sexta-feira, 28 de março de 2014

Capítulo 6 - A empregada

No dia seguinte, Kazuko me deixou levar o diário para o trabalho. Poderia lê-lo na hora do almoço. E foi isso que fiz!
Antes que perguntem, eu sou advogado. Então, imaginem a minha responsabilidade em um simples dia de trabalho.
Deixei todos partirem para o almoço e menti que tinha umas coisas para fazer para ler o diário. (Se bem que isso é fazer alguma coisa.) Eu não queria ser perturbado e muito menos interrogado sobre ele.
Ajeitei-me na minha mesa e abri na anotação do dia seguinte.

“Boa noite diário,
disse isso porque já anoiteceu, porém Makoto não chegou. A empregada já mandou eu me preparar para mais tarde. (Sim, isso é perturbador.)
E é sobre ela que falarei hoje!
Só que eu adoro seguir a ordem cronológica, então continuarei exatamente da última coisa que contei.
Depois daquela minha reflexão completamente realista e depressiva, fiquei chorando por um tempo, descarregando aquilo de mim. Decidi voltar a biblioteca e continuar o livro. Li uns dois capítulos e percebi alguém entrar, era a empregada. Parecia que era dia de limpar ali. Primeiro varreu todo o chão daquele lugar e juntou a sujeira num canto com a pá. Trouxe um espanador também. Pelo jeito iria limpar as estantes também.
Eu nunca falei muito com ela, só o necessário. Não a achava uma pessoa ruim, gosto do sorriso que ela carrega no rosto. Ela se dá tão bem com o Makoto. Pode ser que comigo também.
Levantei e peguei o espanador. Ela me olhou surpresa e perguntou:
–O que está fazendo, senhorita?
–Posso ajudar você?
–Claro! - respondeu sorrindo – Pode tirar a poeira das estantes.
Fui limpando e ela foi ao andar de cima para prosseguir varrendo.
Não demorou e logo acabamos. Ela me agradeceu a ajuda e disse que era hora do almoço. Dirigiu-se a cozinha e fui atrás dela.
–Ei, qual é o seu nome? - perguntei
Ela se virou.
–Teratani Keiko. Me chame só de Keiko. E você é Hirasawa...
–Kazuko. - completei – Hirasawa Kazuko.
–Um belo nome. Quem escolheu?
–Minha mãe!
Keiko deu uma risada divertida e falou:
–Parece que quer conversar e eu também. Vamos almoçar juntas, que tal?
–Ótima ideia!
Ajudei-a a pôr a mesa e sentamo-nos uma de frente para a outra. Keiko resolveu começar a conversa.
–Você é tão jovem e bonita. Uma pena que o Sr. Makoto esteja te usando a aquele tipo de coisa.
–Para esse tipo de coisa, eu sou velha. Eu sou jovem quanto ao resto.
–Sr. Makoto comprou a senhorita por muita insistência do pai dele. Ele nunca pensaria em fazer isso, passou a infância e adolescência sendo amigo das escravas do pai. Ele sempre consolava e escutava as meninas. Achava que seu pai as maltratava muito e formou em sua mente que nunca faria igual.”

Acho que agora vocês entenderam bem o motivo para eu ter demorado a procurar uma escrava.
E por que escolhi a Kazuko?
É que... As três escravas de meu pai (Sim, ele ainda as tem.) foram compradas ainda bem crianças e ele faz o que bem entende com elas. Nunca as levou ao médico. Quem leva sou seu, pela amizade que tenho com elas. Realizava suas fantasias mais esquisitas e fazia orgias com elas.
Na época, como elas tem idade próxima a minha, brincávamos durante o dia. Quando crescemos um pouco mais, passei a ser o confessionário delas. E por isso sabia tudo, com os mínimos detalhes, o que acontecia no quarto de meu pai.
As três são traumatizadas até hoje.
Ao ver Kazuko dançando, percebi que seu corpo era mais desenvolvido, concluí que era mais velha. Não escolhi uma mais nova para não traumatizar mais uma pobre menina. Ser comprada já é um trauma grande, vide o exemplo de minha esposa.
A insistência de meu pai foi muita. Eu não queria me assemelhar a ele em nada e assim o fiz.

“-Como sabe disso tudo? Como conheceu o Makoto?
–Eu sou a filha da empregada do pai dele. Eu o vi nascer e crescer. Conversamos muito até hoje. Vi tudo isso acontecer.
–E a mãe de Makoto? Não fazia nada?
–Ela morreu quando ele tinha dois anos.
–Sinto muito. - falei cabisbaixa
–Você não sabia, fique calma.
Sorri para ela, que perguntou:
–E você? Quero saber da sua história?
Contei para Keiko um básico sobre mim. Assim que acabei de falar, terminamos de comer.
–Gostei de conversar com você, Srt. Hirasawa.
–Pode me chamar de Kazuko.
–Kazuko! - disse sorrindo
Ajudei a tirar a mesa e também em mais algumas coisas da casa. Fizemos o lanche da tarde juntas e conversando novamente.
Ela me contou que fez questão de trabalhar na casa de Makoto quando ele passou a morar sozinho. Contou que tinha sua família e era muito feliz.
–Até tenho o final de semana de folga!
Disse também que Makoto era um ótimo patrão e pessoa.
A conversa estava tão boa que até vimos um filme juntas e a hora passou rápido. Olhamos a janela e já havia escurecido. Keiko deu um pulo e disse, meio nervosa:
–Caramba, tenho que fazer o jantar. Makoto logo chega. Deve se arrumar, Kazuko.
Ela foi até a cozinha se adiantar e eu vim para cá.
Com a conversa que tive com Keiko, passei a entender todo o modo que Makoto me trata. E agora fico até agradecida com isso.
Rin talvez tenha razão: Tirei um azar sortudo.
Agora, diário, tenho que ir.”

Então foi por isso que a Keiko atrasou o jantar daquela noite. Ela chegou a me contar que bateu um papinho com Kazuko.
Se bem que esse diminutivo não encaixa muito bem.
Minha esposa acabou sabendo mais sobre mim do que eu sabia dela naqueles tempos. Conversávamos pouco.
Uma algazarra me chamou atenção, o pessoal do escritório retornava do almoço. Fechei o caderno rapidamente e coloquei-o na minha bolsa.

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