tirei a liberdade e as esperanças dela.
Lembrei-me dessa época e me senti a pior pessoa do mundo. Não pude evitar de deixar uma lágrima correr. Fechei o diário e o coloquei sobre a mesa de cabeceira da cama.
Eu fiquei entristecido e Kazuko logo percebeu. Olhou para mim e perguntou:
–O que foi, Makoto?
–Só li uma coisa no diário que me fez ficar assim.
–Eu sei o que é! Amor, não fica assim. Isso já passou.
–Eu estraguei a sua vida.
–Naquela época sim. Mas agora não. Eu era adolescente, tinha uma confusão de pensamentos.
–Eu sei! Kazuko, você me deixa descarregar esse remorso?
Ela não respondeu, só me abraçou. Abracei reciprocamente. E ficamos assim por uma meia hora, sem trocar uma palavra.
Eu precisava mesmo tirar esse sentimento que se formou com a leitura daquilo.

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